O amanhã colorido

Era fã da Cidadão Quem desde antes da banda, quando o Duca Leindecker lançou um disco solo quase todo instrumental lá no final dos anos 80. Um dia fuçando o site da CQ, que achei lindo logo de cara, a primeira música selecionada para tocar no playlist era (e ainda é) O Amanhã Colorido, numa versão com a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre gravada em estúdio. Fiquei tão encantada que ficava ouvindo repetidas vezes, exatamente como fiz enquanto escrevia esse texto.

Duca Leindecker

Tudo nessa canção a descreve como uma declaração de amor. Um testamento tão especial que a única pessoa em quem conseguia pensar quando a ouvia era no Calvin. Descobri que Duca a havia escrito para o seu filho Guilherme quando li essa declaração: “Eu gostaria que ele soubesse como eu vejo a vida. Melhor do que dinheiro ou qualquer coisa que eu deixe, é a minha forma de ver a vida”.

A canção ganhou um contorno tanto mais mágico e especial quanto doloroso, porque eu adoraria poder dizer todas essas coisas um dia para o meu filho. E que ele pudesse entender. Mas tanto eu quanto o Calvin só podemos sentir tudo isso. Ele nunca será independente ao ponto de jogar bola, descobrir um ideal ou até mesmo quebrar o pé numa estripulia própria de guri (espero que nunca quebre mesmo porque vai ser muito difícil convencê-lo a ficar quieto o tempo que demora um osso quebrado para soldar).

Ele não fará ideia de quanto tempo esperei para vê-lo sorrir, para poder seguir e o quanto esse tempo foi doloroso. Mas acho que ele prefere vermelho. Ou eu que prefiro e tendo a achar que ele também prefere. Ele canta várias das canções que ensinei ele a gostar e que ouvíamos juntos, e muitas são composições do Duca. Sinto falta da mão dele apertando a minha e nunca saberei se ele guarda nossos momentos na lembrança e nem se me perdoará pelo meu afastamento. Nunca o verei correndo em direção ao seu futuro, mas sempre estarei aqui para amá-lo mesmo que à distância. Espero que ele nunca desista de mim porque jamais desistirei dele.

Mesmo amando essa canção, foi muito difícil ver a vida passar pelo espelho e não ver todo o resto acontecer. Certamente o tempo está no pensamento e espero que o amor que nos une trasforme esse nosso hiato numa fração de segundo quando nos reencontrarmos. Vivo por esse dia e espero correr o suficiente para transformar nosso presente monocromático num futuro cheio de cores.

Não tenho o talento do Duca para expressar meus sentimentos e por mais que escreva  nunca me farei entender completamente. Pelo menos não com relação ao Calvin. Então, ouçam essa versão ainda mais linda de O Amanhã Colorido com a Pouca Vogal (dupla formada com Humberto Gessinger), que o resto serão histórias a serem contadas depois.

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Olha a luz que brilha de manhã
Saiba quanto tempo estive aqui
Esperando pra te ver sorrir
Pra poder seguir

Lembre que hoje vai ter pôr-do-sol
Esqueça o que falei sobre sair
Corra muito além da escuridão
E corra, corra…

Não desista de quem desistiu
Do amor que move tudo aqui
Jogue bola, cante uma canção
Aperte a minha mão

Quebre o pé, descubra um ideal
Saiba que é preciso amar você
Não esqueça que estarei aqui
E corra, corra…

Azul, vermelho
Pelo espelho
A vida vai passar
E o tempo está no pensamento

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Sobre Niara de Oliveira

ardida como pimenta com limão! marginal, chaaaaaaata, comunista, libertária, biscate feminista, amante do cinema, "meio intelectual meio de esquerda", xavante, mãe do Calvin, gaúcha de Satolep, avulsa no mundo. Ver todos os artigos de Niara de Oliveira

12 respostas para “O amanhã colorido

  • Luciana

    Eu refleti antes de colocar o comentário aqui, pensei até em mandar por mail ou DM. Mas não achei certo, seu texto é público, coração aberto e demanda respostas assim: entregues e inteiras. Então, eu te digo, baby, que seu texto além de me fazer cair no choro, me fez ficar miudinha. Eu amo o vermelho, mas acho que nem ensinei o meu menino a amá-lo. Talvez eu não tenha o amado o bastante e quando escrevo isso não sei se me refiro ao vermelho ou ao menino. Só sei que o tanto que eu tento não tem todas estas cores que o seu tentar pinta tão doce, sofrida e ternamente. Você me inspira e eu queria, só um pouquinho, pelo menos, sentir e dizer como você. Um beijo molhado e salgado…

  • Anne

    A primeira vez que li o texto fiquei com uma sensação esquisita. Escutei a música, reli e chorei. Chorei por não ter um filho a quem ensinar a amar o vermelho, chorei por ser pequena nos meus sentimentos e, principalmente, por sentir tanto medo. Admiro muito sua coragem.
    Beijinhos

  • Fernanda Ávila

    Pô, comadre! Não se faz uma coisa destas com uma gestante…chorei!Principalmente porque sei a verdade e a intensidade do sentido das palavras que escreveste. Aí, eu que só não tenho tantos talentos e me especializei em resolver dilemas com patchworks culturais,te lembro um Chico que sempre amamos pra alentar a dor da distância e da dúvida:”Depois de te perder,
    Te encontro, com certeza,
    Talvez num tempo da delicadeza,
    Onde não diremos nada;
    Nada aconteceu.
    Apenas seguirei
    Como encantado ao lado teu.”
    Te amamos,amiga querida!E torcemos por vcs!

  • Fernando Amaral

    Ei, Niara…. um puta beijo, tá?

  • Niara de Oliveira

    Obrigada pelo carinho. Foi tão doloroso escrever que só o fato de saber que emocionei quem me leu já conforta.

    🙂

  • rita

    Eu só li este post agora. Niara, eu não sei falar com você sobre isso ainda. Se um dia eu tiver um lampejo de como se faz, eu tento. Por enquanto eu sinto de longe e tento entender, aprender, mandar amor procês. Vocês são grandes demais. É isso.

    bj
    rita

  • suzana

    Sei muito bem o que é sentir saudade de um filho. Beijo Niara.

  • Madrasta do Texto Ruim

    Querida, sei nem o que dizer. Mas faço questão de deixar meu beijo aqui pra você. Tá bom, eu falo. Falo que eu desejo pra vc e pro Calvin muita felicidade. que vocês voltem a se reunir de forma suave, mansa e perene – como deve ser a relação de amor entre mãe e filho – o mais breve possível.

    Um beijo!

  • ftiagocosta

    Dizer o quanto me emocionei com esse texto pode ser um comentário repetitivo, mas que me emocionei, me emocionei! Um bjão!

  • Niara de Oliveira

    Obrigada pela torcida, Bruxa. Obrigada pelos comentários, Suzana, Bruxa e Tiago. Beijo pr’ocêis.

  • Eu, desumana « Pimenta com Limão

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