O caminho escolhido


O mundo é desumano com as mulheres, é fato. Não só pela violência física, moral e psicológica como pela dureza do dia a dia. Escolher o caminho mais “fácil” e ter a vida comandanda e decidida por outros não garante facilidade/felicidade alguma e nem dias menos sofridos ou uma vida menos dolorosa. Mas é fato também que algumas mulheres conseguem viver numa bolha, mantida ou pela condição socioeconômica ou pela proteção de outrém(ns). Quem nasce pobre e “opta” por tomar as rédeas da própria vida se ferra, literalmente, e eu tento dar conta da minha desde os 14 anos de idade. Faz tempo que me ferro…

Mas mesmo nascendo pobre qualquer mulher poderia ter a “sorte” de encontrar proteção — família, amigos, companheiro/a(s) –, a não ser que seja queixo-duro demais, como diria meu pai a meu respeito. As pessoas olham para mim e têm a impressão que aguento tudo, resisto a qualquer pancada. Afinal, sou forte. Sei que sou responsável por essa impressão. De um jeito ou de outro eu sempre sobrevivo e saio, sim, mais forte de todos os embates.

Sim, sou forte. Mas não sou inquebrável e nem imortal. E tem uma hora que tudo fica muito pesado, porque não me contento apenas em escolher o caminho errado, escolho também o mais difícil e doloroso. É tipo um dom, sabe? Não importam as opções que se apresentem (ou a falta delas), a minha escolha (ou falta de) sempre será o caminho mais tortuoso e a maior dor.

Tanta força e teimosia faz com que minhas queixas e reclames sejam desprezados e desconsiderados pelas poucas pessoas a quem ouso reclamar e me queixar. O pensamento recorrente deve ser “ela é forte, só está com aquele maldito complexo de cinderela ou fazendo mimimi… logo passa e ela resolve tudo“. É fato que resolverei e superarei (acho), mas é certo que não vou esquecer os nãos e omissões e perderei mais uns pedaços nesse processo. Parece ser da minha natureza sobreviver, mas também é não esquecer. A minha “sorte” está sempre na desproteção e na minha própria força. Se ela falhar — e ela dá sinais sérios de desgaste –, danou-se. Ou melhor, danei-me. Não terei ninguém para juntar meus pedaços. Mas qual a novidade? Sempre juntei meus pedaços e me remontei sozinha.

Quem mandou nascer, se fazer e ser forte, né? De um jeito torto, eu me acerto no erro. É só mais um dia, só mais um caminho tortuoso em muitos que já trilhei e outros que ainda virão e independente do caminho, escolhi caminhar. Eu aguento, sozinha mesmo, pode deixar.

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ps: Qualquer semelhança com a música da Zélia Duncan não é mera coincidência…

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Sobre Niara de Oliveira

ardida como pimenta com limão! marginal, chaaaaaaata, comunista, libertária, biscate feminista, amante do cinema, "meio intelectual meio de esquerda", xavante, mãe do Calvin, gaúcha de Satolep, avulsa no mundo. Ver todos os artigos de Niara de Oliveira

16 respostas para “O caminho escolhido

  • suzana

    Te entendo e te compreendo, e como te entendo..mas com o passar dos anos Niara, nos tornamos mais “fortes” ainda, porém um pouco egoistas, pois hoje fujo de mimimis alheios, como o diabo da cruz…

  • Niara de Oliveira

    É a “tendência”, Suzana. Mas a questão é que nem tudo é mimimi, e é sobre isso que escrevi. 😉

  • Lilian Borges

    Sabe aquele texto que você lê e se identifica pra caralho porque te descreve todinha?É, seu texto fez isso comigo.

  • Niara de Oliveira

    Poxa, Lilian. E eu achando que estava falando de algo tão pessoal que as pessoas sequer teriam paciência de ler.
    Obrigada pela visita e comentário.
    Beijo!

  • Buca Dantas

    “Não terei ninguém para juntar meus pedaços”. isso é duka, Niara! a mais pura realidade! mas sei que vais bater a poeira e seguir adiante sempre.

  • Renata Lins

    Querida, a dor da gente é a dor da gente. Não se dá, não se empresta, não se compartilha. Nem sai no jornal… (no máximo, se a gente tiver um blog…).
    E o máximo que quem gosta do dono da dor pode fazer é dizer tamos aí, se quiser conversar, não conversar, dar uma passada, um alô, se quiser um cafuné, se quiser que a gente grite junto…
    tamos aí…
    e ainda tô te devendo uma leitura em voz alta…

  • Gilson Moura Henrique Junior

    Bah! Baaaaaaah! mimimi da porra. Vida e isso,se tu escolhesse o mais “fácil” ele seria mais prisão que outra coisa e viver dói mesmo.. se viver não doesse não saberíamos gozar, rir, chorar, ouvir musica lavando panela e saber o gosto do vinho com inteligência.

    E sei lá, dói mais pra mulher sim, mas por isso mesmo cês são mais esperta e produzem analgésico natural por causa do parto.

    Fica um conselho: Só dói quando eu rio. Ou como dizia Lalaw: Só dói quando eu, Rio.

  • suzana

    Niara, falo de #mimimi mesmo, probleminhas de nem fazer cosquinhas..antes eu ouvia, hoje me nego mesmo. Esclarecendo..hehehe

  • Niara de Oliveira

    Poxa… Eu achando que vocês iam criticar o texto e me dar mais motivo para mimimi… 😥

    Cês são uns fofos… 😥

  • Eva hewson (@Eva_hewson)

    Não sei a sua idade,eu tenho 44 anos e muitos “levanta e sacode a poeira” .Infelizmente,ainda não inventaram amadurecimento sem dor..Faz parte.Belo texto Niara,de uma sensibilidade impar.

  • Rita

    Que meu abraco chegue ai. E que voce saiba reconhecer no meio dos amigos aqueles que podem, sim, juntar os cacos com vc. Bj.

  • Niara de Oliveira

    Acabei de fazer 40, Eva. Também já perdi a conta de tanto cair, levantar, sacudir… Bom seria se saíssemos inteiros depois desses sacodes. 😦

  • Eva hewson (@Eva_hewson)

    Perto de voce percebo toda minha fragilidade.Não sei se conseguiria levantar tantas vezes se não tivesse a familia que construí como estimulo.Minha vida antes dela(com minha familia de origem) não foi brinquedo não.Os inimigos intimos são os mais devastadores.Te percebo bem mais forte e segura do que eu.

  • Niara de Oliveira

    Como eu disse no post, tanta força não vem impunemente. O preço é alto.

  • Eu, desumana « Pimenta com Limão

    […] Dias de Mudança Estranhamento O amanhã colorido Vapor de água O caminho escolhido CompartilharTumblrTwitterEmailFacebookImprimirGostar disso:GosteiSeja o primeiro a gostar […]

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