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coisas a esquecer

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a feira livre no bairro onde cresci acontecia exatamente na quadra em frente a minha casa, toda sexta-feira pela manhã, fizesse chuva ou sol. minha mãe comprava sempre do mesmo feirante, Manoel, que montava sua banca bem na frente do nosso portão. quase sempre ia fazer a feira junto com a mãe, desde muito piá. um dia, lá pelos meus 5 ou 6 anos, a mãe terminou as compras e foi pra casa, acho que esqueceu que eu estava junto ou eu que me perdi espiando as frutas que não tinham no nosso quintal na banca em frente, sei lá. na rua eu sou sempre distraída, me perco fácil. quando me percebi sozinha na feira eu voltei pra banca do Manoel e fiquei ali plantada, estava na frente de casa afinal. me encantei com as cabeças de alho(!), e o Manoel me perguntou se minha mãe precisava de alho. respondi “não sei”, mas ele me deu as duas cabeças de alho que estavam nas minhas mãos mesmo assim _a família tinha crédito na banca. só daí eu fui pra casa. entreguei o alho pra ela e disse que foi o Manoel que mandou. ela não acreditou. me pegou pelo braço e foi me arrastando de volta até a feira. chegamos lá, ela nem perguntou nada a ele e já foi dizendo: “devolve e pede desculpas”. Manoel contou que havia me dado, confirmando o que disse. ela me fez devolver os alhos mesmo assim, ‘não devia ter ficado perambulando sozinha na feira e nem ter olhado pra alho nenhum’.

foi um dia confuso esse. fui punida e ainda fiquei de castigo por algo que nem entendi. era só mais um dia que se repetiu vida afora: a minha palavra não valia nada. dura lição essa. pra minha mãe aquilo que qualquer pessoa (e é qualquer pessoa mesmo) dissesse sobre mim era a verdade e estava encerrado o assunto. cresci com esse fantasma me assombrando. não importava o que fizesse, eu sempre estaria errada. não interessava o fato, interessava que se eu estivesse presente algo de errado tinha ou teria. e se desse merda mesmo, a culpada (lógico!) era eu.

quando penso no dia a dia da minha infância, além das luzes, das janelas, cheiros, cores e sabores, a lembrança mais presente são horas intermináveis de sofrimento, eu recolhida no quarto ou num canto do quintal tentando entender o porquê das coisas serem assim. 48 anos e eu ainda não entendi. a “verdade sobre mim” é distorcida. ainda hoje, diante de um imbróglio qualquer onde minha palavra esteja em disputa com a palavra de outra pessoa me vem esse amargo na boca de saber que ao final de tudo eu ficarei desacreditada. é fato, é imutável. eu já nem esperneio mais. me resignei.

2019 foi um ano muito difícil, principalmente porque me colocou em xeque com essa verdade imutável, DE NOVO. eu deveria brigar? sei lá se devia… só quero esquecer. o “único” problema é que a caixinha das coisas a esquecer está transbordando…


no último dia de abril

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é sempre do mesmo jeito.

é como achar uma flor/folha seca no meio de um livro e passar o dia dali em diante tendo por companhia os cheiros, sóis ou chuvas, temperaturas, sabores, gentes e até os arrepios na pele do dia em que enfiaste a flor no meio do livro.

basta um acorde, uma cor, um verso. nem precisa fechar o olhos e já estou viajando. nem sempre é agradável. ultimamente trazem junto lágrimas. ando com uma saudade doída de mim. de como era, dos sonhos que acalentava e se perderam, das coisas que não vivi, dos abraços que não dei nem ganhei, das pessoas e lugares que não conheci.

sei que ainda posso. enquanto estiver respirando poderei e blá-blá-blá-whiskas-sachê, mas a gente vai envelhecendo e o que era muito fácil antes agora já parece um calvário. igualzinho aquele poema que o Borges não escreveu. não tenho 85 anos e nem estou morrendo, mas quanto mais os 50 se aproximam menos possibilidades sobram diante dos olhos. os caminhos estreitaram, empedraram e espinharam demais.

o tempo de caminho fácil e aberto trazido à tona neste último suspiro de abril era justamente um tempo perdido, ali entre a Escola Técnica e a faculdade de jornalismo, que sempre defino como desvio no sentido da produção de algo útil. embora intenso, como quase todos os anos daquele período, é como se tivesse jogado fora as possibilidades que tinha. e foram-se junto a disposição para tudo e qualquer coisa. quando olho para aquela Niara sorrio, tanto quanto balanço a cabeça em sinal de reprovação.

ao mesmo tempo que lamento o erro de perder o tempo para algumas coisas penso que deveria ter errado mais. sou muito condescendente com as Niaras de antes e muito crítica com a atual. será melhor inverter? crise existencial justo hoje, vejam só.

hoje, que teve um monte de merda pra dar conta. ataques à universidade pública e sua autonomia por este governo fascista de merda, uma deputada cretina querendo tirar o Paulo Freire de patrono da educação brasileira (ele que é nosso maior legado justo nesta área em que somos tão débeis), ter que assistir o Rodrigo Nhonho Maia virar defensor da Constituição e paladino da democracia, um desabafo soco-no-estômago do Márcio Chagas por todo o racismo sofrido no futebol gaúcho… e na finaleira do dia… ainda tivemos que nos despedir de Beth Carvalho.

deixo aqui uma promessa: no dia da derrota destes fascistas de merda cantarei VOU FESTEJAR a plenos pulmões e sambarei na cara da hipocrisia da sociedade toda. “terei minha vingança, nessa vida ou na próxima”. por todos nós, e pela Beth.


destino

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é muito difícil admitir não ter dado certo na vida para a única coisa que realmente tu sonhaste ser e fazer. eu já tinha tentado admitir isso uma vez. mas não foi suficiente, não foi completo. nunca será. acho que nunca vou conseguir, por mais repita mil vezes. eu sempre achei que tinha o dom, a vocação, o faro para jornalista. e cada vez que farejo uma notícia, um grande furo, que planejo mentalmente a estrutura de uma reportagem que nunca vou realizar, dói. DÓI MUITO.

ahh, Niara… tu poderia fazer os cursos online. existem vários. tudo EAD. são baratos, inclusive. [mas ninguém conta a falta de tempo no meu dia a dia, e nem de grana, por mais merreca que seja. e adivinhem? FALTA. o tempo todo, todo mês, várias vezes no mês. chega a ser piada me dizerem que 150 pila não é nada por um curso de especialização da Abraji quando estou juntando as moedas pro gás ou para termos comida até pingar o próximo pagamento]

ahh, Niara… por que tu sempre dá as dicas de graça? faz o texto inicial. ao menos daria para reivindicar a coautoria da matéria. [cara, as pessoas não pegam nem as dicas mastigadinhas, de graça. imagina impondo parceria ou cobrando? RÁ! isso é piada. e de mau gosto, viu?]

ahh, Niara… mete a cara. FAZ. tu tem capacidade pra isso. [olha, eu nunca duvidei da minha capacidade e inteligência. mas o mundo insiste em negar as condições. o universo conspira contra. e a essas alturas do campeonato eu já não sei mais como lutar contra]

jornalismo é exercício, não é um diploma mofando na gaveta e nem um título que se ostenta. não dá dinheiro, não abre portas, não nada. jornalista é quem exercita a profissão diariamente, quem vive disso e para isso. e nem estou fazendo juízo de valor sobre de que lado estar, a qual senhor servir ou se cumpre o juramento, o código de ética profissional.

desde julho venho farejando uma reportagem imensa. era um escândalo local, virou estadual e agora pode ser nacional. eu já cantei a pedra. já “dei de graça a dica”. mas assim como o grande esquema das empreiteiras que financiavam campanhas, políticos e partidos que farejei lá em Niterói e vi estourar dois anos depois já como escândalo policial, ninguém aproveitou. ninguém me deu crédito. e por que dariam, né? nem eu me daria crédito. a probabilidade é que seja mais uma história que verei mal apurada estourar de novo já como escândalo policial daqui a algum tempo.

não tenho as ferramentas. não fiz cursos complementares de metadados nem de como investigar empresas (tem um com inscrições abertas agora na Abraji; mais um que não farei) nem tenho a experiência que só o exercício diário da profissão te dá, junto com as fontes, os “contatinhos” que te mantém no curso certo de uma investigação.

então… acho mesmo que tenho a capacidade, o faro, o “dom”, mas nunca tive as condições nem as oportunidades. porque não basta a oportunidade quando tu não tem condições de aproveitá-la. trabalho não espera filho crescer (o meu nunca irá), acabar a aula/prova/seminário/apresentação do companheiro mestrando, nem a casa ficar silenciosa para teres condições de escrever. 

às vezes penso que me sabotei mesmo, bonito, lá durante a faculdade quando tive o Calvin… e nem vou entrar no mérito das condições desse “ter”.

autocomiseração é uma merda. mas preciso reconhecer que em algum momento meu destino _eu junto_ se quebrou. ou nunca existiu. ou a vida era só isso mesmo.


sigo errando…

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saí para participar de um programa de rádio pouco depois do meio dia sem tomar café. (erro 1)

num outro espaço que não a rádio, fui sincera como quase sempre sem medir palavras. e me-senti/fui fiscalizada, atropelada. (erro? 2)

ao invés de fincar o pé, me impor e perguntar “qualé?”, me desculpei pelo erro que não cometi e conciliei quando não quero mais conciliar e consciente que não valerá o esforço. (erro 3)

cheguei em casa e emendei o café da manhã com almoço e comi com raiva (erro 4), com direito a engasgo e choro involuntário que desencadeou num voluntário. porque poucas coisas me chateiam mais do que ser fiscalizada e essa sensação de não poder ser eu mesma. como se devesse algo, sabe comé?

agora estou aqui mei que passando mal e lembrando que embora eu estivesse mesmo doente todas as vezes que hibernei (digamos assim), não era só a falta de condições físicas e mentais de sair e permanecer no mundo. é que realmente esse mundo não me apetece muito. não desse jeito.

hoje, embora esteja bem e bem longe do abraço sombrio da depressão, senti vontade de hibernar. largar tudo pra lá e me afastar de tudo e todos (e aqui pode morar o erro 5, onde já não tenho mais espaço para errar).

fazia muito tempo mesmo que não comia com raiva. eu e o Gilson nos esforçamos para construir e manter o Parque Jurassí como um espaço de paz, um refúgio das agruras do mundo como deve ser todo lar digno do nome.

sim, preciso me preservar mais. estar mais atenta dos terrenos por onde piso e as pessoas que tenho mantido por perto. a questão é sempre me convencer que o andar vale esse esforço extra aí. é por isso que eu paro de vez em quando.

sabe o dia que parece uma matrioska de erros?


da memória e a dor da resignação

 

dizem que tem explicação a memória e o nosso acesso à gavetas antigas e fechadas há tanto tempo. sei lá. nunca sei de onde me vem as lembranças. simplesmente chegam e se instalam de um jeito… chega doer no osso do peito. e nunca vêm sozinhas, é sempre de caminhão.

foi de repente que lembrei da minha avó Carolina levantando tarde da noite porque tinha ouvido alguém lhe chamar no portão. sempre desconfiei que ela adivinhava alguém precisando dela, do seu colo, e chegando no portão e acordava para receber, porque quem estava acordado não ouvia, só ela. cresci vendo essa cena se repetir. meus tios e tias e primos e primas chegando para passar a noite porque tinham brigado em casa, estavam separando, estavam no caminho entre Porto Alegre/Camaquã e Rio Grande e chegavam pra comer/dormir e aproveitavam para pegar um colo.

minha mãe nunca foi acolhedora assim. daí que esse colo coletivo e acolhedor e esse hábito na minha família se foi junto com a minha avó no carnaval de 1994. cresci entendendo o mundo errado, daí. achei que o mundo era assim, e quando eu precisasse teria colo e acolhimento na porta em que batesse. minha amiga da vida toda Fernanda e a família/casa/pais dela fizeram perdurar essa impressão errada em mim.

foi só depois do Calvin que descobri da maneira mais dura que era só a minha a Vó Carola e a família da Fernanda mesmo. e veio a lembrança de um dia horrendo em que não suportava mais a tortura diária, o aniquilamento, a cobrança e saí sem rumo com o Calvin pra rua já quase anoitecendo. fui parar na casa de uma amiga que não tinha como me abrigar e comecei a ligar para todos os amigos e amigas que lembrei. eu só precisava de uma noite de acolhimento como o da minha avó, tentar dormir bem e recuperar as forças para seguir enfrentando o horror em que vivíamos naqueles dias e anos.

lá pelo oitavo não e já não sabendo mais como lidar com a situação fui obrigada a me resignar. o processo de resignação é o mais doloroso pra mim. é minha maior aversão, reconhecer a falta de forças e voltar atrás de cabeça baixa, já humilhada para ser humilhada de novo. e o estranho de lembrar dessa dor é que faz tempo que não preciso vivê-la. vivo dias tranquilos em que não sinto falta de acolhimento ou afeto.

entre esse dia lá que precisei de uma outra Vó Carola e não encontrei foram uns dez anos tateando no escuro. só fui rever a generosidade e a solidariedade humana em sua forma mais fácil e simples quando decidi virar minha própria mesa e ir embora de Pelotas em busca sei lá de que. buscava vida, acho. encontrei bem mais que isso. e refiz minha cartela de amigos.

o sentimento é mais ou menos como os versos dessa música

i walked across an empty land
i knew the pathway like the back of my hand
I felt the earth beneath my feet
sat by the river and it made me complete

oh! simple thing where have you gone?
i’m getting tired and I need someone to rely on

e essas memórias e dor aí puxaram outra, de quando era universitária e viajava o país de ônibus. horas e horas de estrada quase sempre com uma mesma música na cabeça… mas aí já é outra história.


na corda bamba, uma síntese

instabilidade

há situações que me desgraçam a cabeça. minha geladeira e despensa não resistirem a uma semana de intempérie; a casa suja e bagunçada e estar ao mesmo tempo desanimada para limpar/arrumar; dever grana ou favor para amigue(s) e não conseguir pagar/devolver; estar desempregada; e todas essas situações atrapalhando minha criatividade e capacidade de superação.

tudo isso, junto ou separado, acaba me deixando doente. certeza que têm uma imensa influência no meu pescoço quase sempre empedrado, nas noites mal dormidas, nos nós das minhas costas e nas consequentes enxaquecas, e nos ataques do “asiático” _aquele oriental canalha e desgraçado!

esse é o quadro atual.

a boa notícia? é no meio desse caos que estou me livrando dos braços da depressão e nadando de volta a minha superfície. não poderei me dar o luxo de esperar um momento melhor.

esse já é o sexto ciclo. que não venha o próximo.não me afoguei por pouco dessa vez. e que em algum momento minha capacidade criativa dê jeito nesse caos, em meio a ele. acho que meu coração não suporta mais tanta instabilidade, tanta corda bamba…

eu gosto é de chão, firme, para caminhar descalça.

=/


do que nos falta

há alguns anos uma pessoa com a qual estava tretando (nem lembro o assunto da treta) me chamou em privado e disse que estava me desamigando virtualmente antes que se estressasse ao ponto de ter um câncer, dizendo: “entre eu e você ter um câncer, tenha o câncer você”. sim, a pessoa me desejou um câncer por causa de uma treta de rede social.

há alguns meses uma amiga querida, dessas que gostaria de manter contato pra vida toda, meio que estava se afastando, e eu preocupada com sua saúde e bem estar escrevi perguntando dela. respondeu dizendo preferir “evitar as energias negativas” e por isso se afastou. sim, a pessoa se referiu a mim como energia negativa.

não é que falte amor ou empatia para as pessoas. falta é respeito e gentileza mesmo no trato com o outro no dia a dia. tratar as pessoas, qualquer uma, como gostaria de ser tratado deveria ser a condição primeira para a vida em sociedade. até eu que sou bem antissocial sei disso e me comporto de forma razoável.

vejo, escuto e leio coisas parecidas todos os dias. quando não é comigo são amigos reclamando de coisas tão absurdas quanto. e fico cá ruminando com meus botões… qual a necessidade disso? que bem pode trazer desejar o mal a outra pessoa?

de verdade? torço para que cada uma das pessoas acima tenha alcançado seus objetivos de bem estar se afastando de mim. porque eu, apesar de bem chocada com o mal e grosseria gratuitos, acabei por ficar aliviada com o afastamento.

fazer o quê, né?

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agora é só o queijo mesmo

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fazia tempo que não comia queijo. muito tempo. as pessoas ficavam me dizendo “tem que comer queijo, não pode se entregar, não pode viver sem queijo”. e eu me esquivando. não sentia vontade. até pensava na possibilidade de forçar um tiquinho a minha barra e comer queijo mesmo sem vontade, mas cada vez que tentava era um desastre. e o queijo foi ficando cada dia mais distante.

semana passada comecei a sentir vontade de comer queijo, assim, “do nada”. combinei pra hoje. acordei cansada, já na negativa, mas fui deixando o dia correr. se tudo estivesse ok no horário combinado, hoje seria o dia de comer queijo de novo.

comi. foi bom. mas estou exausta. pensa que alguém a minha volta entendeu o tanto e o porquê da minha exaustão? “ah, se comeu queijo, comesse goiabada também”. respiro fundo e tento evitar os pensamentos de nunca mais comer queijo novamente.

poxa… respeita. uma coisa de cada vez. ok queijo com goiabada, mas a goiabada agora não.

ainda não.

agora é só o queijo mesmo.


A espera do sofá

Não tenho como negar que a vida está melhor do que nos tempos do Ridijanêro. De lá para cá as temperaturas são mais amenas _embora tenha tido picos de calor neste verão, como hoje_, meu salário dobrou _embora tenha dobrado também o trabalho_, a casa é mais ampla e aos poucos, entre as dívidas e a ginástica cotidiana com o orçamento temos conseguido muito aos poucos pequenas conquistas.

Uma dessas conquistas é o bendito sofá. Não temos ainda. A sala só não está completamente vazia porque tem uma mesinha com a tevê em cima, o tapete, uma poltrona _daqueles conjuntos modulados muito comuns nas salas das cohabs do país na década de 80 e 90_, um baú-pufe e uma cadeira. De vez em quando está lá também o secador de roupas.

Daí fico me dizendo “quando chegar o sofá” isso, “quando chegar o sofá” aquilo… Na verdade é uma bengala para coisas que não consigo resolver. E a chegada do sofá não resolverá também. Chuif. Fui abraçada de novo pela sombra sempre presente, na espreita, da depressão. Não sei explicar como chega, quando chega, quando começa o abraço. Só quando estou quase sem conseguir me mexer, envolta por ela e sendo consumida, é que percebo. E aí, tu não sabe se espera ela cansar, desistir ou começa a fazer uma força constante para lentamente começar a afastar seus braços de ti.

Confesso que estou sem forças. Nenhuminha. Nem os arroubos do TOC por limpeza me motivam. E cêis sabem o quanto faxina é terapêutico, né? Pois, é… Nem isso. E misturei força física com moral porque o cansaço é amplo, geral e irrestrito. Sinto uma vontade imensa de dormir, só dormir. Não choro, não me emociono diante de nada. Ok, tenho tido zero oportunidades para isso. Só consigo entrar nos meus pensamentos depois que todos dormem. E aí o relógio anuncia que logo o dia chegará para interromper o mergulho, e vem o calor… e mais um dia, depois outro e outro…

Sigo em suspenso, esperando… o sofá, já encomendado, poder deitar.

SOFÁ VERMELHO CHESTER

não, meu sofá não será vermelho. dei mole, né?


Parabéns? Prefiro cerveja

Passei a semana me esquivando das mensagens de parabéns, das rosas e do “feliz dia” referentes ao 8 de Março. Algumas acabei vendo porque embora a mulherada reclame muito do grotesco da coisa, compartilha, mostra, chama pra ver, faz estardalhaço. E o que deveria ficar apagado ganha luz, e as marcas de roupa, eletrodoméstico, móveis, cosméticos que deveriam cair no ostracismo e serem boicotadas acabam por ganhar vitrina e ainda lucram em cima das polêmicas que criamos (#DSCLPmundo, queria muito a lavadora/secadora… #PareçoFeministaMasTôPedindoMáquinaDeLavarDePresenteNo8DeMarço). Não estou dizendo que está errado criticar ou divulgar — eu mesma já fiz muito –, apenas fazendo uma observação que me é possível pela atual indisposição em olhar sascôsa.

Meu #8deMarçoDaDepressão começou quase bem. Sopa de café com leite e bolacha maria Zezé. Diliça! Até aí tudo bem, mas a parte não muito legal é que pulei da cama mais cedo para pegar o supermercado aberto e fazer as compras da semana porque já tinha item faltando na geladeira e armário (falta inclusive o armário, mas vamos pular essa parte).

Partiu supermercado e no caminho nenhuma piadinha, parabéns, rosas, comentário que fizesse referência à data. Ufa! Cheguei no super, fui até o caixa 24 horas verificar o saldo e a primeira decepção. Que porra é essa de “parabéns, mulher guerreira” que não vem com um incentivo monetário à peleia diária? Tá de sacanagem né, ô sociedade patriarcal? [TNC 1]

nem  rosa, nem parabéns... 8 de março é dia de luta!

nem rosa, nem parabéns… 8 de março é dia de luta!

Saquei o dinheiro, peguei o carrinho e fui andando sem pressa pelos corredores, olhando as xícaras e pratos que pretendo comprar (quadrados, pretos — tem vermelho também — lindos e caréééésimos, mas eu quero comprar mesmo assim), peguei as formas para pão que estou precisando e fui para os corredores de comida. Fui colocando tudo no carrinho, e claro, cheguei na parte mágica do supermercado: cerveja — item de primeiríssima necessidade e que não entra na minha geladeira há quase um mês, quase desesperada. Como a grana da semana é curta e não veio o bônus de “feliz dia, guerreira” peguei só meia dúzia de latões de Polar, só para passar o dia bebericando, alegrinha.

Fiz as compras de forma tão lerda que veio o aviso de que o supermercado ia fechar. Acelerei um pouquinho para pegar o que faltava, pão, frios, linguiça defumada e azeite. Já tinha pego os não perecíveis, farinhas, café e os hortigranjeiros (fruti não tinha, ainda consequência do desabastecimento provocado pela paralisação dos caminhoneiros, que no sul foi dicumforça). Sem fruta nenhuma ou qualquer bobagem para a casa e nenhum mimo pra mim fui para o caixa.

Assim que saquei o celular da sacola para me distrair enquanto esperava na fila, acabou a bateria. Péssimo prenúncio. Três pessoas na minha frente, cada uma delas com acompanhante e carrinho extra. Como sou impaciente, precisava de distração. Fiquei então reparando nas compras alheias, não tinha mais nada para fazer mesmo. Casal com filhos pequenos compram muito iogurte, suco de pacotinho, bolacha e nenhuma cerveja. Casal de meia idade (tipo dez anos a mais que eu, porque ainda não caiu a ficha que já entrei no segundo tempo do jogo e meia idade é para os outros, não pra mim) compra muito embutido, carne e cerveja. Yey! Chegaremos lá em breve, Gilson. Sim, #aLoka na fila do super.

#NãoTáTendoCerveja  :'(

#NãoTáTendoCerveja 😥

Chegou minha vez, fui colocando as compras na esteira (que não estava funcionando), e caí na bobagem de deixar a cerveja pro final. Já sacaram o drama, né? Pois, é. Chorem comigo, porque eu chorei mesmo quando as compras chegaram no limite da grana e tive que deixar as formas de pão [TNC2], o SBP spray [TNC 3] e a cerveja [TNC 4]. Resultado: passarei o glorioso 8 de março fazendo faxina, sendo devorada pelos mosquitos e à seco.  #TNC³

Parabéns ou rosas  pelo “meu dia”? Manda em cerveja, por favor. Polar, viu? 

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p.s.: esse não é um texto de conscientização ou feminismo, é só um desabafo mesmo.

p.s.2: abaixo tem uma lista de textos bacanas que valem a lida.

Conquistas na luta e no luto (sobre a história do 8 de março), da Maíra Kubík Mano
8 de Março – Sobre a reconciliação entre mulheres e flores, da Renata Corrêa
As guerreiras cansadas do 8 de março, da Adriana Torres

e o sempre necessário…
Dispenso esta rosa!, da Marjorie Rodrigues

e para quem tem facebook, visitem e curtam a comunidade 8 de março da depressão.


Eu sem o Biscate Social Club…

Parece uma letra do Vinícius… Samba em Prelúdio. Poderia ser, mas acredito que as coisas têm seu tempo e são finitas.

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Demorei para escrever contando porque tem coisas que doem mais do que deveriam. Não faço mais parte do Biscate Social Club e nem escrevo mais lá — mas meus textos, os já escritos, ficaram –, embora a relação de afeto continue com xs bisca tudo que lá permanecem e com o próprio site, que ajudei a parir com muito orgulho. Continuo lendo e continuo indicando a leitura: é libertador e libertário, além de muito prazeroso. Então, não vejam esse comunicado como desabonador ou como uma desqualificação do espaço, porque é capaz que com a minha saída ele fique melhor e menos esculhambado (a esculhambada sou eu, desculpa).

Coletivos tem ritmos, regras e seguem seus caminhos. Tenho o meu ritmo, minhas regras e meus princípios e eles estavam se chocando com o ritmo, regras e princípios do coletivo BiscateSC. Tenho esse jeito meio megafone contra a injustiça e não a admito onde estou, convivo. E houve uma imensa injustiça e covardia contra o BiscateSC e eu berrei antes de todo mundo, não esperei. Tipo queimei a linha, saí berrando antes do coletivo contra essa injustiça. Não sei se saberia fazer diferente. O coletivo achou melhor não me seguir, e nem precisava. E embora pareça, não saí por causa da mágoa de cabocla ou pela contrariedade de não ter sido seguida, mas pelo aceite coletivo à injustiça, pelo menos publicamente. Esse “concordo contigo, mas não posso assumir isso publicamente” não cabe para coletivos, acho. Pelo menos não para o eu parte de coletivos.

Há uma escritora/blog/coletivo feminista chupando o conteúdo do BiscateSC. E meu crime ou pecado foi ter dito isso com todas as letras. A ampla maioria das pessoas preferiu enxergar como “convergência de ideias”, “coincidência de pensamentos” e usar até mesmo do conceito de sororidade para aceitar essa chupação, afinal quanto mais pessoas estiverem escrevendo e conscientizando sobre a libertação das mulheres de sua opressão melhor. Depende. Não acho que varrendo divergências de fundo como racismo, machismo, classicismo, homolesbitransfobia e falta de ética para debaixo da tapete avançaremos ou chegaremos a algum lugar.

A esquerda da qual sou ativista desde quando me entendo por gente se diferencia no fazer, no trilhar o caminho e não apenas no objetivo a ser alcançado. Os demais esquerdistas que pensam que os fins justificam os meios são os mesmos que ajudaram a degradar a proposta do socialismo aos olhos do mundo e deram armas ao capitalismo para nos atacar. É preciso estar vigilante e atento. Se nos opomos à injustiça e queremos um mundo justo é preciso construí-lo desde já pelo caminho da justiça, da ética, da correção de princípios. Não é sendo condescendente com falcatruagem, roubo de ideias e o pisar no outro porque é ou parece menor segundo sua régua que teremos esse mundo justo. E isso tem muito a ver com o feminismo. Não é possível ser feminista e ter empregada doméstica (desculpa, mas não é, quem tem sabe ou deveria saber que vive em contradição), se achar melhor na cadeia de produção (exploração) ou que pode chegar “antes” que qualquer pessoa às riquezas e prazeres da vida porque é branca, hétero, cis ou num-sei-que-lá-mais. Ou se parte do princípio que somos todos iguais desde já e nos respeitamos dessa forma ou já falimos no nosso intento antes mesmo de começarmos a luta.

largando o chicote do BiscateSC... :-(

largando o chicote do BiscateSC… 😦

O BiscateSC foi ao ar no dia 17 de dezembro de 2011, e continua tão lindo em sua proposta e conteúdo hoje quanto naquela tarde nublada e abafada de verão. O mundo continua careta, hipócrita e criminalizando o comportamento das mulheres e ainda temos muito o que dizer. O BiscateSC não tem a fama que deveria, apenas deitamos em quantas camas quanto conseguimos (ho ho ho) e quem a tem (a fama) achou mais fácil reescrever nosso conteúdo e assinar seu nominho em cima do que nos dar o devido crédito. Lamento muito que seja assim, mas também agradeço porque ajuda prabu a definir quem é parceirx na trincheira de luta e quem na primeira oportunidade vai furar teu olho ou te enfiar uma faca nas costas. Não sei vocês, mas eu prefiro saber em quem posso confiar.

No mais, só tenho a dizer: continuem lendo e divulgando o BiscateSC. Melhor espaço ever onde já estive, melhores parceiros de copo e escrita que já tive, e sei que se deitássemos todos numa mesma cama era capaz de mudarmos o mundo só com esse ato. Quem sabe um dia… Hein? Hein? Hein? 😛


A esquerda e as eleições 2014

Oi. Vocês vêm sempre aqui? Pois, é. Nem eu. Só venho quando estou sufocando pelas palavras. Então, segue mais uma análise política, das minhas, em tom de desabafo, meio visceral. #TejeAvisado

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Tá osso aturar os debates políticos dessa eleição, estão infinitamente piores e mais rasteiros que os de 2010. Mas como tem muita gente próxima falando em patrulha e sobre a existência de cagação de regra sobre ser ou não esquerda e sobre quem é esquerda em contrapartida com suas opções eleitorais manifestas, se fazem necessários alguns esclarecimentos.

Define-se politicamente como esquerda quem é anticapitalista. Ponto. Infelizmente não é necessário nada além disso, nem ser antimachista como gostariam as feministas de esquerda, nem antirracista como gostariam os negros e negras de esquerda, nem a luta por direitos humanos e anti-homotransfobia como gostariam LGBTs e nem mesmo marxista, como gostariam os marxistas ortodoxos. Sim, os marxistas ortodoxos seriam os únicos que lamentariam, porque para os marxistas no geral basta ser anticapitalista e estar organizado na luta pela libertação do proletariado.

Particularmente gostaria que ser antimachista, antirracista e anti-homotransfobia E marxista fosse condição para ser esquerda. Seria tudo bem mais fácil. Mas não é, então bóra seguir na luta pela conscientização dos anticapitalistas que não existe secundarização ou hierarquização de lutas e se travarmos as lutas todas paralelamente engrossa mais o caldo e mais forte seremos para derrotar o capital. Afinal, o capital se estrutura em opressões — a opressão de uma classe sobre outra, de uma raça sobre outras, de um gênero sobre outros.

Ser anticapitalista já é coisa pra caralho! Significa ser contra o neoliberalismo, contra neodesenvolvimentismo que está acabando com as chances de sobrevivência no planeta (embora a experiência soviética tenha sido e seja considerada ainda como anticapitalista), a favor da reforma agrária (embora essa seja uma bandeira tradicionalmente liberal e social-democrata), estar do lado dos trabalhadores em suas lutas e organizações, contra a globalização da economia, contra a especulação financeira, contra banqueiros, contra o agronegócio, contra a matança do povo negro, contra o trabalho escravo… e por aí vai.

Significa, portanto, que ser esquerda te coloca fatalmente contra as governos e candidaturas que defendam ou estejam aliados com o capital, os empresários, o agronegócio e que não falem em reforma agrária. De modos que, no cenário de 2014 sobram poucas opções.

Tenho vários amigos que ainda defendem Dilma e o PT, amigos que gostam (desde 2010) e apostam em Marina, amigos que votarão nas poucas opções de esquerda — Luciana, Iasi, Zé Maria ou Pimenta — no primeiro turno e anularão no segundo turno, amigos que aguardarão a decisão do seu partido no segundo turno e a seguirão (sim, isso ainda existe), amigos que anularão nos dois turnos e amigos que como eu sequer irão às urnas. Respeito todos tanto quanto respeito o meu direito de me abster conscientemente do processo. Felizmente não tenho amigos que votarão em Aécio, porque aí já seria vandalismo. Mas tenho amigos que votarão em Eduardo Jorge, e, não, o PV não é anticapitalista, embora o candidato seja doidão, engraçado, divertido e tals.

Qual é o problema, então? O problema amigues é ser esquerda — não apenas os partidos, sindicatos e outras entidades, mas principalmente as pessoas que compõem essas organizações –, ativista, influenciar pessoas a sua volta com sua opinião/posição (sou do tempo, nem tão distante assim, em que as pessoas esperavam seus expoentes mais próximos tomarem partido desse ou daquele candidato para saberem/decidirem para lado iriam) e defender irresponsavelmente uma candidatura de direita, neoliberal. Isso confunde os trabalhadores e demais oprimidos induzindo-os ao erro de acreditar em quem não está comprometido com suas lutas e libertação. É grave. Considero além de omisso e covarde, canalhice. A esquerda não tem esse direito, salvo o faça também enganada. Não é o caso. Há informações de sobra e o quadro é mais cristalino que água pura.

Não se trata de patrulha do pensamento ou do voto de ninguém. Trata-se de cobrar a responsabilidade que a esquerda tem nesse processo. Quer apoiar neoliberal que vai ferrar com o ambiente, vai continuar não fazendo a reforma agrária e manterá os mais miseráveis amarrados com uma esmola que não garante condições dignas de vida e nem cidadania plena a ninguém, nem fará uma revolução na educação e muito menos dará acesso pleno à saúde a todos? Beleza, amigue. É teu direito. Só não se diga mais de esquerda porque não és. Cantar essa pedra não é patrulhar ninguém, é só dizer a verdade, o que estou fazendo questão nesse momento.

Não tenho ilusão alguma que votar no Pimenta, Luciana, Zé Maria ou Iasi e/ou ainda anular ou se abster vá alterar a conjuntura eleitoral. Desculpa, mas estou cagando pra isso. Não me sinto responsável pela escolha errada dos outros. O que considero um erro irreparável para a esquerda é matar o seu capital, o seu alimento — a confiança da classe trabalhadora e demais oprimidos. Porque o esquecimento do brasileiro só se dá com quem é distante, com o deputado ou senador em que votou, mas ele não se repete com a pessoa próxima que o convenceu/induziu/influenciou a votar no político canalha que esqueceu as promessas que fez. O capital da esquerda é a confiança que tem os oprimidos que ela estará sempre firme em sua defesa, incansável, perene, persistente.

Bater no peito reivindicando o direito pessoal e inalienável do voto é bem fácil quando quem pagará a conta pela sua escolha errada serão os mesmos de sempre, inclusive o ambiente que perde sua capacidade de autorrecuperação a cada dia e caminha para o inevitável. Mais do que isso, é uma opção ideológica. E é com isso que estou me debatendo.

Dizer isso não é eu definir quem é esquerda (essa definição já existe), é apontar a contradição e cobrar a responsabilidade que temos. Não ouso apontar nenhuma candidatura para quem se influencia por minhas opiniões e posturas porque não acredito no processo, nessa democracia de apertar botãozinho numa urna duas vezes a cada dois anos e ajo de acordo com a minha consciência.

Minha tarefa nessa eleição enquanto esquerda é denunciar as candidaturas de direita e neoliberais. Critico o que tenho que criticar nas candidaturas de esquerda, mas JAMAIS me verão batendo ou desqualificando uma candidatura de esquerda para favorecer uma de direita. Não me importo se minha posição não influencia no resultado final da eleição, porque política é bem mais que eleição e a luta de classes se dá é no dia a dia.

Desde o ano passado que penso e falo em voltar a me organizar num partido, e esse desejo vem da constatação da luta política estar cada vez mais desigual e injusta para os trabalhadores, que contam com cada vez menos camaradas de fé em sua defesa. Não sei se encontrarei um partido que me contemple, só sei que é preciso organizar a luta para enfrentar o capital — o protagonista e o grande vencedor dessa disputa eleitoral, da qual a única certeza que tenho é já estar na oposição. #BeijoMeUnfola

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O Gilson também escreveu a respeito hoje.


Feliz dia do “vem me limpar”, que nunca ouvi

Tão difícil definir minha relação com a maternidade que nem tento. Não gosto de datas comerciais, mas de uma forma ou outra as manifestações desses dias me atingem. Recebo os parabéns com atenção, respondo a todos. Sei do carinho dos amigxs por mim. Sei também do respeito por essa minha história torta e tão do avesso — essa sem definição — com a maternidade.

Só sei que ver as manifestações de tantxs filhxs que envolvem escritas, falas e declarações “normais” de afeto para com suas mães mexe comigo. Não tem como não. Até as brincadeiras do tipo “feliz dia do ‘tô com fome'”, “feliz dia do ‘quero ir embora'”, “feliz dia do ‘vem me limpar'” me deixam miudinha. Nunca ouvi nada disso, e nem vou. E… Ah, como eu queria ouvir.

Mas já, já, passa. O dia já vai se encaminhando para o final, e eu tenho muito trabalho, é fato, mas também tenho muitas alegrias. Apenas que elas não cabem nessa caixinha do ‘ser mãe’ de todos. É um outro jeito de fazer, sentir, ser. Nem faço questão de me fazer entender, era só para desabafar mesmo.

eu + Calvin = nós! ♥

eu + Calvin = nós! ♥


O tempo, e o meu tempo

tempo

Não é segredo pra ninguém meu profundo e sério relacionamento com a depressão. E não posso mentir, esse relacionamento se construiu/constituiu a partir da gravidez do Calvin. Os piores momentos que vivi, óbvio, não tem a ver com a existência do Calvin, mas foram decorrência da gravidez dele. Falta de estrutura minha, talvez. Falta de estrutura do mundo ao redor para nos abarcar… Quem sabe tudo junto.

Lembrar desse tempo é como descer ao inferno. É como tentar nadar no lodo. Não há forças, não há nenhuma mão estendida. Deste lugar ninguém te puxa para te dar colo ou mesmo para ter dar fôlego para mais uma braçada. Impossível pensar noutra coisa senão no fim.

Vivi isso várias vezes. Tantas que nem sei dizer como estou aqui. Como que ainda respiro. A sensação de sufocamento é tão forte que se torna física. O peito dói do esforço para respirar, para continuar vivendo mais um segundo, um minuto, uma hora. Quem sabe depois as forças apareçam…

Foi nesse lodo que aprendi a sobreviver. Criei uma tática de sobrevivência — justo eu que sempre me pensei desapegada da vida pelas tantas vezes que pensei em suicídio –. Não entrar em desespero, acumular forças, ficar quietinha, ir devagar, ou ficar, quase imóvel, quase vencida, até um momento de menor densidade do lodo, onde as poucas forças fossem suficientes para arriscar braçadas, e seguir, como se o tempo não existisse.

Sempre me ocorreu que essa talvez fosse uma estratégia indigna, a de adiar o inevitável. Tem dignidade em manter-se vivo assim? Ainda não sei. Peguei o tempo e o moldei do meu jeito. Passei a viver nesse tempo moldado, no meu tempo. Mas ele, o tempo aprisionado e moldado, deixou suas marcas.

É fato que muitas alegrias e encontros vieram depois desse(s) tempo(s) horrível(is), e também tive tempos de calmaria. E se não fosse a indignidade do meu apego não as saberia. Mas… sempre me pergunto: E se acontecer de novo? E se eu cair no lodo novamente?

O mesmo tempo que ameniza, faz esquecer, também aprisiona e causa ferimentos incuráveis… Num momento acho que estou segura, ainda dentro do meu tempo, e nem vejo o cerco se fechando.

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Justiça ampla, geral e irrestrita

Tenho usado pouco esse espaço e quase nem me reivindico mais blogueira. Só apareço em duas ocasiões: quando a luta exige e quando meu sangue ferve e preciso desabafar escrevendo. Aí que hoje essas duas coisas se fundiram.

Ninguém sabe, mas o jornalista Mário Magalhães —  excelente repórter e hoje famoso pela também excelente biografia de Carlos Marighella — a quem admiro muito, foi fundamental num período crucial da minha vida. Eu, tentando juntar meus cacos e sem saber se conseguiria, tentando retomar minha vida profissional e me aparece o Mário num imeiu tecendo elogios e críticas ao meu trabalho na época, de uma forma tão terna e respeitosa que me comoveu. Ficamos amigos, e muito me honra essa amizade.

O leio quase diariamente e quase sempre concordo e divulgo seus textos e opiniões. Se não concordo com tudo, entendo e sou solidária ao seu ponto de vista, porque é antes de tudo honesto, sério e isento. Entendo demais seu texto indignado de hoje sobre a morte do repórter cinematográfico Santiago Andrade, no qual pede justiça. Leia aqui o texto completo. Mas, preciso discordar. Não do pedido de justiça, claro, mas de algumas ponderações.

Diz o Mário: “Não há legitimidade nos ataques armados aos policiais. O Brasil não vive uma ditadura. É legítimo recorrer às armas contra tiranias, como reconhecem teólogos relevantes. Por mais injusto que o país seja, a ditadura acabou na década de 1980. Jornalistas, como Vladimir Herzog, foram mortos na luta pela democracia.

Não vivemos uma ditadura, fato. Oficialmente, não. É pior. Vivemos uma democracia que permite tortura, assassinato político, desaparecimento de cidadãos sob a tutela do Estado. Nessa democracia temos uma das polícias que mais mata no mundo, 5 cidadãos por dia no que sordidamente convencionaram chamar de “em confronto com a polícia”. Nessa democracia, só no estado do Rio de Janeiro foram assassinadas dez mil pessoas em dez anos. Nessa nossa democracia seis jornalistas foram assassinados em 2013, nos elevando a condição de país mais perigoso da América Latina para o exercício dessa profissão. Mais: lideramos o ranking da impunidade pela morte desses jornalistas.

O repórter cinematográfico Santiago Andrade foi assassinado, e eu lamento muito por sua vida perdida. Porque sei que após a Globo destroçar seu cadáver ele será esquecido e sua morte ficará impune — se é que não será justiçado de forma equivocada, como está parecendo que será. Não dá para chamar de acidente ou incidente. É como a morte de ciclistas o trânsito, não é acidente, é previsível e sabendo disso e não prevenindo se torna assassinato. Simples assim. 

O que não dá é para descontextualizar sua morte. O Santiago morreu em meio a ação irresponsável da PM, que não tem o menor preparo para manifestações, de qualquer natureza. Agem como trogloditas. Se a ordem é dispersar — e a ordem é sempre dispersar. Porque nessa nossa democracia é proibido, não oficialmente mas na prática, se manifestar publicamente — dane-se a população que está na rua.

A mesma ação desastrada da PM no dia em que Santiago foi ferido matou o vendedor ambulante Tasman Amaral Accioly que tentando fugir das bombas de efeito moral foi atropelado violentamente por um ônibus na Presidente Vargas, em frente a Central do Brasil e não mereceu nenhuma linha da imprensa. Mais um, quase anônimo, também vai ficar impune. A PM chegou a disparar bombas DENTRO da Central. E não estamos falando de UMA ação desastrada onde se perdeu o controle, mas TODAS. Só não teve violência quando a PM não compareceu ou não agiu.

80% de toda a violência praticada contra a imprensa carioca nos atos de maio a outubro de 2013 partiram da PM, segundo o relatório do SindJor-RJ.

Ser jornalista não nos confere nenhum privilégio. Nossa vida tem o mesmo valor que qualquer outra vida. E mesmo achando que ações ou reações violentas não constroem nada também sei que em alguns momentos é preciso enfiar o pé na porta, principalmente diante de uma polícia que tortura, mata e desaparece em plena democracia e em nome do Estado. É nesse contexto que eu não me sinto à vontade para desqualificar ou criminalizar uma tática que pode até errar, mas que evitou que muitas pessoas fossem agredidas pela polícia, vide os atos durante a greve dos professores municipais e estaduais em outubro. Eu posso até não levantar a voz para defender os Black Bloc, mas enquanto eles tiverem uma postura anticapitalista jamais os condenarei.

Não descontextualizar quer dizer também observar que a investigação do caso caminha para a montagem de uma farsa baseadas em suposições, em disse-me-disse, que desrespeitam a vida e tripudiam sobre o cadáver de Santiago. Querer justiça ao Santiago passa por querer uma investigação honesta e criteriosa sobre as condições de sua morte. E eu quero justiça ao Santiago tanto quanto quero justiça à Gleise Nana, ao Fernandão, ao ambulante Tasman Amaral Acciolyaos 13 assassinados da Favela da Maré e a todos os jornalistas agredidos — muitos que só não morreram por um golpe de sorte (estou citando apenas alguns dos casos do Rio de Janeiro; existem outros Brasil afora). Quero justiça também ao Rafael Braga Vieira, morador de rua CON-DE-NA-DO a cinco anos de reclusão por porte de pinho sol, injustamente — o único preso dos protestos de junho.

Quero justiça ampla, geral e irrestrita.