destino

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é muito difícil admitir não ter dado certo na vida para a única coisa que realmente tu sonhaste ser e fazer. eu já tinha tentado admitir isso uma vez. mas não foi suficiente, não foi completo. nunca será. acho que nunca vou conseguir, por mais repita mil vezes. eu sempre achei que tinha o dom, a vocação, o faro para jornalista. e cada vez que farejo uma notícia, um grande furo, que planejo mentalmente a estrutura de uma reportagem que nunca vou realizar, dói. DÓI MUITO.

ahh, Niara… tu poderia fazer os cursos online. existem vários. tudo EAD. são baratos, inclusive. [mas ninguém conta a falta de tempo no meu dia a dia, e nem de grana, por mais merreca que seja. e adivinhem? FALTA. o tempo todo, todo mês, várias vezes no mês. chega a ser piada me dizerem que 150 pila não é nada por um curso de especialização da Abraji quando estou juntando as moedas pro gás ou para termos comida até pingar o próximo pagamento]

ahh, Niara… por que tu sempre dá as dicas de graça? faz o texto inicial. ao menos daria para reivindicar a coautoria da matéria. [cara, as pessoas não pegam nem as dicas mastigadinhas, de graça. imagina impondo parceria ou cobrando? RÁ! isso é piada. e de mau gosto, viu?]

ahh, Niara… mete a cara. FAZ. tu tem capacidade pra isso. [olha, eu nunca duvidei da minha capacidade e inteligência. mas o mundo insiste em negar as condições. o universo conspira contra. e a essas alturas do campeonato eu já não sei mais como lutar contra]

jornalismo é exercício, não é um diploma mofando na gaveta e nem um título que se ostenta. não dá dinheiro, não abre portas, não nada. jornalista é quem exercita a profissão diariamente, quem vive disso e para isso. e nem estou fazendo juízo de valor sobre de que lado estar, a qual senhor servir ou se cumpre o juramento, o código de ética profissional.

desde julho venho farejando uma reportagem imensa. era um escândalo local, virou estadual e agora pode ser nacional. eu já cantei a pedra. já “dei de graça a dica”. mas assim como o grande esquema das empreiteiras que financiavam campanhas, políticos e partidos que farejei lá em Niterói e vi estourar dois anos depois já como escândalo policial, ninguém aproveitou. ninguém me deu crédito. e por que dariam, né? nem eu me daria crédito. a probabilidade é que seja mais uma história que verei mal apurada estourar de novo já como escândalo policial daqui a algum tempo.

não tenho as ferramentas. não fiz cursos complementares de metadados nem de como investigar empresas (tem um com inscrições abertas agora na Abraji; mais um que não farei) nem tenho a experiência que só o exercício diário da profissão te dá, junto com as fontes, os “contatinhos” que te mantém no curso certo de uma investigação.

então… acho mesmo que tenho a capacidade, o faro, o “dom”, mas nunca tive as condições nem as oportunidades. porque não basta a oportunidade quando tu não tem condições de aproveitá-la. trabalho não espera filho crescer (o meu nunca irá), acabar a aula/prova/seminário/apresentação do companheiro mestrando, nem a casa ficar silenciosa para teres condições de escrever. 

às vezes penso que me sabotei mesmo, bonito, lá durante a faculdade quando tive o Calvin… e nem vou entrar no mérito das condições desse “ter”.

autocomiseração é uma merda. mas preciso reconhecer que em algum momento meu destino _eu junto_ se quebrou. ou nunca existiu. ou a vida era só isso mesmo.

Sobre Niara de Oliveira

ardida como pimenta com limão! marginal, chaaaaaaata, comunista, libertária, biscate feminista, amante do cinema, "meio intelectual meio de esquerda", xavante, mãe do Calvin, gaúcha de Satolep, avulsa no mundo. Ver todos os artigos de Niara de Oliveira

Uma resposta para “destino

  • Luiza

    Calvin é o seu filho? Ele é PNE?

    Olha, sinto muito. Mas hoje em dia tem muita oportunidade sim para o jornalismo independente.

    Porém concordo com a parte da falta de apuração e dos contatinhos. É que na verdade, pelo menos na redação em que trabalho, a questão é a seguinte: falta equipe e tempo para cobrir. Eles são focados no jornalismo diário, cidades, violência urbana… Uma apuração dessas demandaria muita equipe e tempo… “tempo é dinheiro.” É foda dizer, mas o jornalismo perdeu sua essência. A parte boa é que o independente mantém a resistência.

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