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Dia de festa! 18 anos do Calvin… ♥

[4h54] Meu #dinofilhote completando 18 anos. DEZOITO ANOS. Hoje. Agora. Difícil acreditar que tanto tempo passou… Ele ainda é uma criança.

Calvin sensualizando no sofá, ao acordar

Calvin sensualizando no sofá, ao acordar

Acorda. Vem correndo ver se estamos no quarto. Se ainda está com sono, volta pra cama. Se acordou mesmo, ou senta em frente ao meu computador e espera que ligue e coloque música pra ele ou vai sentar na sala em frente à tevê — que não desliga nunca, ou ele levanta apenas para ligá-la no meio da madrugada. Bebe água. Vai no banheiro. Volta pra sala. Espera o café. Bebe, come. E fica o resto do dia entre a sala e o quarto. Entre a tevê da sala e a janela e a tevê do quarto e o computador. Tudo ligado ao mesmo tempo. Vai trocentas vezes ao banheiro. Aprendeu a se limpar sozinho, mas se veste de qualquer jeito. Faz de qualquer bermuda uma grande fralda, pelo jeito como se veste embolando tudo. Aprendeu a dar descarga no banheiro, mas dá antes do que tem pra fazer. Ri de si mesmo, da tevê, dos ataques de raiva do Gilson (disso até eu rio), dos latidos da Lalá, comemora quando os vizinhos chegam no prédio, festeja quando toca a campainha.

tem que ficar assim, retinho, encostados na parede... ele confere sempre que sai do banho

tem que ficar assim, retinho

Não, ele não é um autista comum. Gosta de pequenas mudanças na rotina. Algumas. Para outras reaje como se tivesse TOC. Os objetos sobre o balcão da pia do banheiro precisam ficar alinhados, o telefone precisa ficar na base. Conta o tempo mentalmente. Mesmo que não esteja com fome fica me perturbando se passa das 21h e não vou pra cozinha fazer o #dinojantar. Essa rotina só é quebrada quando não estou. O Gilson leva, e o leva, de outro jeito. Adora banho, desde que seja quente e no chuveirinho. Não que se lave direito, porque só se molha e fica o tempo todo jogando água no peito. E a rotina do banho é… primeiro escova os dentes — eu escovo os dentes dele. Lavo o cabelo. Ensaboo, ele deixa esfregar bem, vira de costas e fecha os olhos para enxaguar. Vira de novo, termino de enxaguar. Passo o condicionador, e deixo pra enxaguar depois. Pego o sabonete e ele espera os comandos. Levanta o braço, primeiro o esquerdo, ensaboar, enxaguar. Depois o direito. Lava o combo pinto-saco. Comando “vira”, lava as costas, a bunda. “Vira”, lava as pernas. “Levanta o pé”, primeiro o esquerdo. “O outro”, o direito. Termino de enxaguar o cabelo e o corpo. Lavo o rosto. foto (11)Pego a toalha. Ele sabe que este é o comando pra fechar o chuveiro. “Vem”, ele sai do box. Eu o seco, quase na mesma ordem do banho. Primeiro o rosto, o excesso de água do cabelo, a mão esquerda, o braço. Passo pra mão direita, o braço. Seco até o barrigão, o combo pinto-saco. “Vira”. Tiro o excesso de água da parte de trás do cabelo, seco o pescoço, as costas, a bunda. “Vira”. Me abaixo para secar as pernas. Primeiro a esquerda, depois a direita, até o pé. Volto e termino de secar o cabelo. Penteio o cabelo. Passo desodorante. “Vem” e ele dá dois passos até o quarto dele, onde já deixei a roupa limpa separada para vesti-lo. Visto-o. Primeiro a cueca, depois a camiseta. Se não estiver calorão, a bermuda e mais a sandália. “Vai”. Ufa! Vou arrumar a bagunça.

o banho é sempre feliz, ainda mais quando o Gilson está do outro lado da cortina fazendo palhaçada...

o banho é sempre feliz, ainda mais quando o Gilson está do outro lado da cortina fazendo palhaçada…

É assim também antes de dormir. Mas aí, ele já está sonolento por causa da medicação, e quando termina de vestir o pijama, o comando é “Pra cama”. Ele deita. Dou um boneco amarelo, sem braço já que ele gosta de andar pra cima e pra baixo. O cubro. Um beijinho na boca. Repito “eu te amo”. Um beijinho de esquimó. Outro beijinho na boca. “Dorme”. Desligo as luzes extras, fica só a do corredor. Às vezes ele levanta meio zumbi para desligar essa também. Deixo como ele quer. Finalmente descanso.

Nem sei há quanto tempo é essa a minha rotina. Teve um tempo que ele não dormia, e eu também não. Mas, agora além de estar mais leve, divido-a com o Gilson. E, confesso, estou curtindo ver a relação que eles estão construindo. Eles se gostam, mesmo. Não poderia ser diferente. É tão desgastante que só com muito afeto para suportar. É desse afeto que brota as doses extras de paciência que se fazem necessárias.

Calvin, Gilson e Lalá, fazendo bagunça no sofá...

Calvin, Gilson e Lalá, fazendo bagunça no sofá…

Quanto tempo mais nessa rotina? Não sei. Aprendi a viver um dia de cada vez e não pensar muito no futuro. Já foi tão pior… Já estivemos um sem o outro por um longo tempo. E doeu tanto que nem é bom lembrar. Ou é, para saber o que festejamos hoje. Somos uma família bem torta e de horário malucos, é fato, mas que se estruturou do jeito certo, sobre afeto. E sobra afeto.

Acho que o Calvin é bem feliz nessa nossa bagunça. E hoje é dia de cantar parabéns!

... ♥

… ♥


Feliz dia do “vem me limpar”, que nunca ouvi

Tão difícil definir minha relação com a maternidade que nem tento. Não gosto de datas comerciais, mas de uma forma ou outra as manifestações desses dias me atingem. Recebo os parabéns com atenção, respondo a todos. Sei do carinho dos amigxs por mim. Sei também do respeito por essa minha história torta e tão do avesso — essa sem definição — com a maternidade.

Só sei que ver as manifestações de tantxs filhxs que envolvem escritas, falas e declarações “normais” de afeto para com suas mães mexe comigo. Não tem como não. Até as brincadeiras do tipo “feliz dia do ‘tô com fome'”, “feliz dia do ‘quero ir embora'”, “feliz dia do ‘vem me limpar'” me deixam miudinha. Nunca ouvi nada disso, e nem vou. E… Ah, como eu queria ouvir.

Mas já, já, passa. O dia já vai se encaminhando para o final, e eu tenho muito trabalho, é fato, mas também tenho muitas alegrias. Apenas que elas não cabem nessa caixinha do ‘ser mãe’ de todos. É um outro jeito de fazer, sentir, ser. Nem faço questão de me fazer entender, era só para desabafar mesmo.

eu + Calvin = nós! ♥

eu + Calvin = nós! ♥


Um lindo dia… ♥

[4h54] Neste exato minuto meu dino filhote está completando 17 anos. E se no ano passado eu estava fazendo um esforço enorme nesse mesmo dia para não chorar e não morrer de culpa, ainda que estivesse sendo comoventemente ampara/mimada pelo Gilson, hoje estou com aquele sentimento de realização, de dever cumprido e bem comigo mesma.

Meu dino está roncando (e alto, em função da gripe que resolveu dar as caras), e só de ouvi-lo meu coração aquece. Amanhã acordo cedinho e vou cumprir o rito que me é mais caro desde que ele nasceu… Fazer eu mesma o bolo dele de ‘avinersário’ e ter o prazer de vê-lo se empanturrar com o bolo — ele adora bolo de aniversário, desses com massinha delicada, recheio e cobertura.

cenas de chamego explícito... ♥

cenas de chamego explícito… ♥

Que o dia de todos seja tão bom quanto será o nosso nesse 19 de maio. E cheio de chamego, igualzinho nessa foto que fizemos no último domingo aqui, no novo endereço do Parque Jurassí. 🙂

O “amanhã”, que transformei em hoje…


Considerações sobre inclusão de alunos com deficiência TGD na rede pública de ensino

calvin_balão

Minha grande amiga Renata Lins me mandou um projeto de lei municipal que trata da inclusão de alunos com deficiência TGD (Transtornos Globais do Desenvolvimento) e superdotados na rede municipal de ensino do Rio de Janeiro me pedindo que opinasse a respeito. Sempre evitei opinar sobre o tema porque sempre o farei como mãe e por mais que mães de crianças específicas sejam quase especialistas na síndrome/transtorno de seu rebento isso não as credencia como especialistas de fato. Mas também já passou da hora de escrever alguma coisa a respeito. Então, bóra listar em forma de considerações e/ou questionamentos tudo que venho pensando nesses quase quinze anos em que convivo com essa realidade.

1) A ideia da inclusão é linda, mas irreal. Surreal, eu diria. Por mais que o princípio seja o da universalidade do ensino e de educar cidadãos desde pequenos a conviver e respeitar o diferente — e só por isso o projeto da inclusão já quase se justificaria –, formando um outro perfil de cidadania, ele desconsidera quem está incluindo, a especificidade de cada síndrome, transtorno, caso e principalmente desconsidera a individualidade de cada uma dessas crianças.

2) A escola pública não está preparada para receber sequer os alunos das síndromes mais comuns como down ou as deficiências físicas como visual, auditiva e motora (as escolas cariocas todas tem rampa de acesso para cadeirantes?), quanto mais outras crianças com problemas mais específicos e/ou mais graves e complicados de lidar, tratar. E não é que essas crianças não sejam sociáveis ou socializáveis, é que cada uma das síndromes tem um método de tratamento e de estimulação específica para o aprendizado. Como respeitar o ritmo, método e tratamento de cada um junto com crianças ditas normais (e ainda temos que considerar aqui que muitas dessas crianças normais apresentam dificuldades e ritmos diferentes que precisam ser observados e respeitados dentro do global da sala de aula e da escola). Então, a não ser que estejamos pensando em enlouquecer todos os professores da rede pública — que não receberão um adicional por insalubridade — é bom pensarmos e olharmos para essa questão com mais cuidado e municiados de mais ângulos e opiniões.

3) As escolas públicas são seguras? O poder público não consegue evitar que drogas e armas entrem nas escolas. Fato. Exceto quando há democracia participativa na escola e a comunidade se envolve com a escola. Crianças com deficiência TGD são mais indefesas e a ampla maioria toma medicação pesada, que se misturada com álcool ou drogas pode causar danos irreversíveis. A escola pública está preparada para evitar isso? Ou essas crianças ficariam apartadas das demais (indo contra o princípio da inclusão) durante o recreio ou com horários de entrada e saída diferentes das demais?

4) Crianças ditas normais só por uma pequena diferença na aparência ou nos hábitos sofrem bullying (que inclui violência psicológica e física, podendo incluir violência sexual). Crianças específicas com deficiência TGD não têm preparo nenhum para isso. Pior. Não têm defesa nenhuma, são vítimas fáceis demais (e só de pensar nisso o coração fica esmigalhado). O projeto de inclusão está preparado para lidar com isso?

5) O projeto de inclusão, como está colocado, é como colocar na mesma sala de aula japonês, cachorro e planta e exigir resultados. Sim, porque os governos cada vez mais aderem a programas que exigem aprovação e resultados e desconsideram pessoas, onde professores são estimulados a aprovar mais para aumentar seu salário. É nesse cenário que se pretende cidadania? Tem algo errado nessa conta… É como se existisse a escola do papel (finge que ensina), a escola ideal (inclusiva) e a escola real (alunos nem precisam fingir que aprendem porque o professor vai aprová-lo, pressionado pela direção da escola e por suas contas).

6) Pensando sobre os pais de crianças específicas, sindrômicas e com deficiência TGD e a dúvida entre escola normal ou específica (teve uma novela que tratava do tema, a mãe tinha que escolher entre matricular a filha down numa escola específica ou numa escola normal — detalhe: ela podia escolher porque tinha dinheiro para pagar uma escola particular disposta à inclusão e estava preparada psicologicamente para a batalha diária de disputa de cada espaço), fico com as escolas específicas. Não as particulares, mas as assistenciais mesmo. Estão totalmente voltadas para atender cada criança em sua especificidade, são totalmente adaptadas fisicamente, os professores, direção e funcionários sabem como lidar com crises, gritos e situações de emergência como convulsões, menstruação antes do tempo no caso das meninas (porque a única coisa normal em crianças especiais é o desenvolvimento sexual) e externalização de excitação no caso dos meninos, fugas e tentativas de fugas, entre uma infinidade de detalhes que nem eu que já vivenciei essa rotina e realidade teria como lembrar de tudo para listar aqui. E é preciso observar que todo ser humano, normal ou com qualquer tipo de transtorno, desenvolve e aprende melhor num ambiente onde se sinta bem, confortável, aceito. Essas crianças têm suas potencialidades melhor desenvolvidas e aproveitadas nesses ambientes, das instituições e fundações assistenciais, que não visam lucro, e geralmente são dirigidas por pais de crianças com algum transtorno.

7) Alguém faz ideia do gasto — caso cada município decida se preparar de fato — que é adaptar e equipar fisicamente todas as escolas da rede para a inclusão? Capacitação de professores, funcionários e direções para lidar com todas essas crianças tão diferentes e com tantas diferenças juntas? Detalhe: Nas instituições vão trabalhar profissionais que tem empatia com essas crianças e/ou se dedicam, escolheram a causa da inclusão dessas crianças no mundo e se voltam para prepará-la da melhor forma possível. Na escola pública como garantir a “boa vontade” e dedicação de todos os profissionais com essas crianças e seus transtornos, especificidades? Existe garantia desse investimento para inclusão? Sim, essa última pergunta parece deboche. Porque né…

Sou contra a inclusão? Não. Mas tenho muitas dúvidas sobre como se processará essa inclusão, na escola pública que temos e com o respeito (NOT) que temos (sociedade e Estado) pelos educadores.

Se me perguntassem qual a melhor solução, dada a realidade que temos e falta total de condições de lidar com o tema, acharia melhor o Estado investir 10% do que teria que gastar (sabemos que não gastaria um centavo a mais, então isso é hipotético, como hipotético é o compromisso dos governantes com a educação em geral no Brasil) para que a inclusão se desse na rede pública, e distribuísse entre as escolas/instituições/fundações assistenciais que já cuidam de crianças específicas. E cuidam bem, porque pensam o desenvolvimento de forma global, incluindo fisioterapia e pequenas conquistas de independência e autonomia.

Nem pensei nos itens transporte, alimentação e escola de turno integral — porque há que se considerar a realidade das famílias das crianças específicas, e que quase a totalidade delas é chefiada por mulheres que precisam dar conta do sustento e de outros filhos. Não vou tratar também da tendência da sociedade em achar que as mães de crianças específicas precisam se transformar em heroínas (sem amparo ou condição alguma), exemplos de superação e abnegação e abrir mão de suas vidas para viver exclusivamente a vida desse filho/a específico/a, ignorando os/as demais filhos/as quando há.

Essas são apenas considerações e questionamentos e opinião da mãe de um portador de deficiência TGD com características muito específicas, e que já tentou mantê-lo em escola normal e viu o filho ser melhor tratado e alcançar melhores resultados de desenvolvimento, aprendizagem e autonomia numa instituição assistencial, sem pagar um centavo por isso, embora não fosse atendido todos os dias da semana pela falta de recursos.

p.s.1: Tudo que vi de inclusão até hoje só serviu para desobrigar o Estado dessas crianças e da educação específica.

p.s.2: Detesto a expressão “especial”, e alterei nesse texto toda vez que ela aparecia por “específica” (atualização em 18/01, 14h45), seguindo a dica da amiga jornalista Letícia Sallorenzo. Grata.

p.s.3: Se eu estiver desatualizada da discussão ou tiver cometido alguma gafe, AVISEM! Não acho que sou dona da verdade e ficarei muito grata. A ideia do post é provocar a discussão e a reflexão sobre o tema.

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Para quem não conhece, aqui tem um pedaço grande da minha história com o Calvin.


Eu, desumana

Faz um certo tempo que me desconheço. Não me reconheço em ações e atitudes e nem mesmo na revolta, minha velha parceira da vida inteira. Será esse o lado bom da dor? Não falo da dor extrema que vem em contrações porque já sabe de antemão que o corpo não vai aguentar, mas àquela dor moto-perpétuo.

Há um ano, numa tarde muito fria (tipo 5ºC no máximo) e ensolarada, olhei meu filho dormindo, me debrucei sobre ele na cama, dei um longo beijo nele e saí quase que correndo porta afora antes que perdesse a coragem. Ainda não voltei. Os planos ainda não funcionaram. Nada ainda deu certo e não há um dia em que não me pergunte se darão, se valerá a pena… Certo mesmo só essa dor, que já fez morada. No dia em que ela for embora é capaz que sinta o vazio, o buraco no peito.

Já não me acho mais humana. Mutei. Virei uma outra coisa qualquer, sem nome, sem definição. De vez em quando me divirto, rio e até consigo relaxar. Mas acho graça e um tanto estranho se alguém me pergunta se estou feliz… Sobrevivo com um pedaço meu imenso longe de mim. Como seria possível a felicidade assim?

Para não ficar muito chata eu digo que aguento, que seguro as pontas, que só alguns dias é que são piores… A incrível arte de tentar mentir para si mesma, respirar fundo e tentar racionalizar a dor dizendo que será só por mais um dia. Não será. Mas, tomara que não demore muito.

Se alguém tiver algum alento não se acanhe em oferecer.

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Mais?
Dias de Mudança
Estranhamento
O amanhã colorido
Vapor de água
O caminho escolhido


Filhote dinossauro… [2]

4h54 :: No exato momento em que esse post vai ao ar meu filhote dinossauro está completando 16 anos de vida. E, pela primeira vez não estou às voltas com seu bolo ou enchendo os balões e nem amanhã será dia de festa. Pelo menos não para mim.

É o primeiro aniversário do meu dino em que estou longe dele e não que esse dia doa mais do que todos os outros em que estamos separados, mas é significativo. É como se o punhal que faz sangrar meu coração diariamente afundasse mais e ainda girasse… Dor quase insuportável.

Vivo pelo dia do nosso reencontro, o dia em que poderei ficar contemplando seu rosto como nessa foto em que ele tinha só seis meses e poderei tê-lo debaixo da minha pata de mãe dinossaura de novo.

Para mim ele será sempre esse filhotinho.

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Leia também: Dinossauro filhote…


Essa deveria ser a única lei do universo…


A ilusão da casa

A ideia de não ter casa ou pouso fixo normalmente atrai, pela sensação de “irresponsabilidade” permitida e liberdade. Nunca tive casa (no sentido de lar), mas sempre tive um endereço onde morei a maior parte da minha vida e onde reconhecia cheiros, paredes, pessoas e onde dormia sem sobressaltos. O que não tem sido possível.

Por mais que viver solta por aí tenha uma aura de sedução, não se reconhecer em nada ou ninguém não é fácil. Mesmo que da casa tivesse só a ilusão — me apossando aqui da composição do amado Vitor Ramil para conseguir me expressar — de ter lugar para repousar do mundo e da batalha diária, ela é vital. Pelo menos para pés tão cravados no chão.

Falando em Vitor Ramil, não é de hoje que o apresento a quem encontro pela vida afora. Ele é bem mais que uma inspiração casual para escrever, é o meu compositor preferido. Diferente da ampla maioria dos artistas gaúchos que alcançam fama nacional — ou que objetivam a fama nacional — como seus irmãos mais velhos, Adriana Calcanhotto, Elis Regina, entre outros, o Vitor escolheu morar em Pelotas e mesmo que passe a maior parte do ano viajando, seu pouso, lar, coisas, ficam lá.

Nem todo mundo tem o talento do Vitor e pode escolher onde morar e continuar fazendo, trabalhando no que gosta. Nos meus últimos anos em Pelotas era morar lá ou ser jornalista. As duas coisas juntas mais o Calvin não foram possíveis para mim. Dói muito não estar em Pelotas. Não há outro lugar no mundo onde queira morar ou estar mais do que na Satolep descrita, poetizada e cantada por Vitor (por mais idealizada que seja).

Sua música me traz Pelotas. Me transporto pra lá pelo som da sua voz e na melodia de suas canções. Sinto meus passos pelas ruas úmidas, o cheiro da cidade, vejo as pessoas… A contradição do momento é que quanto mais a saudade aperta menos consigo ouvi-lo. E não ouvir a música do Vitor dói também, torna a vida mais triste, tudo fica menos. Suas canções me trazem a presença do Calvin tanto quanto as do Smiths. O ensinei a gostar dos dois. É nesse misto de “never never want to go home because i haven’t got one anymore” e “o tempo é o meu lugar, o tempo é minha casa, a casa é onde quero estar” que tenho vivido nos últimos meses.

Não posso voltar para Pelotas agora e é lá que está o meu melhor pedaço. Queria poder desembarcar do mundo numa estação da Satolep imaginária do Vitor para me recompor e parar de doer. O “me encontrar” é um luxo com o qual nem sonho mais neste mundo.


Tinha que ser!

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Dia 05 — Um livro que lhe faz sorrir

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O livro que me faz rir ou sorrir é, sem dúvida alguma, qualquer Calvin e Haroldo do Bill Watterson. Gosto também da Mafalda do Quino, mas o Calvin me faz dar gargalhadas sozinha. Não à toa dei o nome dele ao meu filho. Nunca fui muito fã de gibis ou outras histórias em quadrinhos, mas de tirinhas sou fã confessa e rasgada.

Sempre disse que se algum dia na vida tivesse um filho colocaria o nome de Calvin, mas quando engravidei entrei em dúvida. Na verdade tudo era dúvida, inclusive eu e a gravidez e aquele me tornar mãe estabanado e imprevisto. Mas Bill Watterson, o autor, que produzia diariamente as tirinhas desse menino de seis anos tão crítico, singular e insolente (ou seja, uma peste) decidiu “matá-lo” em 31 de dezembro de 1995 (meu aniversário, grávida…) e isso tudo me confundiu demais (como se não tivesse coisas suficientes me confundindo…). Mas foi apenas no início de março de 1996 que li a tirinha final de Calvin e Haroldo e chorei tanto e tão compulsivamente que acho que comecei a re-decidir ali que o meu filhote seria mesmo Calvin. O blog Pensar Enlouquece, do Alexandre Inagaki, escreveu sobre essa tira, a mais triste de todos os tempos.

Já tive vários livros com tirinhas do Calvin e Haroldo, mas o único que guardo e carrego comigo é O Mundo é Mágico — porque ganhei de um amigo muito querido que mora lá em João Pessoa — e depois dele os preferidos são O Ataque dos Perturbados Monstros de Neve Mutantes e Assassinos e Tem Alguma Coisa Babando Embaixo da Cama.

No Depósito do Calvin (que está linkado na barra esquerda do Pimenta com Limão desde sempre) é possível ler e salvar várias tiras. O site Submarino está vendendo um box com sete livros (E Foi Assim que Tudo Começou, Tem Alguma Coisa Babando Debaixo da Cama, Yukon Ho!, Criaturas Bizarras de Outro Planeta, A Hora da Vingança, Deu “Tilt” no Progresso Científico, O Ataque dos Pertubados Monstros de Neve Mutantes Assassinos).

Aqui uma entrevista com Bill Watterson sobre Calvin e Haroldo.

Outra tirinha do Calvin e Haroldo sobre ateísmo matemático que já publiquei. Tem como não amar?

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Também estão participando da brincadeira a Luciana do Eu Sou a Graúna, a Tina do Pergunte ao Pixel, a Renata do As Agruras e as Delícias de Ser, a Rita do Estrada Anil, a Marília do Mulher Alternativa, a Grazi do Opiniões e Livros, a Mayara do Mayroses e a Cláudia do Nem Tão Óbvio Assim. Mais alguém?

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O amanhã colorido

Era fã da Cidadão Quem desde antes da banda, quando o Duca Leindecker lançou um disco solo quase todo instrumental lá no final dos anos 80. Um dia fuçando o site da CQ, que achei lindo logo de cara, a primeira música selecionada para tocar no playlist era (e ainda é) O Amanhã Colorido, numa versão com a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre gravada em estúdio. Fiquei tão encantada que ficava ouvindo repetidas vezes, exatamente como fiz enquanto escrevia esse texto.

Duca Leindecker

Tudo nessa canção a descreve como uma declaração de amor. Um testamento tão especial que a única pessoa em quem conseguia pensar quando a ouvia era no Calvin. Descobri que Duca a havia escrito para o seu filho Guilherme quando li essa declaração: “Eu gostaria que ele soubesse como eu vejo a vida. Melhor do que dinheiro ou qualquer coisa que eu deixe, é a minha forma de ver a vida”.

A canção ganhou um contorno tanto mais mágico e especial quanto doloroso, porque eu adoraria poder dizer todas essas coisas um dia para o meu filho. E que ele pudesse entender. Mas tanto eu quanto o Calvin só podemos sentir tudo isso. Ele nunca será independente ao ponto de jogar bola, descobrir um ideal ou até mesmo quebrar o pé numa estripulia própria de guri (espero que nunca quebre mesmo porque vai ser muito difícil convencê-lo a ficar quieto o tempo que demora um osso quebrado para soldar).

Ele não fará ideia de quanto tempo esperei para vê-lo sorrir, para poder seguir e o quanto esse tempo foi doloroso. Mas acho que ele prefere vermelho. Ou eu que prefiro e tendo a achar que ele também prefere. Ele canta várias das canções que ensinei ele a gostar e que ouvíamos juntos, e muitas são composições do Duca. Sinto falta da mão dele apertando a minha e nunca saberei se ele guarda nossos momentos na lembrança e nem se me perdoará pelo meu afastamento. Nunca o verei correndo em direção ao seu futuro, mas sempre estarei aqui para amá-lo mesmo que à distância. Espero que ele nunca desista de mim porque jamais desistirei dele.

Mesmo amando essa canção, foi muito difícil ver a vida passar pelo espelho e não ver todo o resto acontecer. Certamente o tempo está no pensamento e espero que o amor que nos une trasforme esse nosso hiato numa fração de segundo quando nos reencontrarmos. Vivo por esse dia e espero correr o suficiente para transformar nosso presente monocromático num futuro cheio de cores.

Não tenho o talento do Duca para expressar meus sentimentos e por mais que escreva  nunca me farei entender completamente. Pelo menos não com relação ao Calvin. Então, ouçam essa versão ainda mais linda de O Amanhã Colorido com a Pouca Vogal (dupla formada com Humberto Gessinger), que o resto serão histórias a serem contadas depois.

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Olha a luz que brilha de manhã
Saiba quanto tempo estive aqui
Esperando pra te ver sorrir
Pra poder seguir

Lembre que hoje vai ter pôr-do-sol
Esqueça o que falei sobre sair
Corra muito além da escuridão
E corra, corra…

Não desista de quem desistiu
Do amor que move tudo aqui
Jogue bola, cante uma canção
Aperte a minha mão

Quebre o pé, descubra um ideal
Saiba que é preciso amar você
Não esqueça que estarei aqui
E corra, corra…

Azul, vermelho
Pelo espelho
A vida vai passar
E o tempo está no pensamento

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Dias de mudança

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Minha experiência com a maternidade é complexa e contraditória. Já relatei algumas das dificuldades sem carregar muito nas tintas e poupando a todos dos detalhes sórdidos. Mas é fato que todos que me conheceram como mãe se surpreendem/surpreenderam porque nunca tive mesmo nenhuma vocação para a maternidade e fui muito além do que podia e sabia.
Calvin completou quinze anos em maio e eu decidi que era o momento de dar continuidade a minha vida, meio que interrompida desde que foi diagnosticada a síndrome dele há treze anos atrás. Agora vou cuidar de mim e dos sonhos que ficaram sufocados mofando dentro de mim durante esse tempo.
Essa decisão e a saudade já são dolorosas o suficiente, mas sei que as pedras virão. Podem atirar, estou preparada para elas e para  viver o resto da minha vida como sempre achei que devia.

Sem mais explicações ou satisfações.


Eu e o meu autista

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Escrevi um guest post para o blog da Lola Aronovich – Escreva Lola, Escreva – sobre a minha relação com o autismo e com o meu autista, Calvin. A encomenda do texto se deu porque no sábado, 2 de abril, foi o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo. Embora o Calvin não seja um quadro típico (fechado) de autismo, decidi escrever minha experiência e dar minha contribuição na conscientização sobre essa condição, síndrome.

Deixo aqui um trecho e ao final o link para o texto completo:

“Numa das minhas vindas a Pelotas para vê-lo, estava acompanhada de sua pediatra, que é também uma amiga, e o viu tendo as costumeiras “tonturas” e identificou como convulsão – até este momento, eu não sabia o que era. O chão se abriu sob meus pés. Nunca estive numa zona tão desconfortável, nem mesmo na gravidez.
Dois meses depois veio o diagnóstico: Síndrome de Lennox-Gastaut – epilepsia, atraso no desenvolvimento, dificuldade na aprendizagem e sintomas do autismo – agravada por uma minúscula falha no tecido cerebral na região que determina a coordenação motora fina e a fala. Ele emite sons, canta inclusive, mas não consegue articular a fala.
Confesso que isso foi um soco no estômago do qual ainda sinto a dor. Autistas vivem num mundo próprio e é preciso muita disposição e persistência para conseguir entrar nesse mundo. Eles vivem de rotina, todo dia tudo sempre igual, móveis no mesmo lugar, da mesma cor e formato, paredes sempre na mesma cor, não cumprimentam e não te olham nos olhos (aqui um vídeo sobre um método ensinado a pais de autistas). Para diminuir um pouco os meus desafios como profissional da comunicação social, o Calvin não é um quadro típico de autismo (ou um quadro fechado) e consegui criar canais para interagir com ele. Ele aceita algumas mudanças na rotina, desde que programadas e acordadas antes, aceita roupas novas de cores diferentes – aliás, ele adora roupa e calçado novos –, brinquedos diferentes, só a rotina da alimentação nos horários e a rotina (passos) para tomar banho e ir dormir é que precisa ser cumprida à risca, ou ele volta a fazer xixi na cama. A diferença fundamental do Calvin para os demais autistas é que ele interage com o mundo ao redor, se fechando apenas de vez em quando. Mas tem aqueles tiques de repetir movimentos e sons por horas a fio. Quando resolve cantar seus mantras ou ficar batendo com as costas no sofá é dose de aguentar. Atualmente ele fica repetindo sem parar um som parecido com soluços.”

Leia o guest post desabafo completo no blog da Lola.

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Vida de ativista ou sobre como a violência de gênero me atinge

Meu momento MiMiMi ao final dos 5 dias de ativismo online pelo #FimDaViolenciaContraMulher
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Vida de ativista parece fácil, né? Afinal, como dizia a minha avó Carolina, quem corre por gosto não cansa. Na teoria. Na prática, cansa e muito.
Sou meio revoltada assim desde sempre. No jardim de infância da escola paroquial onde estudei até a 4ª série, já protestava contra a exclusão de duas colegas negras e mais pobres que os demais do grupo da merenda. Naquela época a escola não era obrigada a oferecer merenda e cada um levava a sua. Essas duas nunca levavam. E eu, para tentar incluí-las, levava merenda para três e dividia. Protestei também contra a obrigatoriedade de cantar o hino nacional em fila nas segundas-feiras e ainda beijei um coleguinha no rosto em pleno recreio. Isso em 1977, aos cinco anos de idade. Não é à toa que sempre me senti um E.T. neste mundo, meio fora de esquadro e compasso. Fato é que nunca consegui assistir calada uma injustiça e sempre fiz o que me “deu na telha”.
Me assumo comunista desde os 15 anos e feminista desde os 20. Desde que minha consciência de gênero aflorou – ou foi forjada na opressão e discriminação da militância no PT e no movimento estudantil – o mundo ganhou algumas cores e perdeu outras. Na utopia de sonhar com o impossível fui tentando fazer o possível para suportar o dia a dia. Mais ou menos como diz o Belchior naquela canção, “a minha alucinação é suportar o dia a dia e meu delírio é a experiência com coisas reais”.
Para quem não sabe, o meu filhote dinossauro (forma carinhosa como sempre me refiro a ele no tuíter) é um quase autista de 14 anos, portador da Síndrome de Lennox-Gastaut. Ele não articula a fala e é praticamente um bebezão no corpo de um adolescente. Eu o crio sozinha, com a ajuda da minha família – ajuda que muitas vezes me sai cara demais – e confesso estar muito cansada. Desde a gravidez já foram três crises de depressão profunda, cada uma mais longa que a anterior. Nunca alimentei sonhos com a maternidade e até eu me surpreendo comigo enquanto “mãe”. Minha jornada é tripla, às vezes quádrupla. Durmo em média quatro horas por dia, trabalho fora, cuido do Calvin e da casa e ainda tento arrumar tempo para blogar, tuitar – minha diversão e ativismo no momento. Não sobra tempo pra mim.
Hoje, enquanto participava da entrevista na Radiocom com a Cíntia Barenho – companheira muito querida nesta jornada dos 5 dias de ativismo online pelo fim da violência contra a mulher, que tive o prazer de conhecer pessoalmente –, e falávamos das diversas formas de violência de gênero, me dei conta que enquanto falava lutava contra o meu cansaço físico e dores pelo corpo para estar ali. Não eram nem 10h. Me senti violentada. Esse mundo capitalista e machista me violenta todos os dias na falta de estrutura e de condições básicas para a minha existência. Me sinto tão pouco cidadã que exercer meu ativismo soa quase ridículo. Fico apontando a falta de estrutura do Estado para combater e prevenir a violência contra as mulheres e ainda não consegui apontar a falta de estrutura do Estado com a chamada educação especial (eu definiria como educação diferenciada) porque me parece que legislar em causa própria é muito imediatista e egoísta. Mas o fato é que este Estado e este governo não garantem ao meu filho nem educação e nem saúde públicas de qualidade e com isso me violenta duplamente.
Cheguei em casa exausta hoje. Duas entrevistas, muito trabalho chato e o Calvin carente da minha presença com crises de ciúme do computador, sem me deixar continuar meu ativismo online pelo fim da violência contra as outras mulheres.
Ai, ai, Complexo de Cinderela batendo na porta mais uma vez… Vida de ativista é assim mesmo. Não é?

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Filhote dinossauro…

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4h54 :: No exato momento em que estou postando esse texto, meu filho está completando 14 anos. Como todos os anos, estou aqui às voltas com os preparativos do bolo de aniversário dele. Bem simples, mas de novo uma receita nova, uma nova combinação de massa, recheio e cobertura. Tudo isso é só uma desculpa muito esfarrapada, que serve para que eu possa contar para todo mundo que meu dinossauro filhote já é um adolescente. Bem menos crítico e inventivo que o Calvin das tiras do Bill Watterson que me inspirou seu nome, mas tão terrível quanto.

Às vezes penso que de tanto ler essas tirinhas do Calvin&Haroldo, o meu Calvin já nasceu com todo esse “conhecimento” embutido. Nada fácil ser mãe de um Calvin… Mas ainda assim é o amor da minha vida. (19/05/2010)


Coisa de comunista…

Calvin e Haroldo

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Nota pessoal: Amooooooo o Calvin!!! Dá pra entender porquê meu filho tem esse nome, né? 😛