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Dilma se alia aos algozes da ditadura e trai seus velhos companheiros de luta

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Texto publicado no Diário Liberdade
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Desde a ditadura militar essa é a bandeira oficial do Brasil -- desenho de Carlos Latuff

Há quase dois anos que milito mais ativamente na luta pela abertura dos arquivos da ditadura militar e pela punição dos torturadores. Nesse período foram muitas as perdas e decepções. Aliás, foram só perdas e decepções. 

Nesses poucos mais de vinte meses vi o governo Lula manter o sigilo eterno — criado por Fernando Henrique Cardoso — sobre os arquivos da ditadura quando tinha poderes para abri-los; vi o STF estender a anistia aos torturadores ao julgar improcedente a APDF 153 que pedia a revisão da Lei da Anistia; vi o governo Lula fazer campanha publicitária (Memórias Reveladas) e gastar dinheiro público pedindo ajuda à população por informações sobre os desaparecidos quando esses desapareceram sob a tutela do Estado brasileiro e ao mesmo tempo que mantém sob seu poder essas informações, nos arquivos mantidos como secretos ad eternum; vi o Ministério da Defesa criar em 2009 um grupo de trabalho para procurar os restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia que já no nome negava a história, e que só criou porque foi obrigado judicialmente por uma ação movida pelos familiares dos mortos e desaparecidos e que até agora não apresentou resultados concretos; vi o Brasil ser condenado na Corte Criminal da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 14/12/2010 a rever a Lei da Anistia (assim como fizeram ArgentinaChileUruguai que apuraram, julgaram e condenaram as violações de DH de suas ditaduras militares) e nada fazer; vi o governo Lula terminar e nada de Comissão da Verdade ou abertura dos arquivos; vi uma guerrilheira que pegou em armas contra a ditadura militar e que foi presa e torturada chegar à presidência e em nove meses de governo não demonstrar nenhum respeito à memória dos mortos e desaparecidos e, por fim; vi essa mulher ser a primeira na história da humanidade a abrir uma assembléia geral das Nações Unidas e justamente pela pressão internacional e sentença da OEA ainda não cumprida — prazo de um ano se esgota em 14/12/2011 — montar uma farsa e aprovar às pressas o projeto de lei que cria a Comissão Nacional da Verdade na Câmara dos Deputados (projeto ainda precisa passar pelo Senado).

Mesmo depois de todos as derrotas anteriores e sabermos que era uma espécie de farsa, apenas para a ONU, OEA e o mundo verem, houve mobilização em apoio ao “esforço” do governo em aprovar a Comissão Nacional da Verdade. Embora soubéssemos também que o projeto a ser aprovado era uma mutilação daquele  previsto no terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos apresentado no final de 2009, artistas fizeram abaixo-assinado e enviaram mensagens aos deputados, entidades de Direitos Humanos se fizeram presentes no Congresso e acompanharam a ministra Maria do Rosário no momento da entrega simbólica do projeto ao parlamento e durante todo o dia ativistas na web fizeram um tuitaço (esforço concentrado na rede social e microblog Twitter) através da hashtag #ComissãoDaVerdade.

Antes disso, quando os familiares dos mortos e desaparecidos tiveram acesso à versão final do projeto que seria votado pelo Congresso Nacional, divulgaram um documento onde propunham algumas alterações. Alegavam que se o projeto fosse aprovado da forma como o governo estava negociando teríamos uma Comissão de Meia Verdade. As alterações propostas pelos familiares dos mortos e desaparecidos foram apresentadas como emendas em plenário pelo PSOL e pela deputada Luiza Erundina e nenhuma foi aprovada. Essas alterações continuam sendo propostas na tramitação do projeto no Senado e já houve até uma manifestação em São Paulo em apoio a elas.

Manifestação em São Paulo na sexta 30/09/2011 em apoio às alterações no projeto da Comissão da Verdade que permitam a punição dos torturadores da ditadura militar

A Comissão da Verdade é importante e é retratada na sentença, “o Tribunal valora a iniciativa de criação da Comissão Nacional da Verdade e exorta o Estado a implementá-la”, mas sem a revisão da lei da Anistia é cortina de fumaça. É dever da cidadania fazer ecoar nos quatro cantos do país um brado: Cumpra-se por inteiro a sentença da OEA.” — dizia Mercelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP em artigo publicado no Blog do Tsavkko em 27/06/2011.

Já tramitava desde o início do ano um projeto da deputada Luiza Erundina que propunha rever a Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, a Lei da Anistia. Pois, segundo Erundina, sem rever a Lei da Anistia e sem a possibilidade de punir os torturadores essa Comissão da Verdade é inócua. Eis que o partido do governo — da presidenta Dilma Vana Rousseff, militante da luta armada, ex-torturada, vítima da ditadura militar e de um partido dito de esquerda e defensor dos Direitos Humanos –, PT, se alia ao deputado Jair Bolsonaro — a escória do Congresso Nacional, defensor da ditadura e dos torturadores, misógino, homofóbico e racista (para quem não o conhece basta pesquisar em qualquer site de busca da internet) — para derrubar o projeto de Erundina e manter a Lei da Anistia, mesmo sabendo que existe uma sentença da OEA que obriga o Brasil a tomar providências quanto às violações de DH cometidas pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar.

Neste momento está no plenário do Senado, pronto para ser votado, o projeto de lei que regulamenta o sigilo de documentos oficiais. O texto, que tramita em regime de urgência, estava previsto para entrar na ordem do dia do plenário no último dia 22/09. Mas ainda não foi à votação. Mas não esqueçamos que além da presidenta Dilma abrir mão da decisão e passá-la para o legislativo, o relator do projeto é o senador Fernando Collor que junto com José Sarney é um dos mais resistentes à abertura dos arquivos da ditadura. Como o projeto trata do acesso a todos os documentos oficiais, não me espantaria que na negociação do apoio desses dois senadores (e dos demais contrários, e eles são muitos pelos mais diferentes motivos e interesses) ficassem de fora os documentos classificados como ultrassecretos — justamente os do período de 1964-1985 — ou ainda que estendam o prazo que esses documentos ficarão indisponíveis. 

A única chance da Comissão da Verdade cumprir o papel esperado, jogar luz nos porões da ditadura militar, era estar combinada com a revisão da Lei da Anistia (possibilidade de punição dos torturadores) e com a abertura dos arquivos da ditadura (acesso aos documentos que de fato podem revelar a verdade sobre o destino dos mortos e desaparecidos e as condições reais de suas mortes e desaparecimentos). Sem isso a Comissão da Verdade não passa de uma farsa e de deboche com a democracia e com os Direitos Humanos.

Não existem mais dúvidas quanto ao “compromisso” do PT e deste governo com a Comissão da Verdade e a passar a limpo as páginas mais obscuras de nossa história e punir os torturadores, é NENHUM. É como se os mortos, desaparecidos e torturados da ditadura estivessem sendo de novo, de novo e de novo mortos, desaparecidos e torturados. E o nosso compromisso com eles, que tombaram numa luta desigual e bárbara para que nós tivéssemos hoje liberdade de expressão e democracia, é dobrado. Enquanto houver um único desaparecido sem que saibamos em que condições foi desaparecido e sem que o Estado brasileiro peça oficialmente desculpas às famílias das vítimas da ditadura, em luto permanente e inacabado, não teremos uma democracia de fato.

Segundo a cientista política do departamento de Ciências Políticas da Universidade de Minnesota, Kathryn Sikkink, “os julgamentos e a punição de torturadores ajudam a construir o Estado de direito, deixando claro que ninguém está acima da lei. Além disso, a punição deixa claro que haverá ‘custos’ para os agentes individuais do Estado que se envolverem em abusos dos direitos humanos, e isto pode ajudar a prevenir futuras violações de direitos humanos. Os julgamentos também são acontecimentos altamente simbólicos que comunicam os valores de uma sociedade democrática em favor dos direitos humanos e do Estado de direito”. Em sua opinião, “a tortura, como crime contra a humanidade, não deveria estar sujeita a leis de anistia ou à prescrição”.

Vale lembrar à presidenta Dilma que Luiza Erundina quando prefeita de São Paulo mandou abrir a Vala de Perus em 1990 no Cemitério Dom Bosco, onde foram encontradas 1049 ossadas (e alguns dos desaparecidos da ditadura militar) e são a prova de que a tortura, morte e desaparecimento se tornaram práticas usuais dos aparelhos de repressão do Estado brasileiro, mesmo depois da “democratização” do país. Erundina assumiu para si a responsabilidade histórica que é de todos nós. Dilma Rousseff pode mandar abrir os arquivos secretos no momento que assim decidir e dar dignidade à sua trajetória política e à história do Brasil. Só não o faz porque não quer. De certo que não é por falta de coragem, afinal é preciso muito mais coragem e estômago para se aliar aos seus algozes do que enfrentá-los como já o fez no passado. 

Me sinto traída por este governo e pelo Brasil que insiste em manter esse passado esquecido e intocado e neste momento sequer consigo me colocar no lugar dos familiares dos mortos e desaparecidos, diante dessa tortura que parece não ter fim. Não sei muito bem o que propor, mas é certo que precisamos fazer algo concreto e é hora de unir esforços.

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Não se constrói uma democracia plena com tantas ossadas escondidas dentro do armário

BLOGAGEM COLETIVA PELA ABERTURA DOS ARQUIVOS DA DITADURA

Assim que iniciamos a blogagem coletiva pela abertura dos arquivos da ditadura, no dia 30 de janeiro, fui informada da morte do pai do desaparecido político Sérgio Landulfo Furtado. Naquela hora tive a certeza de estar fazendo a coisa certa. Essa questão dos desaparecimentos forçados – tática torpe usada exclusivamente contra comunistas com o intuito de desmoralizar e não permitir virarem heróis, vide exemplos de mitos como Che, Zapata, entre outros – sempre me mobilizou sem mais ou maiores justificativas. Só sei que dói demais ler, ouvir e assistir relatos a respeito. Mas desde que conheci pessoalmente a Criméia Almeida (ex-guerrilheira do Araguaia, presa e torturada grávida e ex-companheira de André Grabois) e Suzana Lisbôa (ex-militante da ALN e viúva de Luiz Eurico Tejera Lisbôa* – uma das ossadas encontrada na Vala de Perus, São Paulo, no final da década de 80) e ouvi seus argumentos, percebendo a mágoa com a chamada esquerda que chegou ao poder e esqueceu os ativistas que tombaram lutando contra a ditadura, e o seu justo sentido de justiça – redundante assim mesmo -, essa luta ganhou outro significado para mim.
Além de ser capaz de me indignar e comover frente a qualquer injustiça, me comovo diante da dor do luto inacabo dessas pessoas. A Criméia e a Suzana são ainda ativistas da esquerda, sabem pelo que lutaram e lutam. Mas boa parte dos familiares dos desaparecidos nunca foi comunista. Eles foram atropelados por essa prática torpe do desaparecimento forçado de seus entes e são torturados ininterruptamente há 30, 35, 40 anos. Essa semana a revista Caros Amigos divulgou a notícia que o primeiro desaparecido do regime militar brasileiro (1964-1985) poderá, finalmente, ter seus restos encontrados quase 42 anos depois.
O fato de Suzana e Criméia serem ativistas não torna menos grave, violenta ou castradora a ação da ditadura em suas vidas. Nem justifica. Mas ousar enfrentar um inimigo tão imenso e cruel quando seria mais fácil calar e acomodar-se, tem um preço alto. Ser ativista é tomar a decisão de preferir pagar esse preço a resignar-se ou colocar-se apenas no papel de vítima. Vítimas todos nós brasileiros fomos/somos da ditadura. O que diferencia uns dos outros, durante os anos de enfrentamento da ditadura ou agora, é a mesma coisa: CORAGEM!
Alguns tem a coragem de dizer que o Estado é omisso, covarde e deve desculpas à nação e em especial à 172 famílias que ainda não souberam em que condições morreram seus entes e nem puderam realizar um funeral ou ritual de despedida; e que esse governo, tanto quanto o de Lula ou FHC, está sendo conivente com a tortura, morte e desaparecimento sofridos por milhares de cidadãos durante a ditadura – os militares falavam em nome do Estado brasileiro. Os demais fazem o jogo do contente e justificam tudo em nome da maldita governabilidade.
Não adianta a presidenta Dilma ir a Buenas Aires abraçar as Mães e Avós da Praça de Maio ou convidar suas ex-companheiras de cárcere para assistir a sua posse em Brasília. Tudo isso é muito simbólico mas não passa de simbolismo com efeito prático nulo. A hora de pressionar o governo é agora. Ou os torturadores morrerão na paz de seus lares de cidadãos de bem (sic), sem que ninguém tenha lhes apontado o dedo chamando-os pelo que são de fato e os familiares dos mortos e desaparecidos morrerão na agonia dessa tortura continuada e infinita.
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Para que mais nenhuma mãe/pai morra sem saber o fim que a ditadura militar e o Estado brasileiro deram ao seu filho/a, que os arquivos secretos sejam reclassificados como públicos já e que seus torturadores e assassinos sejam identificados e punidos.
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Afinal, não se constrói uma democracia plena com tantas ossadas escondidas dentro do armário.
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Onde está O SEU senso de justiça???
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#desarquivandoBR
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* Luiz Eurico era irmão mais velho do músico gaúcho Nei Lisboa (Nei Tejera Lisbôa)


Desarquivando o Brasil

PROPOSTA DE BLOGAGEM COLETIVA
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Há um ano fiz uma proposta de blogagem coletiva pela abertura dos arquivos da ditadura e pela punição dos torturadores. Na época, tinha uma entrevista pronta com representantes dos familiares de mortos e desaparecidos – Verdade e Justiça, com Criméia Almeida e Suzana Lisbôa – e a ofereci para ser publicada ao mesmo tempo por vários blogues. Era inexperiente como blogueira e tuiteira e tinha poucos contatos, mas mesmo assim consegui que dezoito blogues publicassem a entrevista e outros tantos publicaram os banners da campanha.
Mas um fantasma nos rondava. Muitos tiveram medo de entrar mais fundo na campanha e produzir também textos próprios porque temiam que a direita usasse contra a candidata do governo Lula (que optou por manter o sigilo dos arquivos), que é ex-guerrilheira e foi torturada, etc. Dilma Rousseff venceu as eleições legitimamente e agora é governo. Não há mais disputas e nem desculpas para não abraçar essa causa. Ela é justa, justíssima.
A Corte dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) reconheceu a importância de se identificar e punir os torturadores da Ditadura Militar, decidindo que a manutenção da Lei da Anistia fere acordos internacionais assinados pelo Brasil. Mas, infelizmente, o governo brasileiro segue ignorando a decisão.
Enquanto isto, o Supremo Tribunal Federal (STF) permanece na mais completa imobilidade e não dá mostras de que, ao menos pela via judicial, a decisão da OEA será respeitada. O Brasil, desta forma, caminha para se tornar um país criminoso, que não respeita as decisões de cortes internacionais superioras.
A tortura está institucionalizada no país porque não é possível punir tortura tendo anistiado os maiores torturadores de nossa história e nem sequer identificá-los. O Estado precisa investigar o paradeiro dos ainda desaparecidos políticos do regime militar. Paradeiro dos restos mortais dos desaparecidos porque a mim não convence essa papagaiada de guerrilheiros poupados por torturadores carrascos vivendo por aí com medo e identidades falsas.
O Brasil é o país mais atrasado da América Latina com a revisão de seu passado e sua história. A Argentina julgou e condenou só no ano passado 89 repressores de sua ditadura, além de já ter ordenado a abertura dos arquivos secretos e já possuir um museu da memória do período da repressão. Chile e Uruguai também, com algumas pequenas diferenças. Mas todos foram de encontro ao passado sem medo.
Iniciativas que visavam a criação de uma Comissão da Verdade, a revisão da Lei da Anistia e a punição dos torturadores – todas parte do Terceiro Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH3) – foram paulatinamente esvaziadas, empurradas para debaixo do tapete e esquecidas. A secretária de Direitos Humanos, Maria do Rosário, se limitou a defender uma Comissão da Verdade sem punições, mas baseada no “entendimento” entre torturadores e vítimas.
Já passou da hora do Estado brasileiro vir a público e pedir desculpas junto com as Forças Armadas pelas atrocidades cometidas e pelos anos de censura, medo e tolhimento da liberdade que causaram danos incalculáveis a várias gerações e ao país, que perdeu o rumo de sua evolução histórica natural e a produção cultural e científica dessas gerações.
Não gostaria de ver mais mães de desaparecidos morrendo sem saber o que o Estado brasileiro fez com seus filhos, sem enterrar seus restos mortais, acabarem seu luto continuado de quatro décadas e sem receberem um pedido de desculpas oficial. O Brasil precisa conhecer a história dessas pessoas.
A proposta de blogagem coletiva consiste em aderir a campanha produzindo um post inédito (enfoques político, jurídico, direitos humanos, cidadania, histórico,… Escolham!) até o dia 10 de fevereiro usando essa charge feita pelo quadrinista Ton nOise (@tonoise). Todas as contribuições são bem-vindas. Outros cartuns e charges, textos, entrevistas. Podemos combinar de indicar nos blogs e nas redes sociais todos os posts da blogagem, sempre usando a tag #DesarquivandoBR e citando sempre que possível “desarquivando o Brasil”. Já estou propondo tag, título da campanha para facilitar, mas se alguém pensar em algo melhor é só falar, propor. Serão dez dias de luta pelo desarquivamento do Brasil. Meu objetivo é ver a presidenta Dilma Rousseff reclassificando os arquivos agora ultrassecretos da ditadura militar brasileira como PÚBLICOS.

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Bóra nessa luta?!?
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* Texto escrito em parceria com Raphael Tsavkko.


Um fio de esperança que arrebenta

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Confesso que guardava escondidinho um fio de esperança que o presidente Lula abrisse os arquivos da ditadura militar carimbados como ultra secretos, que são responsabilidade do executivo, e que tiveram esse carimbo renovado ad eternum por Lula quando do vencimento do prazo de 25 anos a partir da Lei da Anistia. O fio arrebentou. E a Secretaria de Direitos Humanos está lançando mais alguns livros sobre tortura e a repressão no campo durante a ditadura. Preferia menos livros e mais atitudes. Embora o registro seja importante, ele não é incorporado à grade curricular na disciplina de História do Brasil e sabemos que eles são feitos porque esse é o limite da ação da SDH.

É decepcionante e lamentável a falta de atitude do Brasil nesse caso. Enquanto os demais países do Cone Sul passam sua história a limpo e aos poucos vão condenando os militares torturadores de seus períodos ditatoriais, o Brasil prefere passar esse recibo vergonhoso de jogar a sujeira para debaixo do tapete. Mais lamentável ainda é a atitude das próprias Forças Armadas que deveriam ter interesse em ver julgados e condenados os militares que se envolveram na tortura para limpar o nome da corporação. Ao acobertarem seus colegas assassinos e psicopatas, se envolvem nessa lama como se a tortura, o assassinato e o desaparecimento forçado dos opositores do regime fosse (é) prática institucionalizada da corporação.

Pior do que não punir os torturadores é não dar às famílias dos desaparecidos políticos o direito de enterrarem seus entes queridos e encerrarem seu luto inacabado. Essa tortura continuada é inominável. Assim como o ministro da Comunicação Social Franklin Martins, eu espero ver  um dia o presidente da República pedir desculpas ao país em nome do estado brasileiro e das Forças Armadas pela ditatura e atrocidades cometidas. Acreditei que Lula faria isso. Não fez, foi omisso e covarde. Fico aguardando a atitude de Dilma, ex-guerrilheira e vítima da tortura e que sabe como ninguém o mal que esses animais fizeram ao país. Mas é improvável que faça, embora eu torça para não ter razão.

Como punir policiais que praticam a tortura em delegacias país afora, se os militares da ditatura não o foram? Mesmo que inicialmente sejam punidos com medidas paliativas quando são flagrados – e apenas quando são flagrados -, esses policiais sempre terão a seu favor o argumento da impunidade de gente que torturou e matou muito mais do que eles e com a autorização do Estado brasileiro. A tortura é prática institucionalizada no país e o tal estado democrático de direito é cuspido e pisoteado diariamente e com o aval da Justiça.

Parte da revolta que senti quando o Supremo Tribunal Federal estendeu a anistia aos torturadores foi abrandada agora, com a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA condenando o Brasil no caso da Guerrilha do Araguaia  e obrigando-0 a investigar o caso (o Brasil sequer admitia a existência da Guerrilha do Araguaia, que dirá da chacina promovida pelo Exército).


Diz a sentença: “investigue o caso, determine as responsabilidades penais e aplique as devidas sanções; esforce-se para descobrir o paradeiro das vítimas, identificá-las e entregar os restos mortais a seus familiares; ofereça tratamento médico e psicológico às vítimas; realize ato público de reconhecimento de responsabilidade no caso; promova curso ou programa sobre direitos humanos para integrantes das Forças Armadas; e adote medidas para tipificar o delito de desaparecimento forçado de pessoas de acordo com os parâmetros interamericanos.” Leia a íntegra da sentença.

Apesar de ter sido uma vitória, foi uma vitória vergonhosa, desonrosa. O Brasil só tomará uma atitude com relação aos crimes promovidos pelo Estado naquele período – e apenas de uma parte desses crimes – porque uma corte internacional o está obrigando. Enquanto isso, a Argentina faz a lição de casa e só em 2010 já condenou 89 repressores de sua ditadura militar.

(Aqui eu abro um parênteses para dizer que a mim incomoda muito essa história de indenização, embora seja um direito das famílias. Durante os governos de Fernando Henrique Cardoso começaram os processos de reconhecimento de perseguições políticas e os pagamentos de indenizações e ficou a impressão de que o Estado tinha feito a sua parte. Ou seja, sempre que há dinheiro envolvido fica essa impressão de ‘pagamento’ – no sentindo de fazer justiça – por algo que não tem preço e nem medida. Mas voltarei a esse ponto outro dia.)

Para encerrar uma boa notícia. Entrou em vigor dia 24 de dezembro a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados, ratificada por 20 países – Albânia, Alemanha, Argentina, Bolívia, Burkina Faso, Chile, Cuba, Equador, Espanha, França, Honduras, Iraque, Japão, Cazaquistão, Mali, México, Nigéria, Paraguai, Senegal e Uruguai. Outros 70 países também já afirmaram sua intenção de ratificá-lo no futuro. Sentiram a falta do Brasil na lista dos países ratificadores da convenção? Mais uma vergonha… Como diria um cantor nativista daqui de Pelotas, Joca Martins, “é aí que me refiro” que ser ou não de esquerda não faz a menor diferença. A dita esquerda hoje no poder abandonou a esquerda que tombou combatendo a ditadura (*) e que contribuiu muito para que hoje vivamos numa democracia. Um arremedo de democracia, é bem verdade, mas infinitamente melhor que qualquer ditadura.
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(*) Mesmo que os personagens sejam os mesmos, fazendo desse momento e abandono um ato quase esquizofrênico.

Nota: O Pimenta com Limão é um grão de areia no mar da comunicação brasileira, mas continuarei a minha luta pela abertura dos arquivos da ditadura e pela punição dos torturadores.

Assine o abaixo-assinado da OAB-RJ pela abertura dos arquivos.

Osmar Prado ‘interpreta’ Maurício Grabois, comandante da Guerrilha do Araguaia, desaparecido no natal de 1973:

Assista aos outros vídeos da Campanha pela memória e pela verdade da OAB-RJ gravados por Fernanda Montenegro, Glória Pires, Mauro Mendonça, Eliane Giardini e José Mayer.


STF institucionaliza a tortura no Brasil


No último dia 29 de abril, assisti com muita tristeza o Supremo Tribunal Federal dizer com todas as letras que torturar no Brasil não é crime hediondo ou contra a humanidade. Pior, autorizou e institucionalizou a tortura. Ao manter a fajuta Lei da Anistia – porque foi enfiada goela abaixo da sociedade e serviu para os militares se autoanistiarem por seus crimes -, a Suprema Corte brasileira demonstra não ter o menor senso de justiça.

Não estou ousando pensar ou me colocar no lugar dos familiares dos desaparecidos, que foram mais uma vez torturados ao ouvirem tantas sandices em sete declarações de voto dos ministros durante o julgamento da ADPF 153, que pedia que a anistia não valesse para os torturadores. Com relação aos torturados que declararam que a Lei da Anistia deveria ser mantida, como o ministro Eros Graus (relator do processo no STF) e ex-ministra Dilma Roussef, só para citar alguns exemplos, prefiro não dizer o que penso.

Minha indignação é tanta que não estou encontrando as palavras para expressar o que gostaria de dizer. Então, pedi ao cartunista Carlos Latuff uma charge. Ele sempre consegue traduzir em seus desenhos a minha revolta. Obrigada, Latuff!

Mais opiniões? Míriam Leitão, Alberto Dines, Gilson Caroni FilhoJamil Chade e a crítica da ONU sobre a decisão do STF, Raphael Neves, Raphael Tsavkko, e a nota internacional do Centro Internacional para la Justicia Transicional. E ainda texto um, dois, e três do blog Náufrago da Utopia.

Veja ainda um resumo do segundo dia de votação no STF e a defesa da Ditadura e da repressão.


Em defesa da justiça, da memória e da verdade

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Sobre a punição aos torturadores, a abertura dos arquivos da ditadura e a Comissão da Verdade prevista no PNDH-3
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Por entender que os crimes praticados durante a ditadura – como tortura, assassinato e desaparecimentos forçados -, são crimes contra a humanidade e nesta medida não podem ser anistiados, a Associação dos Juízes pela Democracia ingressou no Supremo Tribunal Federal com um apelo para que a Lei da Anistia não seja aplicada aos agentes da repressão, tal como já foi feito em outros países. O STF julgará o apelo que pede a não anistia aos torturadores no próximo dia 28 de abril, quarta-feira, às 14h. O julgamento é público e é o único processo marcado para a data. Compareçam, assistam, se manifestem. Para quem não assinou o manifesto contra a anistia aos torturadores, ainda há tempo.

Paralelamente ao julgamento e a tentativa de punir os torturadores, a OAB do Rio de Janeiro lançou a Campanha Nacional pela Memória e pela Verdade, que pede a abertura dos arquivos da ditadura. A campanha é composta por um abaixo-assinado e por vídeos gravados por atores renomados que interpretam vítimas do regime militar. Não adiantará de nada o STF decidir que a anistia não vale para os crimes de tortura se não pudermos identificar todos os torturadores e não pudermos encontrar os corpos dos desaparecidos, dando fim ao luto inacabado de suas famílias. Ajude a abrir os arquivos e a recuperar a memória dessas pessoas.

E segue em curso o manifesto de apoio ao Plano Nacional de Direitos Humanos, o PNDH-3, do governo federal, que entre 521 ações prevê a criação da Comissão da Verdade, onde os crimes cometidos pelo Estado contra os cidadãos que tinham o direito de se organizar e se defender – já que era um regime autoritário de exceção -, serão revelados, jogando luz sobre essa página ainda obscura da nossa história que, mesmo em pleno regime democrático (sic), não faz parte dos currículos escolares. Além de abrir os arquivos, enterrar os corpos dos desaparecidos e punir os torturadores, precisamos conhecer a fundo a nossa história.

*charge de Carlos Latuff
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Os links para os três manifestos estão dispostos nesse texto e na barra à esquerda desse blog. Assine, se manifeste. Não deixe que apaguem nossa memória e que a impunidade se perpetue no Brasil.
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Vannuchi espera que Supremo reveja artigo da Lei da Anistia

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Marcos Chagas
Agência Brasil
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O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, mantém sua expectativa de que o Supremo Tribunal Federal (STF) revise a decisão prevista na Lei de Anistia que permitiu o perdão de crimes “de qualquer natureza” praticados por militares no período da ditadura. Ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) impetrada no STF contesta o Artigo 1º da lei que trata desta questão.

Na sexta-feira (29), o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, apresentou seu parecer ao Supremo contrário a iniciativa da OAB. Ao chegar ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede provisória do governo, Vannuchi destacou que, apesar desse parecer, Roberto Gurgel deixou claro que o perdão aos militares não impede a apuração dos crimes políticos praticados naquele período.

O relator da matéria é o ministro Eros Grau. “É um parecer de uma altíssima autoridade da República que não pertence ao Executivo, mas mantenho minha convicção de que o Supremo vai mudar essa decisão por iniciativa do ministro Eros Grau”, afirmou Vanucchi.

Segundo ele, a comissão da verdade não é contrária à Lei da Anistia. “Na anistia não se mexe. Foi um grande acordo. O que se quer é interpretar corretamente essa Anistia.”


Nota: Enquanto isso, assine o manifesto da Associação Juízes pela Democracia pela não anistia aos torturadores.


Comissão da Verdade é ponto crucial e inegociável do PNDH III

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Charge de Carlos Latuff
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Não podemos permitir que apaguem nossa memória

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Há uma semana um grupo de blogueiros lançou uma campanha conjunta pela abertura dos arquivos secretos e pela punição aos torturadores e assassinos da ditadura militar.

Paralelo à nossa campanha, ganham corpo os ataques ao PNDH III. Entendemos que a Comissão da Verdade, o ponto mais atacado e vulnerável deste plano é a melhor possibilidade de abertura dos arquivos secretos da ditadura e incorporamos, então, a defesa do PNDH III em nossa campanha. Agora estamos partindo para uma segunda etapa, que é a defesa da Comissão da Verdade.

Enquanto aguardamos a decisão do Supremo Tribunal Federal que decidirá se a Lei da Anistia anistiou ou não os torturadores, incentivamos a assinatura no manifesto da Associação Juízes para a Democracia, que integra a petição a ser enviada aos ministros do STF.

Mas mesmo que o STF decida pela anistia aos torturadores, ignorando tratados internacionais pelos Direitos Humanos e deixando o Brasil numa situação vexatória mundialmente, queremos saber tudo o que aconteceu nos chamados porões da ditadura. Não abrimos mão de conhecer nosso passado.

É nosso dever com a História trazer esses horrores à tona para: 1. que nunca mais se repitam, 2. tirar 172 cidadãos brasileiros da condição de desaparecidos/banidos, 3. dar a 172 famílias o direito de enterrar seus mortos, 4. podermos construir uma democracia real, sem arquivos secretos e sem pontos frágeis, e 5. podermos contar a história dessas pessoas, o que aconteceu e porque elas morreram nas escolas desse país.

A História é feita por fatos, bons ou maus, tal e qual ocorreram. Estudar e entender o passado sem medo ou censura é condição fundamental para que no presente possamos construir uma nação melhor para seus cidadãos, uma pátria mais generosa com seus filhos no futuro.


Rompendo o silêncio!

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Hoje, 12 de janeiro de 2010 às 14h, um grupo de blogueiros iniciou uma campanha conjunta pela abertura dos arquivos secretos da ditadura militar e pela punição aos torturadores. Essa campanha iniciou com a publicação simultânea da entrevista (post abaixo) com as representantes da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, Suzana Lisbôa e Criméia Almeida.
A campanha é identificada nos blogs por banners com as frases “rompendo o silêncio” e “abaixo a impunidade”. No twitter a identificação é pelas tags #desarquiveJA e #JApraJAULA.
Nossa campanha é para que finalmente o Brasil abra os arquivos secretos da ditadura e dê conta dos desaparecidos políticos às suas famílias. Essas pessoas desapareceram sob a tutela do Estado brasileiro que agora tem o dever de revelar tudo que aconteceu. Depois de abertos os arquivos e identificados os torturadores e assassinos, que sejam punidos na forma da lei e exemplarmente – que o STF permita!
Precisamos passar a limpo esse passado imundo, contar a verdade sobre a ditadura militar e fazer justiça à memória dos mortos e desaparecidos, para podermos nos orgulhar de viver uma democracia real, e não essa construída sobre os cadáveres escondidos daqueles que no passado ousaram lutar por ela.

Verdade e Justiça

Desde a Lei da Anistia, os familiares dos mortos e desaparecidos políticos da ditadura militar lutam na justiça ou em qualquer instância possível para terem o direito de saber o que aconteceu com seus entes e receberem seus restos mortais para enterrar e seguir em frente. Ao conversar com as representantes da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, Suzana Lisbôa e Criméia Almeida, a impressão é de uma luta infinita, difícil e dolorosa e de escassos resultados. Coube aos familiares dos desaparecidos – com seu luto inacabado – contar, além da história dessas pessoas que morreram sob condições brutais lutando contra a ditadura, essa parte ainda desconhecida de nossa história. Até hoje, apenas quatro corpos foram encontrados dos 176 desaparecidos e os governos que sucederam os militares vêm ignorando sistematicamente todos os pedidos e determinações – Comitê de Direitos Humanos da ONU e OEA – para abrir os arquivos secretos da ditadura, e dar uma resposta concreta a essas famílias.

Qual a principal luta da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos?

Suzana Lisbôa – Nossa luta é para que o Estado brasileiro esclareça as circunstâncias das mortes dos desaparecidos políticos, onde e como morreram, entregue os restos mortais aos familiares e pela punição dos responsáveis pelas mortes e torturas durante a ditadura.
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Suzana Lisbôa

Por que, na opinião de vocês, o governo não abre os arquivos secretos da ditadura, se tem poder para isso?

Suzana Lisbôa – O governo manteve o sigilo eterno (*) quando poderia ter aberto os documentos. Foi uma opção política. Os crimes de direitos humanos não prescrevem e não podem ser mantidos sob sigilo, mas o Estado nega. O direito a informação é um direito constitucional. Nós temos o direito de saber o que aconteceu com nossos parentes e temos o direito de enterrá-los.
Criméia Almeida – O governo não abre os arquivos porque não quer. Não vejo disposição nenhuma do governo conosco e com essa causa. Existe uma preocupação em mostrar que alguma coisa está sendo feita. Mas não existe disposição em fazer de fato alguma coisa. Para se ter uma ideia: Em 2009 a União foi obrigada judicialmente a realizar buscas no Araguaia por uma ação judicial (iniciada em 2003) transitada e julgada em julho de 2007, movida pelos familiares dos mortos e desaparecidos (**). Então, o Ministério da Defesa, só em 2009, porque foi obrigado, criou o “Grupo de Trabalho Tocantins” para procurar os restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia. Até 2007, a palavra oficial do governo era que a Guerrilha do Araguaia não havia existido, para poder também negar a chacina (conhecida como “Operação Limpeza”). Então, ao criar um grupo de trabalho para procurar as ossadas das vítimas assassinadas pelo Estado lá, dá outro nome. Entende como funciona? Na coordenação deste grupo de trabalho está um general de brigada, que declarou sua defesa do golpe militar de 64, dizendo que “o exército brasileiro atendendo a um clamor popular foi às ruas contribuindo substancialmente e de maneira positiva, impedindo que o Brasil se tornasse um país comunista.”
Suzana Lisbôa – Os familiares só puderam acompanhar as buscas no Araguaia com um decreto presidencial. O ministro Jobim dizia que a nossa participação era ilegal porque éramos parte do processo. Ou seja, estavam sendo obrigados por nós a procurar os corpos e não queria que nós acompanhássemos. Inclusive, as primeiras buscas foram feitas por uma caravana essencialmente militar, sem sequer um representante da SEDH.
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Como vocês veem essa divisão do governo Lula sobre o assunto, com o ministro Tarso Genro defendendo a punição dos torturadores? (a entrevista foi feita no final de 2009, antes da polêmica entre os ministros Nelson Jobim, da Defesa e Paulo Vannuchi, de Direitos Humanos em torno no PNDH-3)

Criméia Almeida

Criméia Almeida – Para nós não faz diferença. Não vejo diferença e nem no que isso possa ajudar. Eles são todos ministros de um mesmo governo, que até agora não fez nada para avançar no esclarecimento das mortes e dos desaparecimentos. Acho que este governo como todos os outros é conivente com a ditadura ao não fazer nada de concreto. E o judiciário também é conivente.

Suzana Lisbôa – Eu acho importante que o ministro da Justiça defenda a punição dos torturadores e diga que crime de tortura não prescreve. Mas no final das contas, quando o Estado brasileiro não se posiciona contra oficialmente, não apura, não pune, se torna conivente. Ao final, o Estado é conivente com a tortura e os desaparecimentos durante a ditadura.
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Mas saem notícias da Secretaria Especial de Direitos Humanos sobre os mortos e desaparecidos…
Suzana Lisbôa – O que a SEDH fez foi ampliar o critério de abrangência da Lei das indenizações e publicou o livro com o registro da memória dos desaparecidos. Apenas isso. A parte mais importante foi feita por nós, familiares, que foi a elaboração dos processos que permitiram os pedidos de indenizações e a liberação das tais certidões de óbito. O que é outro absurdo. Porque o Estado diz aos familiares para irem ao cartório mais próximo de sua residência com a cópia da lei e pedir o “atestado de morte presumida”. Só que essa morte vai entrar para o registro e estatística daquele local onde está situado o cartório, onde mora a família do desaparecido, e não onde ele morreu. A lei diz que o ônus da prova da morte é dos familiares, assim como a procura pelos corpos. E sem os arquivos, sem esses registros, nós não temos como provar nada. Tudo que conseguimos até hoje foi sendo construído, reconstituído, através dos poucos arquivos a que tivemos acesso ao longo desses anos.
Criméia Almeida – O meu marido, André Grabois, “oficialmente” teria morrido cinco antes do nascimento de seu filho. Ele foi morto, “desapareceu”, em 73 no Araguaia e no atestado de morte presumida constaria como morto em 68. O registro do óbito deve ser feito no local da morte, como em qualquer outro caso. Mas, para “facilitar” a vida dos familiares, liberou-se o registro do óbito no cartório mais próximo. Com isso, apaga-se a história. Já não bastava o Estado ter desaparecido com a pessoa, ainda lhe nega a sua história.
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familiares em incansáveis manifestações para que os desaparecidos não sejam esquecidos

Como é ver os processos que julgam crimes das ditaduras em outros países latinos, como Uruguai, Argentina e Chile, em andamento?

Suzana Lisbôa – O Brasil é o país mais atrasado da América Latina na apuração e julgamento dos crimes ocorridos durante as ditaduras militares. O sentimento é de frustração. Nós fizemos uma tarefa que era do governo. Coube a nós, familiares, contar essa parte da história do país. O descaso do presidente da república é algo que me toca profundamente. Ainda me choca muito.
Criméia Almeida – Foi o Estado que sumiu com essas pessoas. Se depois disso, o Estado não tem poder para abrir os arquivos desses processos de desaparecimento, que venha a público dizer que não conseguiu e peça desculpas. Mas não faça de conta que está buscando informações quando não está. Se o Estado foi capaz de torturar e assassinar, que seja capaz de assumir o que fez.
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Falando nisso, o governo fez uma campanha publicitária pedindo à população informações sobre os desaparecidos, para contar a história dessas pessoas, chamada “Memórias Reveladas”. Inclusive alguns familiares participam da campanha.
Suzana Lisbôa – Nós ficamos surpresas com a campanha. Parece mesmo jogo de cena, para dizer que o governo está fazendo alguma coisa. Mas joga para a população uma responsabilidade que é sua. Quando a campanha terminar vão dizer: “olha, a população não colaborou com nenhuma informação significativa”. Ficamos surpresas mesmo foi com os familiares que aceitaram participar. A D. Elzita, mãe do Fernando Santa Cruz, contou que deu um depoimento imenso, onde fazia cobranças ao governo e reclamava da demora na liberação das informações e em procurar os corpos, e que eles editaram e deixaram só aquele trecho dela lendo uma poesia e falando que não esquecia o filho. Fiquei muito admirada do Marcelo Rubens Paiva ter aceitado aparecer numa campanha do governo sobre o assunto.
Criméia Almeida – É só para constar, para dizer que estão fazendo alguma coisa. Isso tudo deve ser por causa do prazo dado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) para que o governo abra os arquivos. O prazo já se esgotou e como o governo não fez nada, a corte criminal da OEA aceitou a denúncia entregue no dia 26 de março de 2009, e o Brasil deverá ser julgado ainda em 2010.
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Luiz Eurico Tejera Lisbôa

Suzana Lisbôa iniciou sua luta contra a ditadura no Julinho (Colégio Júlio de Castilhos – Porto Alegre/RS) e integrou a Ação Libertadora Nacional. Seu marido, Luiz Eurico Tejera Lisbôa, militante da ALN, PCB e VAL-Palmares, foi torturado e assassinado em 1972. A ossada de Luiz Eurico foi encontrada na vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, distrito de Perus (***), São Paulo. Suzana presidiu a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos..

André Grabois

Criméia Almeida cresceu numa família de militantes comunistas em Minas Gerais. Ex-guerrilheira no Araguaia e ex-militante do PCdoB, foi casada com André Grabois, também militante do PCdoB, desaparecido no Araguaia em 1973. Criméia foi presa e torturada grávida. Seu filho João Carlos, nasceu na prisão e conhece o pai apenas pela foto 3×4 dos arquivos do DOPS. André Grabois permanece como desaparecido.

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(*) Um documento, arquivo sigiloso é “classificado” na origem. Os que receberam o carimbo de “ultra secreto” podem permanecer sem acesso público para sempre, conforme a norma legal. O “sigilo eterno” foi introduzido por decreto em 2002, pelo então presidente FHC – considerado inconstitucional. Lula, apesar dos apelos, o manteve em 2003.
(**) A sentença da Justiça Federal determinou a quebra do sigilo das informações militares sobre todas as operações de combate aos guerrilheiros no Araguaia e que a União informasse onde estão sepultados os mortos no episódio. Para realizar as buscas, a União teve um prazo de 120 dias, já esgotados.
(***) A vala clandestina de Perus foi localizada no dia 4 de Setembro de 1990, com 1049 ossadas encontradas em sacos plásticos, todos sem qualquer identificação. A investigação e identificação se deram por determinação da prefeita de São Paulo na época, Luísa Erundina...
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Neste momento, o Brasil está mergulhado na discussão sobre o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH III – decreto assinado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva em dezembro passado, que prevê a criação (através de um projeto de lei ainda a ser encaminhado ao Congresso Nacional) da Comissão da Verdade, destinada a investigar os crimes cometidos pelo Estado durante a repressão aos opositores da ditadura militar.
O PNDH III é o resultado de um longo e democrático processo de discussão – que incluiu a realização de diversas conferências ouvindo toda a sociedade e entidades representativas do setor – e negociação com todos os setores do governo. Os militares, liderados pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, descontentes com o acordo firmado por eles mesmos, criaram e vazaram uma crise governamental para tentar impedir a abertura dos arquivos secretos da ditadura, e uma possível punição aos torturadores – possibilidade que ainda dependerá de uma decisão do STF sobre o tema, caso os crimes de tortura venham a ser inventariados.

A Comissão da Verdade, revanchismo e a punição aos torturadores

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Sabem aquela frase do filósofo famoso aquele… Como é mesmo o nome?… Bem, não interessa o nome de quem disse, mas o que disse: “Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”. Concordo em gênero, número e “degrau”! Pode parecer que estou brincando, mas é só uma forma leve de iniciar um assunto muito pesado.

Neste final de semana foi possível observar qual é, de fato, o “problema” do terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos tão combatido e criticado pela direita e seus tentáculos na mídia. O problema é a já famosa Comissão da Verdade, prevista para investigar casos de tortura e desaparecimentos durante a ditadura. O objetivo dos ataques e críticas? Defender os torturadores.

Essa comissão, que pretende jogar luz sobre o momento mais obscuro da história brasileira precisa ser evitada de qualquer maneira por quem tem ‘culpa no cartório’. Revelar quem foram os torturadores e tudo o que foram capazes de fazer pode ser mais punitivo do que a discussão no STF sobre a possibilidade de punição criminal.

A partir da anistia em 1979 – mas mais precisamente a partir de 1985 com a abertura política -, esses monstros voltaram para suas vidas normais e passaram a conviver em sociedade normalmente com aqueles a quem torturaram e com as famílias daqueles a quem mataram e desapareceram. Hoje posam de cidadãos honestos, pais de família honrados e horrorizados com a violência dos grandes centros urbanos, cumpridores da lei e de seus deveres, e pasmem, defensores da democracia.

Eles engrossam o caldo daqueles que, neste momento, se tornaram os paladinos da democracia e da liberdade de expressão diante do “golpe branco comunista do PT, que quer calar a imprensa e extinguir a propriedade privada”. Se não fosse trágico, seria cômico. Primeiro porque o PT jamais foi comunista e o Lula, todos estão podendo ver no filme que conta a sua vida que, também não é nem nunca quis ser. Segundo, porque um governo com quase 80% de aprovação não precisa de golpe algum (“vamo combiná!”)

Quero a Comissão da Verdade. Quero saber quem são os torturadores e a lista completa de nomes e crimes. Isso não é revanchismo, é afirmar a democracia sob bases sólidas. Não adianta continuar escondendo essa sujeira embaixo do tapete.

Para aqueles que dizem que se é para rever a Lei da Anistia, que seja revista pra todos, referindo-se ao que chamam de “crimes da esquerda”, é bom lembrar que os mortos, torturados, desaparecidos e exilados foram classificados como “terroristas” pela ditadura, não que o fossem. E esses terríveis subversivos já tiveram seus rostos estampados país afora, já foram caçados e punidos o suficiente (e INJUSTAMENTE!), e todo o país conhece a lista dos malfeitores que pegaram em armas contra a ditadura. Essa história não tem dois lados como alguns gostam de polemizar. Não houve confronto, houve massacre.

charge de Luiz G. em 29 de julho de 1979

A Lei da Anistia pode e deve ser revista, sim. Ela é o resultado possível, o único acordo que os militares e torturadores aceitaram depois de terem assegurada sua impunidade. Ou seja, os torturadores se auto anistiaram. Querem comparar os crimes cometidos pelo Estado com as ações dos grupos que se opuseram à ditadura? Será de novo um massacre e de novo os militares ganharão. Só que a vitória dessa vez terá gosto de derrota.

Temos direito à memória, à verdade e à justiça. É esse direito que a Comissão da Verdade prevista no PNDH-3 quer garantir, e que, assim como a Lei da Anistia, foi amplamente negociado com todos os setores do governo, incluindo o Ministério da Defesa, do Sr. Nelson Jobim. Se tem alguém querendo dar um golpe nesse caso, é ele juntamente com os militares torturadores que querem continuar nas sombras e impunes.

Pior do que matar e torturar em nome do Estado, é defender torturadores e assassinos em nome da democracia.

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Leia mais sobre o assunto:

Por uma Comissão da Mentira! por Marco Weissheimer, no RS Urgente


Carta do cineasta Silvio Tendler ao ministro Nelson Jobim

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O cineasta Silvio Tendler enviou carta ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, defendendo que os envolvidos em crimes de tortura em nome do Estado Brasileiro devem ser julgados e punidos por seus atos. Tendler critica a posição do ministro, contrária à punição aos torturadores. “Este gesto, na prática, resulta em dar proteção a bandidos que desonraram a farda que vestiam ao torturar, estuprar, roubar, enriquecer ilicitamente sempre agindo em nome das instituições que juraram defender. É incompreensível que o nosso futuro democrático seja posto em risco para acobertar crimes praticados por bandidos”, escreve o cineasta.
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Silvio Tendler
(no Carta Maior)
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Ao Ministro da Defesa
Exmo. Dr. Nelson Jobim
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cineasta Silvio Tendler

Invado sua caixa de mensagem pedindo atenção para um tema que trata do futuro, não do passado. O Sr. me conhece pessoalmente e lembra-se de que quando fui Secretário de Cultura de Brasília, no ano de 1996, o Sr. era Ministro da Justiça e instituiu e deu no Festival de Cinema Brasília um prêmio para o filme que melhor abordasse a questão dos Direitos Humanos. Era uma preocupação comum a nossa.

Por que me dirijo agora ao senhor? Um punhado de cidadãos -̶ hoje somos mais de dez mil -̶ assinamos um manifesto afirmando que os envolvidos em crimes de tortura em nome do Estado Brasileiro devem ser julgados e punidos por seus atos, contrários aos mais elementares sentimentos da nacionalidade. Agimos em nome da intransigente defesa dos direitos humanos. O Sr., Ministro da Defesa, homem comprometido com a ordem democrática, eminente advogado constitucionalista, um dos redatores e subscritores da Constituição de 1988, hoje em ação concertada com os comandantes das forças armadas, condena a iniciativa de punir torturadores pelos crimes que cometeram.

Este gesto, na prática, resulta em dar proteção a bandidos que desonraram a farda que vestiam ao torturar, estuprar, roubar, enriquecer ilicitamente sempre agindo em nome das instituições que juraram defender. É incompreensível que o nosso futuro democrático seja posto em risco para acobertar crimes praticados por bandidos o que reforça a sensação de impunidade. Ao contrário do que afirmam os defensores da impunidade dos torturadores. O que está em juízo não é o julgamento das forças armadas, como afirmam os que as querem arrastar para o lodo moral que mergulharam. Agora pretendem proteger sua impunidade, camuflados corporativamente em nome da honra da instituição.

Um pouco de história não faz mal a ninguém. Não está em questão que para consumar o golpe de 64, os chefes militares de então tiveram que expurgar das forças armadas milhares de homens entre oficiais, sub-oficiais e praças cujo único crime foi defender o regime constitucional do país. Afastaram da vida política brasileira expressivas lideranças, cassando direitos políticos e mandatos parlamentares ou sindicais. Empurraram milhares de cidadãos, na imensa maioria jovens, para a ação clandestina que desembocou na luta armada.

Continue lendo…


A longa despedida da ditadura

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Leandro Fortes
Brasília, eu vi

No flagrante, Brilhante Ustra, símbolo de uma época que implora para deixar de existir

Ainda não surgiu, infelizmente, um ministro da Defesa capaz de tomar para si a única e urgente responsabilidade do titular da pasta sobre as forças armadas brasileiras: desconectar uma dúzia de gerações de militares, sobretudo as mais novas, da história da ditadura militar brasileira. A omissão de sucessivos governos civis, de José Sarney a Luiz Inácio Lula da Silva, em relação à formação dos militares brasileiros tem garantido a perpetuação, quase intacta, da doutrina de segurança nacional dentro dos quartéis nacionais, de forma que é possível notar uma triste sintonia de discurso – anticomunista, reacionário e conservador – do tenente ao general, obrigados, sabe-se lá por que, a defender o indefensável. Trata-se de uma lógica histórica perversa que se alimenta de factóides e interpretações de má fé, como essa de que, ao instituir uma Comissão Nacional da Verdade, o governo pretende rever a Lei de Anistia, de 1979.

Essa Lei de Anistia, sobre a qual derramam lágrimas de sangue as viúvas da ditadura em rituais de loucura no Clube Militar do Rio de Janeiro, não serviu para pacificar o país, mas para enquadrá-lo em uma nova ordem política ditada pelos mesmos tutores que criaram a ditadura, os Estados Unidos. A sucessão de desastres sociais e econômicos, o desrespeito sistemático aos Direitos Humanos e a distensão política da Guerra Fria obrigaram os regimes de força da América Latina a ditarem, de forma unilateral, uma saída honrosa de modo a preservar instituições e pessoas envolvidas na selvageria que se seguiu aos golpes das décadas de 1960 e 1970. Não foi diferente no Brasil.

Uma coisa, no entanto, é salvaguardar as Forças Armadas e estabelecer um expediente de perdão mútuo para as forças políticas colocadas em campos antagônicos, outra é proteger torturadores. Essas bestas-feras que trucidaram seres humanos nos porões, alheios, inclusive, às leis da ditadura, não podem ficar impunes. Não podem ser tratados como heróis dentro dos quartéis e escolas militares e, principalmente, não podem servir de exemplo para jovens oficiais e sargentos das Forças Armadas. Comparar esses animais sádicos aos militantes da esquerda armada é uma maneira descabida e sórdida de manipular os fatos em prol de uma camarilha, à beira da senilidade, que ainda acredita ter vencido uma guerra em 1964.

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Nota minha:

O artigo de Leandro Fortes e os demais linkados abaixo são sobre a polêmica em torno da tal Comissão da Verdade prevista no Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3) lançado no dia 21 de dezembro no Palácio do Itamaraty. A tal solenidade onde a ministra Dilma Roussef apareceu pela primeira vez sem peruca – desde que começou seu tratamento contra um câncer – e onde uma colega sua de luta clandestina, Inês Etienne Romeu, presa em maio de 1971, torturada pelo delegado Fleury e condenada a prisão perpétua – cumprida até 1979 – foi homenageada. Tudo muito simbólico e poderia mesmo significar a disposição do governo em rever os crimes de tortura praticados pelo Estado durante a ditadura. Poderia, não fosse essa nova pressão dos ministros militares no apagar das luzes de 2009 e que já fez o presidente Lula recuar e dizer que assinou sem saber o que estava assinando.
Ainda não escrevi a respeito dessa “crise”, fabricada no momento em que acendia uma luzinha fraca, frágil no final do obscuro túnel que poderia nos levar de encontro à nossa história real. Mas estou lendo os textos que surgem, avaliando melhor e logo devo escrever um artigo sobre o tema. Por enquanto publico ou indico os artigos interessantes que encontrei sobre o assunto.
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Outros artigos a respeito da crise sobre a Comissão da Verdade, do PNDH-3:
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Por trás da coincidência, por Janio de Freitas na Folha de São Paulo (via blog do Azenha)

Uma crise fabricada – 1, por Urariano Mota no Luis Nassif Online

Vannuchi: Comissão da Verdade não é contra as Forças Armadas, no Uol Notícias

Tarso Genro fala da polêmica Comissão da Verdade, entrevista ao Jornal do Brasil

Carta aberta de Alípio Freire a Paulo Vannuchi, na Agência Carta Maior

Ratifican la Comisión por la Verdad, no Página 12 (Argentina, 03/01)

Aversão à memória, oportunismo e covardia, por Marco Weissheimer no RS Urgente (03/01)

Notícia anterior:

Ditadura: MPF move ação civil contra Tuma, Maluf e legista por ocultação de cadáver, no site da PMF de São Paulo


Entidades lançam campanha contra anistia a torturadores

Assine, apóie, divulgue!

clique na imagem para assinar o manifesto no site da AJD

Maria Frô

Nos próximos meses, o Supremo Tribunal Federal (STF) irá julgar um processo decisivo para o futuro democrático do Brasil. Trata-se da ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 153, proposta em outubro de 2008 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que reivindica que o Supremo interprete que a Lei de Anistia não se aplica aos crimes comuns praticados pelos agentes da ditadura civil militar (1964-1985). O processo aguarda o parecer do Procurador Geral da República, e, em seguida, o ministro relator, Eros Grau, poderá colocar em pauta de julgamento.

Com o objetivo de impedir que os agentes da repressão sejam anistiados, um grupo de defensores de direitos humanos e entidades da sociedade civil criou o “Comitê contra a Anistia aos Torturadores”.

Tortura, assassinato e desaparecimento forçado são crimes de lesa-humanidade, portanto não podem ser objeto de anistia ou auto-anistia. Estudos  indicam que a impunidade dos crimes de ontem favorece a continuidade da violência atual dos agentes do Estado, que continuam praticando tortura e execuções extrajudiciais contra a população pobre.

A primeira iniciativa do comitê é o lançamento de um manifesto on-line, que já conta com o apoio de intelectuais, artistas, juristas, parlamentares e defensores de direitos humanos. Entres os que subscrevem a petição estão Antonio Candido, Chico Buarque, José Celso Martinez  Correa, Fábio Konder Comparato, Aloysio Nunes Ferreira, Frei Betto, Marilena Chauí, Michael Löwy, Marcelo Yuca, João Pedro Stedile e Sérgio Mamberti.

Para assinar o manifesto, clique aqui.