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Sobre a indiferença e o escárnio

Escrevo e falo sempre que posso sobre o meu estranhamento à “democracia” brasileira. Tanto que só consigo escrever a palavra me referindo ao Brasil assim, entre aspas. E o estranhamento está em perceber o quanto o Estado brasileiro permanece repressivo e tolhedor de direitos. Sei que é apenas para alguns, mas na ditadura militar e em outras antes também o era. Numa conversa com amigxs queridxs das minhas redes sociais (ou plataformas digitais), falávamos dos sinais que evidenciam que estamos cada dia mais distante da democracia porque os direitos e a liberdade de alguns foram suprimidos, e o quanto é difícil falar a respeito disso com quem se sente distante (talvez acima) e diferente desses. Essa conversa me fez lembrar do início de um poema do Brecht, Intertexto:

“Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário.
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei.
Agora estão me levando.
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.”

Antes dele, a mesma concepção, a indiferença diante da escalada do autoritarismo, estava no “E Não Sobrou Ninguém” de Vladimir Maiakovski, que originou o poema “No caminho, com Maiakovski” de Eduardo Alves da Costa. Alves da Costa, niteroiense, escreveu seu poema no final da década de 60, no período mais duro e sombrio da ditadura militar e por isso voltou como um ato de resistência na campanha “Diretas Já” em 84, quando um trecho (atribuído à Maiakovski) foi amplamente difundido em camisetas e panfletos:

“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”

Foi o poema de Maiakovski que também originou o sermão do pastor luterano Martin Niemöller na Alemanha nazista:

“Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse”

E depois desses surgiram várias versões e corruptelas.

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Daí que a conversa de ontem sobre a indiferença diante da escalada do autoritarismo, inspirou o amigo Paulo Candido a escrever uma versão atualizada do poema do Maiakovski e do Brecht tudo-junto-misturado, que é razão desse post e vai além da indiferença e trata também do escárnio que nasce de tanta indiferença. Confiram:

indiferença

Primeiro eles jogaram o Rafael no presídio e esquecerem ele lá.
Eu não me importei, 
porque que porra um morador de rua estava fazendo com desinfetante, eles não gostam de chafurdar na sujeira??

Depois eles mataram o Amarildo e sumiram com o corpo.
Eu estava pouco ligando, 
porque afinal, se você mora na favela devia saber que não é para mexer com a polícia.

Daí eles puseram o japonês e o cara de saia na cadeia com flagrante falso e provas forjadas.
Eu não estava nem aí,
porque, cara, homem de saia de saia é tudo viado 
e japonês baderneiro nem devia ter, né? Só no Brasil mesmo.

Aí eles prenderam ilegalmente a tal Sininho, um monte de professores, uns moleques adolescentes.
Eu nem quis saber,
Bando de black blocs, tem que arder no inferno.

Então eles acabaram com essa coisa de manifestação, cercaram os vagabundos e desceram porrada.
Eu aplaudi de pé,
Cansei dessa gente atrapalhando o trânsito e quebrando vitrine quando eu quero voltar para casa.

Outro dia disseram que eu não podia mais que votar.
Eu fiquei feliz da vida,
Já aluguei a casa na praia para o feriadão, mas nem sei se ainda é feriado, preciso ver isso aí.

De vez em quando eles pegam um vizinho ou um colega de trabalho e eles não voltam mais.
Eu acho massa, 
menos barulho no prédio e menos concorrência na firma.

Outro dia levaram meu filho mais velho, estava na rua depois das nove.
O idiota tinha sido avisado, e é uma a boca a menos para alimentar, 
vamos poder ir para a Europa no fim do ano.

Minha mulher disse que tem uns caras na porta perguntando por mim.
Troquei de roupa e disse para ela seguir a vida,
Afinal, alguma coisa eu devo ter feito e é tudo pelo bem do Brasil.

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O escárnio e a tortura que nunca acaba

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O Brasil foi o primeiro país da América Latina a sofrer um golpe militar nas décadas de 60 e 70 e daqui eles se espalharam, principalmente pelo cone sul. Esse processo foi gestado pelos Estados Unidos que viu a partir da Revolução Cubana o “perigo” do comunismo chegando muito perto do “seu quintal”. Junto com os golpes se espraiaram os métodos de tortura e a prática abominável do desaparecimento político entre os países do cone sul. A isso chamou-se Operação Condor.

O desaparecimento político, forçado, era prática usual nas ditaduras latino-americanas — Enrique Serra Padrós explica minuciosamente como isso ocorria no artigo “A política de desaparecimento como modalidade repressiva das ditaduras de segurança nacional” — como forma de eliminar os opositores de esquerda e varrer da face da Terra os perigosos subversivos que ameaçavam a dominação estadunidense nas Américas:

“A morte genérica, diluída e cheia de imprecisões desumaniza a experiência de viver e a falta de resposta, caso a caso, torna a incerteza uma ferida permanentemente exposta. A privação da morte impacta a memória, e a suspensão indefinida do luto age sobre o esquecimento e o anestesiamento individual e coletivo resultantes.
Findadas as ditaduras de Segurança Nacional, a persistência de desaparecidos e a falta de esclarecimentos ou elucidamento das situações que os geraram levou à presunção de que os mesmos haviam sido alvos de execuções extrajudiciais. Aliás, fatos já denunciados durante a vigência das próprias ditaduras e confirmados, posteriormente, pelos testemunhos colhidos pelas diversas Comissões da Verdade e da Justiça e pelos diversos relatórios “Nunca Mais”. Em função disso, os desaparecimentos passaram a ser percebidos como homicídios ilegítimos e deliberados, perpetrados sob as ordens de um governo ou com a sua cumplicidade ou consentimento. Quer dizer, foram execuções extrajudiciais e não acidentes recorrentes de excessos ou obra de soldados ou policiais que agiram isoladamente. Foram fatos previstos ou absorvidos dentro de uma rede de comando cujasdecisões e ordens emanaram de esferas governamentais.”  — trecho do artigo de Padrós.

As vítimas dessa prática cruel e abominável, quase que exclusivamente usada contra a esquerda e os “comunistas”, estão sendo justiçadas em todos os países do cone sul, menos no Brasil que sequer reviu sua lei da anistia ou abriu os arquivos do período da ditadura militar. A tal da Comissão da Verdade, que está para ser votada no Senado Federal (último trâmite no parlamento antes de ser sansionada e entrar em vigor), não passa de uma farsa. Não bastasse a total falta de compromisso desse governo em fazer justiça aos mortos e desaparecidos, volta e meia eles são usados para passar a ideia de que sua memória não será esquecida ou que são respeitados.

detalhe da capa do livro Segredo de Estado -- O desaparecimento de Rubens Paiva, de Jason Tércio

A bola da vez é o ex-deputado Rubens Paiva, que foi cassado, torturado, assassinado e desaparecido pelo Estado brasileiro há 40 anos, e agora dará nome ao corredor de acesso da Câmara e ainda ganhará um busto. Busto? É isso que o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), autor do projeto de resolução 85/11, chama de homenagem ou respeito à memória? Detalhe sórdido: Erraram até o nome de Rubens Paiva. Na matéria do portal da Câmara e no site da liderança do PT está grafado como “Rubem”. Ou seja, sequer devem ter lido algum documento de Rubens Paiva e nem mesmo o blog do jornalista Marcelo Rubens Paiva (filho) no Estadão.

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Nenhum busto preencherá o vazio de não se saber em que condições o deputado Rubens Paiva foi assassinado e a ausência de seus restos mortais para que sua família finalmente encerre seu luto e ponha fim a essa tortura continuada. E isso vale para todos os mortos e desaparecidos da ditadura militar. Não tem nome de rua, de escola, não tem placa que ponha fim à dor das famílias desses cidadãos e cidadãs que desapareceram sob a tutela do Estado brasileiro.

“Na última conversa que tive com meu pai (Joaquim Pires Cerveira, um desaparecido político da Operação Condor) logo depois da primeira tentativa de golpe no Chile, quando ele decidiu me tirar do país, sabíamos que era a última conversa, devido a natureza do processo histórico que apontava para uma derrota. Ele me disse então: “Minha filha essa batalha está perdida (lutou até o último instante de sua vida). Então, não deixe nunca que eu vire nome de rua ou receba homenagens. O que espero é que a luta pela libertação dos povos continue até a batalha definitiva, que com certeza trará a vitória!”. Tentei respeitar a vontade do meu pai. Nunca compareci a nenhuma inauguração de rua com seu nome, nem sequer a entrega da Medalha Chico Mendes de resistência eu fui. Eles, os revolucionários, não queriam homenagens, queriam que continuássemos lutando, batalha por batalha, até a vitória. Eu continuo na luta, até a última batalha.” — depoimento de Neusah Cerveira, ontem à noite.

A vontade do PT é tanta em “homenagear” os desaparecidos que no dia 28 de setembro se uniu a Jair Bolsonaro para derrubar o projeto da deputada Luiza Erundina que previa a revisão da lei da anistia e alguns dias antes ajudaram a derrubar todas as emendas propostas pelos familiares dos mortos e desaparecidos quando da aprovação da Comissão da Verdade.

Todo esse escárnio de que ainda são vítimas os mortos e desaparecidos e seus familiares só é possível pelo silêncio cúmplice da sociedade brasileira. Já passou da hora de revermos nosso passado e do Estado brasileiro fazer a sua parte abrindo os arquivos secretos, iniciando o processo de investigação das condições das mortes e desaparecimentos, julgando e punindo os responsáveis e, por fim, um pedido de desculpas oficial do Estado brasileiro à nação por todas as atrocidades e violações de direitos humanos cometidas. A única exigência é justiça.

Há um movimento se articulando para de forma organizada exigir tudo isso. Junte-se a nós no “CUMPRA-SE!

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A farsa da Comissão da Verdade

Texto publicado no Jornalismo B Impresso

Desde que o terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos foi apresentando pelo governo federal no final de 2009 (ainda no governo Lula) muita coisa mudou. O Supremo Tribunal Federal, indo na contramação dos países do cone sul, não só confirmou a Lei da Anistia como a estendeu aos torturadores. Os governos FHC, Lula e Dilma mantiveram o sigilo eterno dos documentos da ditadura e oprojeto de lei de acesso a informações públicas (PLC 41/2010) — artimanha da presidenta Dilma Rousseff de “jogar a bola para a arquibancada quando poderia ter decidido a jogada” — tramita agora no Senado Federal e enfrenta a resistência de senadores como Fernando Collor (relator do projeto) e José Sarney. O texto da Comissão da Verdade, previsto no corpo do III PNDH foi sendo mutilado até chegarmos à “Comissão da Verdade possível”, essa farsa que vimos ser aprovada na Câmara dos Deputados na noite do de 21 de setembro em regime de urgência.

Uma coisa era termos uma comissão apurando as violações dos direitos humanos para fins históricos, para conhecimento dessas páginas ainda nebulosas da nossa história, outra é o que será feito com essas informações. Afirmava o jornalista Marcos Rolim em artigo de 06/01/2010:

Uma “Comissão de Verdade” para investigar e reconstruir episódios de violação durante o período ditatorial é uma iniciativa elementar, óbvia até, que deveria ter sido tomada há muitos anos. Ela se situa acima de qualquer ideologia e deve implicar no levantamento de todas as violações cometidas, não importa por quem, nem em nome de que. Como uma das pessoas que auxiliou a redigir o Programa, afirmo que ela não tem a ver com punição, tem a ver com a história do Brasil e com a chance de afirmar a dignidade ali onde, até agora, só existe dor e humilhação. As vozes que se erguem contra esta iniciativa não são apenas as vozes de um passado tenebroso que, infelizmente, sequer é passado. São as vozes de um país que oscila entre a civilização e a barbárie, entre o direito e o privilégio, entre o respeito e o preconceito, entre a ordem democrática e a ordem das baionetas….e que prefere, sobretudo, a mentira.

Mas antes de pensarmos em apurar fatos, conhecer a história, as forças reacionárias do país garantiram a perpetuação do silêncio e da impunidade das violações dos direitos humanos praticadas pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar. Entenda como funcionará a Comissão Nacional da Verdade e perceba o quanto ela será ineficaz e inócua. Aprovada às pressas, e não por acaso, durante a participação da presidenta Dilma Rousseff na assembléia geral da Organização das Nações Unidas em Nova Iorque, servirá apenas para aliviar a pressão internacional sobre o Brasil por ser o ÚNICO país do cone sul que não fez nada sobre sua ditadura. (Enquanto isso, a Argentina condena à prisão perpétua até ex-presidente)

Poucos dias antes da aprovação da CV, Cecília Coimbra do Grupo Tortura Nunca Mais já dizia em entrevista à Rede Brasil Atual: “é preferível que não haja nenhuma comissão do que essa. Da forma como está, vai ser uma mise en scène do governo federal diante de todas as pressões internacionais por investigação. O que estão  propondo é uma brincadeira, não é uma comissão.” — Veja aqui matéria sobre o posicionamento dos familiares dos Mortos e Desaparecidos sobre a Comissão da Verdade e o manifesto entregue a todos os deputados antes da votação.

Não fosse tudo isso suficiente para transformá-la em farsa, a Comissão da Verdade aprovada será composta por sete membros, indicados pela Presidência da República (por emenda do DEM, nenhum dos sete membros poderá ter filiação partidária ou ocupar cargo de confiança no governo), cada um receberá um salário mensal de R$ 11 mil e terão apenas dois anos para analisar um período de 42 anos (1946 a 1988) sem previsão orçamentária para sua atuação. Veja mais detalhes na reportagem de André Barrocal na Carta Maior. Apesar da emenda do PPS para que todo o material produzido pela Comissão da Verdade seja enviado ao Arquivo Nacional e fique disponível ao público (o que não garante que será público de fato, vide o caso dos documentos sobre Vladimir Herzog), as emendas do PSOL e da deputada Luiza Erundina (eles apresentaram e defenderam as emendas propostas pelos familiares dos mortos e desaparecidos), entre elas a que previa acesso irrestrito aos arquivos, sem a manutenção de sigilos e que toda a atuação da Comissão fosse pública, não passaram.

Não nos iludamos. Mesmo que essa comissão de meia verdade seja muito atuante e supere todos os impedimentos muito bem calculados pelas forças reacionárias do país, não faremos justiça nem iremos jogar luz alguma sobre os porões da ditadura. Eles permanecerão escuros, intactos e esquecidos. Os torturadores podem continuar dormindo tranquilos e em paz e o Estado brasileiro (através dos três poderes) estende e perpetua a dor, luto e humilhação dos familiares dos mortos e desaparecidos. A tortura continua e o Brasil continua vivendo um arremedo de democracia, sem garantia e respeito aos Direitos Humanos.

Parabéns a todos os envolvidos!

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Leia entrevista com a cientista política do departamento de Ciências Políticas da Universidade de Minnesota Kathryn Sikkink, que afirma que julgamentos e punição de torturadores auxiliam na construção do Estado de Direito. Segundo ela, julgamentos também simbolizam valores de uma sociedade democrática, e a tortura, enquanto crime contra a humanidade, não prescreve. Durante a entrevista ela dá exemplos sobre como outros países do mundo superaram suas ditaduras e reviram leis de anistia.

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Que venha a Comissão Nacional da Verdade!

Já escrevi muito aqui no Pimenta sobre a necessidade da abertura dos arquivos da ditadura para que, conhecedores de nossa história real, concreta, possamos construir uma democracia sólida, sem o risco sempre presente da violação dos direitos humanos pelo Estado — a herança mais perversa do regime militar. Já me manifestei, esperneei, indignei sobre a decisão do STF em não rever a Lei da Anistia e estendê-la aos torturadores e nos tirar a possibilidade da justiça sobre os crimes cometidos durante a ditadura militar.

Confesso que não me agrada o viés dessa Comissão Nacional da Verdade e acho que ela não cumprirá o papel de jogar luz nos porões da ditadura, já que alguns arquivos continuarão secretos ad eternum. Como muito bem salientou Marcelo Semer em sua coluna hoje no Terra Magazine, “Comissão da Verdade encerra ciclo da redemocratização“:

Ainda que se disponha a “promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres”, não tem nem terá competência para julgá-los.

Mas depois de ver o STF estender anistia aos torturadores e a presidenta Dilma Rousseff, com poderes para determinar a abertura imediata dos arquivos secretos da ditadura, jogando a bola para o Congresso Nacional, repleto de apoiadores e beneficiários do regime militar, o que nos resta?

Respirar fundo, lamentar que quase todos os países da América Latina que “superaram suas ditaduras, revogaram leis de anistias ou atualizaram suas jurisprudências de acordo com as normas internacionais, para julgar crimes de lesa humanidade cometidos no período” (Semer) e que o Brasil não fará isso — e digo isso com muita raiva e tristeza — e apoiar a criação da Comissão Nacional da Verdade. Afinal, como diz Suzana Lisbôa, da Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos, “a única luta que se perde é a que se abandona“.

Artistas e intelectuais lançaram um manifesto em defesa da Comissão da Verdade —  encabeçados por Leonardo Boff, Emir Sader, Marilena Chauí e Fernando Morais —  e estão colhendo apoios e assinaturas. Várias entidades e personalidades defensoras dos Direitos Humanos acompanharão neste 21 de setembro, a ministra Maria do Rosário na entrega simbólica do Projeto de Lei 7.376/2010 que cria a Comissão Nacional da Verdade no Congresso Nacional, às 16h. Estarei atenta acompanhando, pois há a possibilidade de ser votada ainda hoje.

É o que temos pra hoje. Então, que venha a Comissão Nacional da Verdade e o futuro!

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Participando do tuitaço pela aprovação da #ComissãoDaVerdade.

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#Eblog, muito mais que virtual: Anticapitalista e libertário

Este manifesto foi construído coletiva e solidariamente pelos blogueiros e ativistas que o assinam.

Quem somos

O #Eblog é um grupo de blogueir@s de esquerda, unidos ao redor das bandeiras anticapitalista, antirracismo, antihomofobia, antimachismo, feminista, ecossocialista, em defesa dos povos indígenas e quilombolas, sobretudo pelas lutas cotidianas das trabalhadoras e dos trabalhadores pela emancipação de sua classe internacionalmente, que defende uma concepção material de democracia socialista, revolucionária, de baixo para cima e feita e vivida e instaurada cotidianamente pelos de baixo, isto é, que não se restrinja à democracia capitalista liberal e sua liberdade formal e seus direitos abstratos.

Progressismo ou anticapitalismo?

O #Eblog não se propõe ser uma associação orgânica de “blogueir@s de oposição ao governo” (embora conosco possam atuar opositores/as de esquerda ao atual governo), ou uma associação jornalística extraoficial, mas um agrupamento de lutadores e lutadoras que, reunid@s numa frente de lutas comuns, pretende ocupar e resistir no caminho abandonado por forças outrora de esquerda.

A atual guinada liberal-conservadora do Governo Dilma, sob o argumento da “correlação de forças”, está acometendo parte da blogosfera que se coloca no campo de esquerda, e que, recentemente, assumiu para si o adjetivo “progressista”. Não negamos o fato de que a política também se faz no jogo de forças entre as classes sociais, na chamada “correlação de forças”, mas é preciso reconhecer o momento em que essa expressão se torna um argumento universal para se responder a qualquer questionamento e se esquivar de todas as críticas políticas. É preciso construir projetos políticos capazes de ir além da consolidação de burocracias e aparelhos, que acabam ficando pra trás do movimento das forças sociais vivas de resistência e luta em geral.

Propomos, pois, lutar por alternativas a essas práticas políticas, colocando-nos sempre à disposição de ações de luta unificadas em favor de bandeiras políticas emancipatórias em comum que vão para além da defesa deste ou daquele governo, este ou aquele partido, e sim de emancipações inadiáveis e urgentes.

Pontes e limites

Não abrimos mão da impaciência e do combate a atual conciliação/colaboração de classes da qual é cúmplice e conivente uma maioria dos que se dizem progressistas, que, por sua vez, instauram o silêncio sobre questões essenciais em nome de um pragmatismo que já perdeu toda razão de ser. Sem perder o senso prático, questionamos: qual a correlação de forças que justifica o ataque à reputação d@s blogueir@s que se propõem defender as causas emancipatórias de esquerda, às quais os “progressistas” sistematicamente e sintomaticamente se omitem e se calam, desviando o assunto e por vezes desqualificando debatedores/as?

As pontes tem limites, não aguentam todas as intempéries e hoje estão em obras, sem data para terminar e com orçamentos sigilosos. O macartismo, o senso de ombudsman em defesa do Governo Dilma ou de Lula não é à toa, não é pessoal, não é só dos “blogueiros progressistas”: é comum em qualquer discussão com a maioria d@s apoiadores/as do atual governo. Infelizmente, isso não ocorre de modo isolado, pois tornou-se tática constante.

A coordenação dos autoproclamados “blogueiros progressistas” vem praticando um jornalismo tão vertical que até a forma de reagir às críticas tem seguido um corporativismo que remete às práticas da grande imprensa oligárquica. Telefonam uns para os outros e vão coordenando ataques de descrédito: deslegitimar a fonte, desviar a questão política para verdade/mentira, estabelecer o “fato” e a “verdade” como resultado de uma técnica específica, de certo efeito de discurso jornalístico. A campanha empreendida por alguns líderes do BlogProg contra  Idelber Avelar, logo após o processo eleitoral de 2010, foi sintomática e exemplar nesse sentido, acabando por reproduzir o típico denuncismo da mídia oligarca sobre o “mensalão” – que, aliás, os mesmos “progressistas” criticam! A reação corporativista dos jornalistas do BlogProg às críticas políticas parece-nos entrar no mesmo modus operandi da grande imprensa – que dizem  combater, chamando-os de “Partido da imprensa Golpista – PIG” em função de constantes ataques, fruto do ódio de classe elitista, contra Lula e o Partido dos Trabalhadores, ou seja, agindo como verdadeiro “Partido da Imprensa Favorável – PIF”.

Dentre muit@s que participam dos Encontros dos Blogueiros Progressistas na esperança de construir uma alternativa, sabemos que nem tod@s adotam este posicionamento, mas entendemos também que acabam, de um modo ou outro, alinhad@s e/ou coniventes com as orientações políticas hegemônicas de sua direção. Para alguns destes “blogueiros progressistas” as dissidências e/ou a oposição de esquerda frente a linha política hegemônica (simpática ao atual governo) são tratadas como “esquerda que a direita gosta”, “psolismo”, “jogo da direita” ou “ultraesquerdismo”. Inclusive, alguns dos participantes das listas de discussão dos “progressistas” ou mesmo pelo Twitter, tratam a suas próprias dissidências com sufocamento por meio de ataques virulentos e desqualificadores.

Na realidade, percebemos que os “blogueiros progressistas” não constituem uma alternativa efetiva, mas uma mera luta de hegemonia contra a grande imprensa oligarca, enquanto proclamam ser os principais porta-vozes da democracia midiática. Esta luta acaba por cair em um maniqueísmo que em nada colabora politicamente, pelo contrário: tornam rasas as análises e, consequentemente, adotam posições políticas de apoio cada vez mais acríticas, cegas e fanáticas, sempre defendendo o legado de governos e pessoas, e não as bandeiras e programas socialistas. Assim, visam tornarem-se as principais referências políticas na blogosfera brasileira. Estas práticas tem levado muitos “blogueiros progressistas” a prestarem-se ao papel de correia de transmissão das políticas da máquina partidária do atual governo, diga-se, a mais bem acabada e incorporada à institucionalidade da democracia liberal de nosso país. Portanto, parece-nos que o sonho destes blogueiros tem sido tornarem-se uma “grande imprensa”, com um público enorme, com plateia de milhares e milhares, ao invés de radicalizar a democracia na produção midiática em sua cauda longa, ou seja, na práxis cotidiana, multitudinária e concreta das lutas.

Estamos falando de um grupo  de blogueiros que vem tentando construir uma certa hegemonia na blogosfera, tentando torná-la politicamente uniforme no apoio ao atual governo e adjetivando-a enquanto “militância progressista” e, por fim, ligando-a de forma indelével às políticas liberais-conservadoras deste novo petismo que vai se consolidando no e por meio do governo, que já não possui qualquer tintura de esquerda, e, por vezes pior, está ligado a um governismo pragmático que historicamente  faz política de mãos dadas com a direita oligárquica e rentista.

Contestamos, pois, esta prática de considerarem-se como “a blogosfera progressista” e não como parte de uma blogosfera política muito mais antiga, ampla, diversa e de rico potencial emancipatório.

Tendo em vista estas reflexões críticas, propomo-nos a lutar para criar e fomentar alternativas a este tipo de prática na blogosfera, colocando-nos sempre à disposição de ações unificadas em favor de bandeiras comuns que vão para além da defesa deste ou daquele governo, este ou aquele partido.

Governo Progressista?

Somente nos primeiros seis meses do Governo Dilma, o povo brasileiro foi derrotado sucessivas vezes, a começar pelas nomeações de liberais econservadores para os ministérios. Entre os exemplos mais gritantes, evidenciamos a posição do governo e sua “base aliada”: em defesa do salário mínimo de R$ 545,00 aprovado enquanto aprovaram salários de R$ 26.723,13 para os parlamentares;  a não aprovação do Projeto de Lei 122 e o kit antihomofobia (em nome da “governabilidade” com a bancada reacionária dos evangélicos, que integram a “Base Aliada”); o imobilismo em favor de um projeto de reforma agrária; a  aprovação do Código (des)Florestal para favorecer a expansão das fronteiras do agronegócio exportador; a privatização de vários dos principais aeroportos do país; a conivência e defesa da manutenção de um grande retrocesso na pauta cultural; se colocando contra a liberdade na rede e o compartilhamento livre; respondendo processos na Organização dos Estados Americanos – OEA por violações dos direitos humanos (em função da criminosa anistia aos torturadores ao caso de Araguaia); e, principalmente, a repressão aos povos indígenas do Xingu  com a finalidade de construir a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que favorecerá as oligarquias e a instalação de grandes transnacionais eletrointensivas na região.

Este é um governo cujo Ministro da Defesa atua diariamente contra os interesses nacionais, agindo como cúmplice dos EUA e parceiro de Israel, chegando ao ponto de anunciar ter “perdido” os documentos militares sobre a repressão da ditadura militar brasileira. Um governo que atropela os interesses populares ao continuar impondo a criminosa transposição das águas do rio São Francisco ignorando o diálogo com as populações atingidas, os impactos socioambientais envolvidos e as alternativas de convivência com o semiárido proposta pelo povo e sociedade civil organizada.

Este é um governo que atua lado a lado com o grande capital e as oligarquias em detrimento dos interesses da população, garantindo grandes volumes de verba às “UniEsquinas” sem qualquer garantia de qualidade no ensino (ao mesmo tempo em que não realiza qualquer investimento significativo em educação básica) ou às empresas de telecomunicação com um PNBL (Plano Nacional de Banda Larga, hoje apelidado de Plano Neoliberal de Banda Lerda) risível, que não garante qualidade ou velocidade e, pior, ainda impõe um limite absurdo aos dados durante a navegação. Além de financiar com dinheiro público, via BNDES, quase todos os megaempreendimentos privados e socioambientalmente impactantes das indústrias de papel e celulose, das eletrointensivas e das empresas do agronegócio, entre outros.

Este é um governo que se diz preocupado com os direitos humanos e que quer ser potência global, mas atua de modo imperialista em defesa dos interesses de seu capital monopolista nacional, com as empreiteiras, Petrobras, Vale, enquanto renuncia à política soberana e ativa, que Celso Amorim conquistou em termos de política externa, por uma aproximação torpe com os EUA – com direito a presos políticos na visita de Obama à cidade do Rio de Janeiro para silenciar a voz crítica da população. Que diz que irá priorizar a educação mas continua reduzindo o orçamento já estrangulado, assim como faz com a saúde, enquanto o bolsa rentista semanalmente paga um programa bolsa família em dinheiro para os credores da dívida interna.

Este é o governo que atua com desenvoltura na condução, em parceria com governos estaduais e municipais, de uma política danosa para as populações atingidas pelos mega eventos esportivos. As remoções no Rio de Janeiro são exemplo da implementação de um modelo de política urbana que despreza o direito à cidade e atende a uma lógica privatizante qualificada como radicalmente danosa pelo Ministério Público Federal. Exemplo disso é acessão ao estado e ao município do Rio de Janeiro de imóveis públicos federais para repasse à iniciativa privada. Esta cessão não é para a criação de projetos de moradia, mas para uma “revitalização” da área portuária que será cedida a um consórcio privado, atendendo às necessidades do mercado imobiliário especulativo. Este tipo de ação não é restrita ao estado e município do Rio de Janeiro, pois acontece com igual gravidade, por exemplo, em Fortaleza cuja prefeitura do PT utiliza os mesmos métodos adotados por Eduardo Paes (PMDB). Em várias cidades-sede da Copa do Mundo de 2014, está em curso um violento processo de remoção, inclusive comandados por governos de “esquerda” que em nada se diferem de administrações tucanas que em São Paulo, por exemplo, agem violentamente contra moradores/as amedrontados/as pelas remoções em Itaquera, onde a favela do Metrô também é alvo desta política vil. Em quase todas as cidades que sediarão a Copa do Mundo, populações vulnerabilizadas tem sofrido com remoções forçadas que desrespeitam sua história e os laços criados com seus territórios de vida.

Estes crimes são cometidos em nome de uma “imagem” do país no exterior, de um modelo de desenvolvimento que despreza tudo e tod@s em prol de números favoráveis para a propaganda governamental e eleitoral, ignorando inclusive acordos internacionais firmados com relação aos direitos humanos e ao meio ambiente. O resultado é o agravamento dos problemas socioambientais e o desrespeito às populações atingidas pelo avanço impiedoso de uma máquina que premia o capital e marginaliza a população que sofre com o processo de criminalização da pobreza por meio do avanço das forças de repressão travestidas de política de segurança, mas que trazem no fundo um terrível sentido de manutenção de uma vigilância feroz ao que foge do sonho de consumo das elites.

O que queremos e pelo que vamos lutar

Não é este o “desenvolvimento social” e o “crescimento econômico” que a esquerda anticapitalista  precisa reivindicar, e sim alternativas com base nas experiências e lutas populares que contemplem a reivindicação intransigente da reforma agrária, da democratização da comunicação, da justiça ambiental, da abertura dos arquivos da ditadura e da redução de jornada de trabalho, de uma sociedade mais justa e com plenos direitos para seu povo. As bandeiras devem progredir, não a paciência, pois só se avança resistindo e lutando.

Lutamos pela democratização da comunicação e da cultura, pela possibilidade de ampliação dos meios de vivência e produção midiática, por universidades públicas para tod@s, gratuita e de qualidade, bem como uma Educação básica que possa ser pilar para novas gerações, com salários dignos a noss@s professores/as; assim como também lutamos pela saúde pública de nosso povo, pelo direito a um meio ambiente produtivo e saudável, pela igualdade de raça, gênero e etnia. Para avançar em tudo isto, defendemos a auditoria cidadã das dívidas da União para viabilizar estes recursos.

Lutamos pela verdade das lutas, pela abertura irrestrita dos arquivos da ditadura militar e justiça como reparação às vítimas e à verdade sobre quem participou e corroborou com este regime, direta ou indiretamente, e, claro, todos os métodos autoritários, tão comuns no Brasil inclusive antes e depois dos anos de chumbo.

Lutamos para que se coloquem em marcha processos de empoderamento d@s sem-voz, d@s sem terra, d@s sem renda, d@s sem teto, d@s sem universidade, d@s sem internet, d@s despossuíd@s, d@s sem acesso à cultura, d@s sem educação de qualidade, e, principalmente, daqueles e daquelas sem a possibilidade de viver e produzir dignamente.

O Eblog convida tod@s que se identificam com estas lutas a se unirem conosco para organizar diversas blogagens coletivas, campanhas, encontros, oficinas, discussões, cobertura  e divulgação de lutas. É hora de nos organizarmos e avançarmos com as lutas históricas sem esperar que governos e partidos o façam por nós.

A partir do Eblog, defendemos a DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO como princípio, o que significa dizer que lutamos por: a) Um Plano Nacional de Banda Larga que universalize o acesso oferecendo internet de alta velocidade em regime público; b) A luta pela aprovação do Marco Civil da Internet que endosse a liberdade civil na rede; c) Um novo Marco Regulatório dos Meios de Comunicação (“Ley de Medios”) que ponha fim nos monopólios e oligopólios da comunicação brasileira. Paralelo a isso, estamos atent@s e somos combatentes nas lutas: d) pelo fortalecimento do Estado laicoe) pelo fim do machismo e do patriarcado com o fim da violência contra as mulheres e pela descriminalização do abortof) contra o racismog) contra a homofobia e pela aprovação do PLC 122 sem nenhuma alteração que privilegie os interesses de grupos religiosos; h) contra todas as formas de discriminaçãoi) pela abertura dos arquivos da ditadura militar e pela punição legal dos torturadores e cumprimento das decisões da Corte Interamericana de direitos Humanos (CIDH); j) pela justiça socioambiental e contra Belo Montel) contra a criminalização da pobreza e dos movimentos sociaism) por uma reforma agrária ampla e popularn) contra toda e qualquer forma de censura, na Internet ou fora dela.

Para não ficarmos apenas elencando lutas, estamos propondo uma blogagem coletiva pela DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO (que incluem os itens “a”, “b” e “c” das nossas lutas/bandeiras) para JÁ, de 7 a 10 de Julho de 2011. Está na hora de tod@s  arregaçarmos as mangas – blogueir@s progressistas, de esquerda, nerds, independentes, músic@s, escritores/as, jornalistas etc. – e somarmos esforços em torno das lutas que nos unificam.

Escreva seu texto pela democratização da comunicação e divulgue nas redes com a hashtag #DemoCom e não esqueça de “taguear” a postagem também como “blogagem coletiva pela democratização da comunicação” e “democom” entre os dias 7 e 10 de Julho.

Se você concorda com nossos princípios (ou com a maioria deles), pode aderir e assinar esta nota publicando-a em seu blog e incluindo sua assinatura ao final. Temos identidade e temos lado, mas não queremos ficar restritos a guetos e nem apenas organizando encontros. Ousemos lutar!

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Eblogs que assinam este documento:

Alexandre Haubrich — Jornalismo B

Amanda Vieira — Nós

Bárbara de Castro Dias — Educação Ambiental Crítica

Bruno Cava — Quadrado dos Loucos

Danilo Marques — Inferno de Dandi

Gilson Moura Jr. — Transversal do Tempo

Givanildo Manoel — Infância Urgente!!

Israel Sassá Tupinambá — União Campo Cidade e Floresta

Lucas Morais — Diário Liberdade

Luciano Egidio Palagano — Razão à Conta-Gotas!

Luiz Claudio Souza — BlogueDoSouza

Luka da Rosa — Bidê Brasil

Marcello Barra — Brasília: Democracia Real JÁ!

Mario Marsillac Lapolli e Sturt Silva — Ousar Lutar Ousar Vencer

Mayara Melo — MayRoses

Niara de Oliveira — Pimenta com Limão

Paulo Piramba — Ecossocialismo ou Barbárie

Pedro Henrique Amaral — Tereza Com Z

Raphael Tsavkko — The Angry Brazilian

Renata Lins — Chopinho Feminino

Rodolfo Mohr — Rodomundo

Rodrigo Dugulin — Lavando Louças

Sandro Ivo — Fragmentos Ativos Notícias

Sérgio Domingues — Pílulas Diárias

Tiago Costa — Tapes in my Head

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Até quando os arquivos da ditadura permanecerão secretos?

O prazo estabelecido pela Lei da Anistia para que os arquivos secretos da ditadura militar permanecessem fechados expirou durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). FHC criou no final de seu segundo mandato, uma lei com a figura do “sigilo eterno” para documentos com o carimbo de “ultrassecreto”. O presidente Lula (2003-2010) mudou a lei, porém manteve a possibilidade de jamais haver acesso a certos papéis, se assim as autoridades quiserem. E as autoridades querem. Lula reuniu com os familiares dos mortos e desaparecidos, mas nada resolveu.
Para quem deposita muitas esperanças na presidenta Dilma Rousseff sobre a abertura desses arquivos, lembro que ela foi ministra da Casa Civil e responsável direta pelo Arquivo Nacional. Uma das primeiras medidas desse governo foi mudar o Arquivo Nacional da Casa Civil para o Ministério da Justiça, sem deixar claro qual a intenção e motivo da mudança. Só ficou a impressão da perda de importância do AN dentro do governo Dilma. Além disso, é bom lembrar também que estamos iniciando o nono ano do governo petista no Brasil.
Essa semana a ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário esqueceu que é governo e cobrou de FHC a responsabilidade sobre os arquivos, questionando sobre documentos que supostamente teriam sido destruídos entre 1995 e 2002. FHC, do alto de sua covardia e comodidade, declarou ser a favor da abertura dos arquivos. Certo que FHC não tem moral para falar a respeito, mas o governo petista, como um todo, também não tem. Nesse caso Lula e FHC são iguais. Se omitiram em cumprir seu papel e prolongam ad eternum a tortura sofrida pelos familiares dos desaparecidos. A ministra Rosário deveria ter conversado um pouco mais com seu antecessor Paulo Vanucchi sobre as dificuldades internas com esse tema. De concreto não temos nada até agora, nem a Comissão da Verdade já tão polemizada.
Anteontem o assessor especial de Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, confirmou o encontro da presidenta Dilma com as Mães e Avós da Praça de Maio em Buenos Aires na próxima segunda-feira (31). “Garcia disse que o encontro foi agendado a pedido de Dilma. “A presidenta tem uma grande sensibilidade para questões relativas aos direitos humanos”, afirmou o assessor. “Essa iniciativa da presidenta [em receber essas senhoras] valoriza muito essa luta emblemática que essas senhoras têm na história política recente da Argentina”, disse ele.
Porém, Garcia afirmou que, por falta de tempo, Dilma não poderá visitar o Museu da Memória Aberta, construído na área onde funcionou a Escola de Mecânica Armada da Marinha (ESMA) – no local havia um dos principais centros de tortura da Argentina.” (fonte: BRASIL.gov.br)
Alguns fatos me chamam a atenção nessa notícia: 1) A imensa sensibilidade (valorizada na declaração de Garcia) de Dilma com os Direitos Humanos até agora não se explicitou no Brasil com a mesma força. 2) O texto passa a ideia que Dilma está ‘fortalecendo’ o movimento de mães e avós dos desaparecidos argentinos, país que tem um museu para lembrar os horrores da sua ditadura, que abriu os arquivos secretos à mando da presidenta Cristina Kirchner em janeiro de 2010 e vem julgando e condenando os torturadores. 4) A falta de tempo de Dilma em visitar o Museu da Memória Aberta parece evitar um constrangimento maior, já que o ministro Nelson Jobim é um dos membros da comitiva oficial. 5) O que Dilma Rousseff dirá às Mães e Avós da Praça de Maio sobre a abertura dos arquivos da ditadura brasileira? 6) O que dirá sobre as mães e familares dos desaparecidos brasileiros que não tem a mesma ‘sorte’ a atenção do governo petista (desde o tempo de Lula)? 7) O que dirá sobre a anistia estendida aos torturadores pela justiça (sic) brasileira?
Para a coordenadora da Comissão Especial Memórias Reveladas, Alessan Exérdra Mascarenhas Prado, “por temor de revanchismos e punições” as Forças Armadas não abrem seus arquivos. As Forças Armadas não sabem o que é comando ou não tem comando?
Se fosse Dilma, sentiria muita vergonha diante das Mães da Praça de Maio e diante da presidenta Cristina Kirchner que cumpriu seu papel na história, mesmo não tendo sido torturada ou guerrilheira e não sendo ‘esquerda’.
O fio de esperança que tinha sobre a abertura dos arquivos durante esse governo arrebentou quando a presidenta manteve Nelson Jobim como ministro da Defesa.
Alguém avisa à presidenta Dilma Rousseff que a luta das Mães e Avós da Praça de Maio também existe aqui no Brasil? Grata.

Entrevista com Criméia Almeida e Suzana Lisbôa, da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos, publicada em 12/01/2010 numa blogagem coletiva pela abertura dos arquivos e punição dos torturadores – Verdade e Justiça

Relato de Marcelo Rubens Paiva de 20/01/2011, dia em que Rubens Paiva (seu pai) completou 40 anos de desaparecimento.

P.S. :: Para ler outros textos que publiquei sobre o assunto é só clicar nas tags “ditadura”, “abertura dos arquivos”, “arquivos secretos” ou “desaparecidos” ali na nuvem de tags.

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Mulher, guerrilheira e agora presidenta

Hoje é um dia histórico para o Brasil, assim como foi o dia 1º de janeiro de 2003. Depois de empossar o primeiro operário de esquerda como seu presidente, o Brasil irá empossar a primeira mulher de esquerda (*) como sua presidenta. Dilma Vana Rousseff tem em seu currículo alguns “agravantes” como ser ex-guerrilheira, assim como o atual presidente do Uruguai José Pepe Mujica,  ter sido torturada durante a ditadura militar, assim como a ex-presidenta do Chile Michele Bachelet, e ser solteira (oi?).
Estou fazendo essa relação com os demais países do Cone Sul por dois motivos. O primeiro é que aos poucos, o processo de tomada de poder pelas forças populares e de esquerda que se avizinhava nas décadas de 60 e 70 na América Latina e interrompidos à força pelas ditaduras militares patrocinadas pelos EUA, retoma o seu curso “natural”. A América Latina vem dando passos significativos rumo ao rompimento de sua histórica opressão e exploração e está acelerando o passo. Afora o Chile e Honduras, onde a esquerda teve retrocessos, nos demais países essa identidade latino-americana se fortalece.
Segundo porque esse é um dia histórico também para as mulheres latino-americanas. Depois de Michele Bachelet, Cristina Kirchner – atual presidenta da Argentina e provável candidata à reeleição este ano – agora teremos também no Brasil uma mulher no comando da nação. Dilma venceu uma campanha nojenta de tão suja e baixa e apesar de não ter votado nela por motivos que já relatei aqui, não deixo de reconhecer o mérito de sua vitória. Ela saiu dos bastidores, saiu debaixo da asa do presidente Lula, fugiu do scrip e, imprimindo o seu jeito de ex-guerrilheira disciplinada à sua causa misturado ao seu pragmatismo de economista e generosidade de mulher, foi derrubando preconceitos e vencendo covardias.
Nada fácil ser mulher e ser vitrina num país preconceituoso como o Brasil, que finge não ser racista mas trata negros como cidadãos de segunda classe e acha que cota é segregação. Finge não ser homofóbico mas incentiva os crimes contra homossexuais repetindo surras e assassinatos na tevê que ficam impunes (e ainda insinua o tempo todo uma suposta homossexualidade da presidenta eleita por ser ela solteira e independente). Finge tratar a todos igualmente, mas dá tratamento jurídico diferenciado a ricos e pobres e torce o nariz ao ver suas lojas, supermercados, aeroportos – antes exclusivos da burguesia e classe média – invadidos por pobres. Finge não ser machista, mas trata feminicídios como crimes comuns e pune duplamente as vítimas desqualificando-as moralmente através de sua sexualidade, e trata aborto como tema político e religioso. É preciso ter estômago. Dilma teve. Enfrentou tudo isso com coragem, meses depois de ter vencido um câncer e ainda teve a dignidade de não usar a doença, tratamento e recuperação como arma midiática na sua campanha.

Entendo a presença de mais de cem blogueiros progressistas, sujos ou de esquerda hoje em Brasília para cobrir a posse presidencial. Eles trabalharam duro na defesa da canditura de Dilma – embora eu ache tanto envolvimento complicado, a blogosfera tem essa liberdade e a honestidade de escancarar suas bandeiras – e estão orgulhosos do seu trabalho pela democratização da comunicação, se sentem partícipes da vitória de Dilma e desejam ardorosamente ver a milicada bater continência para uma guerrilheira. Vibrei vendo Mujica diante das Forças Armadas uruguaias e vibrarei ainda mais vendo Dilma diante das Forças Armadas brasileiras. Porque sabemos que a tortura é ultrajante (dizendo o mínimo) para qualquer ser humano, mas – prá variar – é mais cruel com as mulheres. É simbólico e emocionante que Dilma tenha convidado suas companheiras de cárcere para estarem presentes hoje em sua posse em Brasília.
Claro que tenho minhas críticas e continuarei tendo. Não abro mão de minhas lutas, princípios e bandeiras e penso que a crítica justa é fundamental para acertar o passo e não desviar do caminho e espero que a memória da presidenta não fique apenas nos simbolismos e protocolos cerimoniais. Mas reconheço o tamanho desse dia para o Brasil, para as mulheres e para toda a América Latina e torço para estar errada em minhas previsões mais negativas. Lula cometeu muitos erros, mas acertou em cheio ao reforçar a unidade latino-americana. Sua eleição reverberou e impulsionou muitas outras vitórias da esquerda no continente e eu espero que a eleição de Dilma impulsione muitas vitórias mais, da esquerda e das mulheres latino-americanas.
Meu desejo nesse primeiro dia de década? Que este continente seja varrido pelos ventos da liberdade e da justiça. “Bora” começar a bater as asas?
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Loca por ti, America!

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(*) É preciso diferenciar o fato de eleger uma mulher de eleger uma mulher de esquerda. Yeda Crusius como governante não se diferenciou em nada de um homem. E embora eu tenha críticas sobre o quanto o PT, Lula e Dilma estejam à esquerda na política, e economicamente não se diferencie muito dos demais governos e propostas, no campo das políticas sociais as diferenças são brutais de governos da direita, PSDB e afins.
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Nota: Sobre o início do governo de Tarso Genro e a volta do PT ao governo do Rio Grande do Sul, não vou me manifestar agora. Vou apenas comemorar o fim do desgraçado desgoverno Yeda. Pode?

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Um fio de esperança que arrebenta

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Confesso que guardava escondidinho um fio de esperança que o presidente Lula abrisse os arquivos da ditadura militar carimbados como ultra secretos, que são responsabilidade do executivo, e que tiveram esse carimbo renovado ad eternum por Lula quando do vencimento do prazo de 25 anos a partir da Lei da Anistia. O fio arrebentou. E a Secretaria de Direitos Humanos está lançando mais alguns livros sobre tortura e a repressão no campo durante a ditadura. Preferia menos livros e mais atitudes. Embora o registro seja importante, ele não é incorporado à grade curricular na disciplina de História do Brasil e sabemos que eles são feitos porque esse é o limite da ação da SDH.

É decepcionante e lamentável a falta de atitude do Brasil nesse caso. Enquanto os demais países do Cone Sul passam sua história a limpo e aos poucos vão condenando os militares torturadores de seus períodos ditatoriais, o Brasil prefere passar esse recibo vergonhoso de jogar a sujeira para debaixo do tapete. Mais lamentável ainda é a atitude das próprias Forças Armadas que deveriam ter interesse em ver julgados e condenados os militares que se envolveram na tortura para limpar o nome da corporação. Ao acobertarem seus colegas assassinos e psicopatas, se envolvem nessa lama como se a tortura, o assassinato e o desaparecimento forçado dos opositores do regime fosse (é) prática institucionalizada da corporação.

Pior do que não punir os torturadores é não dar às famílias dos desaparecidos políticos o direito de enterrarem seus entes queridos e encerrarem seu luto inacabado. Essa tortura continuada é inominável. Assim como o ministro da Comunicação Social Franklin Martins, eu espero ver  um dia o presidente da República pedir desculpas ao país em nome do estado brasileiro e das Forças Armadas pela ditatura e atrocidades cometidas. Acreditei que Lula faria isso. Não fez, foi omisso e covarde. Fico aguardando a atitude de Dilma, ex-guerrilheira e vítima da tortura e que sabe como ninguém o mal que esses animais fizeram ao país. Mas é improvável que faça, embora eu torça para não ter razão.

Como punir policiais que praticam a tortura em delegacias país afora, se os militares da ditatura não o foram? Mesmo que inicialmente sejam punidos com medidas paliativas quando são flagrados – e apenas quando são flagrados -, esses policiais sempre terão a seu favor o argumento da impunidade de gente que torturou e matou muito mais do que eles e com a autorização do Estado brasileiro. A tortura é prática institucionalizada no país e o tal estado democrático de direito é cuspido e pisoteado diariamente e com o aval da Justiça.

Parte da revolta que senti quando o Supremo Tribunal Federal estendeu a anistia aos torturadores foi abrandada agora, com a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA condenando o Brasil no caso da Guerrilha do Araguaia  e obrigando-0 a investigar o caso (o Brasil sequer admitia a existência da Guerrilha do Araguaia, que dirá da chacina promovida pelo Exército).


Diz a sentença: “investigue o caso, determine as responsabilidades penais e aplique as devidas sanções; esforce-se para descobrir o paradeiro das vítimas, identificá-las e entregar os restos mortais a seus familiares; ofereça tratamento médico e psicológico às vítimas; realize ato público de reconhecimento de responsabilidade no caso; promova curso ou programa sobre direitos humanos para integrantes das Forças Armadas; e adote medidas para tipificar o delito de desaparecimento forçado de pessoas de acordo com os parâmetros interamericanos.” Leia a íntegra da sentença.

Apesar de ter sido uma vitória, foi uma vitória vergonhosa, desonrosa. O Brasil só tomará uma atitude com relação aos crimes promovidos pelo Estado naquele período – e apenas de uma parte desses crimes – porque uma corte internacional o está obrigando. Enquanto isso, a Argentina faz a lição de casa e só em 2010 já condenou 89 repressores de sua ditadura militar.

(Aqui eu abro um parênteses para dizer que a mim incomoda muito essa história de indenização, embora seja um direito das famílias. Durante os governos de Fernando Henrique Cardoso começaram os processos de reconhecimento de perseguições políticas e os pagamentos de indenizações e ficou a impressão de que o Estado tinha feito a sua parte. Ou seja, sempre que há dinheiro envolvido fica essa impressão de ‘pagamento’ – no sentindo de fazer justiça – por algo que não tem preço e nem medida. Mas voltarei a esse ponto outro dia.)

Para encerrar uma boa notícia. Entrou em vigor dia 24 de dezembro a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados, ratificada por 20 países – Albânia, Alemanha, Argentina, Bolívia, Burkina Faso, Chile, Cuba, Equador, Espanha, França, Honduras, Iraque, Japão, Cazaquistão, Mali, México, Nigéria, Paraguai, Senegal e Uruguai. Outros 70 países também já afirmaram sua intenção de ratificá-lo no futuro. Sentiram a falta do Brasil na lista dos países ratificadores da convenção? Mais uma vergonha… Como diria um cantor nativista daqui de Pelotas, Joca Martins, “é aí que me refiro” que ser ou não de esquerda não faz a menor diferença. A dita esquerda hoje no poder abandonou a esquerda que tombou combatendo a ditadura (*) e que contribuiu muito para que hoje vivamos numa democracia. Um arremedo de democracia, é bem verdade, mas infinitamente melhor que qualquer ditadura.
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(*) Mesmo que os personagens sejam os mesmos, fazendo desse momento e abandono um ato quase esquizofrênico.

Nota: O Pimenta com Limão é um grão de areia no mar da comunicação brasileira, mas continuarei a minha luta pela abertura dos arquivos da ditadura e pela punição dos torturadores.

Assine o abaixo-assinado da OAB-RJ pela abertura dos arquivos.

Osmar Prado ‘interpreta’ Maurício Grabois, comandante da Guerrilha do Araguaia, desaparecido no natal de 1973:

Assista aos outros vídeos da Campanha pela memória e pela verdade da OAB-RJ gravados por Fernanda Montenegro, Glória Pires, Mauro Mendonça, Eliane Giardini e José Mayer.


Democracia à brasileira I

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Tropa de Choque cercou as ruas da região do Palácio dos Bandeirantes, centro de SP, e atacou professores com bombas de efeito moral e balas de borracha - sexta-feira, 26/03/2010

Parece absurdo. O Brasil superou – teoricamente – o periodo colonial, a monarquia, a escravidão, o entra e sai em períodos ditatoriais na recente república (basta verificar os períodos de ilegalidade do Partido Comunista) e o tema democracia ainda é tão controverso até mesmo em discussões entre os que dizem defendê-la. Talvez pela falta de vivência. Pelo menos é o que dizem os especialistas ao justificar a falta de interesse do povo por política e o abuso dos representantes eleitos para os parlamentos e executivos: “ainda estamos engatinhando na democracia”, repetem em suas análises. Mas se é algo tão novo, não deveríamos estar muito interessados, quase eufóricos, em termos finalmente democracia e o tão propalado estado democrático de direito?

Falta apenas esclarecer que democracia é essa, que direitos são esses e explicar o motivo de tamanha apatia e desânimo no seu exercício.

Se pegarmos como exemplo as manifestações públicas nos últimos anos no Rio Grande do Sul, Brasília e mais recentemente em São Paulo (só para citar alguns exemplos), a impressão é que ainda estamos em plena ditadura. O tal estado democrático de direito, que assegura na Constituição a liberdade de expressão, organização e manifestação, é cuspido e desrespeitado ‘democraticamente’ todos os dias, país afora. A desculpa é sempre a mesma: “são baderneiros que insistem em ameaçar a ordem pública”. (Oi?)

Não fosse a presença ostensiva da polícia, que vai até o local das manifestações provocar propositadamente os manifestantes, tenho certeza, nenhum tumulto aconteceria. A polícia diz que precisa estar presente nas manifestações para assegurar a ordem pública, mas na verdade vai para tentar intimidar e, se possível, impedí-las. Ou seja, quem descumpre as regras do estado democrático de direito é o próprio estado, representado pelo seu dirigente local e chefe do aparelho repressor.

Nas recentes manifestações em São Paulo, sejam elas quais forem – do protesto de moradores de regiões alagadas (municipal), à passeata dos professores em greve (estadual), ao passeio de ciclistas nus – wnbr 2010 (mundial) -, foi registrada a presença de policiais disfarçados e infiltrados – a famosa P2 -, e policiais fardados sem identificação, numa clara disposição à repressão, ao confronto e à intimidação.

Quadro montagem com fotos da época da ditadura (esquerda) e atuais (direita). Qual a diferença?

Ao olhar as fotos de manifestações de rua sendo reprimidas na ditadura e agora, além da sinistra sensação de estarmos perdidos no tempo-espaço, a única diferença é o tempo que as separa e a qualidade das imagens. Entre uma e outra, tivemos o período de repressão, a anistia, a lenta-segura-gradual transição do regime militar ao democrático, a volta dos partidos políticos, dos exilados e das eleições diretas, a promulgação da constituição – uma das mais avançadas do mundo (sic) em Direitos Humanos – e cinco eleições presidenciais.

E o que mudou? Podemos votar e eleger representantes que não estão nem aí para seus representados. Podemos eleger prefeitos, governadores e presidentes que não exitam em usar o aparelho repressor do Estado para defender os seus direitos contra o povo, quando esse decide se organizar para reivindicar os seus. Temos o direito de pagar impostos e de não vê-los retornar em benefícios públicos, como diz a lei. Temos direito a uma péssima assistência em saúde, mesmo sendo o maior sistema de saúde pública do mundo. Temos direito a uma educação sucateada, em escolas caindo aos pedaços e a mercê da violência e do tráfico de drogas, com professores desmotivados e humilhados, tanto nas escolas quanto em praça pública. E temos também direito à habitação digna (outro direito básico), mas nem vou comentar as condições porque descrever as favelas e periferias brasileiras é deprimente. Já basta olhá-las e, principalmente, vivê-las todos os dias.

Segundo os dicionários da Língua Portuguesa, democracia é um substantivo feminino, derivado do grego demokratía que significa governo do povo; 1. Governo em que o povo exerce a soberania, direta ou indiretamente; 2. Partido democrático; 3. O povo (em oposição a aristocracia).

Dito isso, falta “apenas” definir o que temos e vivemos no Brasil. Pois só nessa rápida e rasa análise, democracia já sabemos que não é.

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Nota: Esse é o primeiro texto de uma série sobre democracia. Volto ao assunto para tentar analisar o que temos e que democracia queremos ou mesmo se queremos democracia. Aceito sugestões e contribuições para os demais posts da série.
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Itália negocia condições da permanência de Battisti no Brasil

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Blog do Noblat
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País pede que medo de “perseguição política” não seja usado como razão. Governo italiano também não quer que anúncio da não extradição do terrorista aconteça próximo à visita de Berlusconi ao Brasil
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O governo italiano mandou um recado para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva: seria “agressivo e deselegante” se ele acatasse a sugestão do Ministério da Justiça de fundamentar a não extradição do terrorista Cesare Battisti no temor de que ele ficaria sujeito a “perseguição política” no seu país.

Na avaliação italiana, isso seria mal visto pelo governo, pela Justiça e pela opinião pública da Itália, onde Battisti foi condenado a prisão perpétua por quatro assassinatos, quando era militante de organização armada de esquerda.

Sendo assim, a argumentação de Lula deverá evitar qualquer tipo de ataque ou suspeição sobre três aspectos: a lei, as instituições e o Estado Democrático italianos. Deve, portanto, se concentrar no interesse brasileiro e/ou em “questões humanitárias”.

Nota: Matéria publicada originalmente na Folha de São Paulo. A íntegra está disponível apenas para assinantes. Publico a matéria completa assim que for possível.


Direitos Humanos: porque nossa idiotice não tem limites

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Bandido bom é bandido morto… Tinha que ser preto mesmo!… Baiano quando não faz na entrada faz na saída… Mulher no volante, perigo constante… Sabe quando pobre toma laranjada? Quando rola briga na feira.
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– Amor, fecha rápido o vidro que tá vindo um escurinho mal encarado.
– Aquilo são ciganos? Vai, atravessa a rua para não dar de cara com eles!
– Não sou preconceituoso. Eu tenho amigos gays.
– Tá vendo? É por isso que um tipo como esse continua sendo lixeiro.
– Por favor, subscreva o abaixo-assinado. É para tirar esse terreiro de macumba de nossa rua.
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Os sem-terra são todos vagabundos que querem roubar o que os outros conquistaram com muito suor.
A política de cotas raciais é um preconceito às avessas.
Os índios são pessoas indolentes. Erra o governo ao mantê-los naquele estado de selvageria.
As rádios comunitárias são um crime. Derrubam até aviões.
Tortura deve continuar sendo um método válido de interrogatório.
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– Uma puta! Alguém pega o extintor para jogar nessas vadias.
– Um índio! Alguém pega gasolina para a gente atear fogos nesses vagabundos.
– Um mendigo! Alguém pega um pau para a gente dar um cacete nesses sujos.
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E, no Brasil, tem gente que não entende a razão de um programa de direitos humanos ter que ser amplo. Porque a nossa idiotice não tem limites.
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O jornalismo derrotado

DIREITOS HUMANOS
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Marcos Rolim
Publicado no site Gramsci e o Brasil

A julgar pelos noticiários, um fantasma assola o Brasil: o Programa Nacional de Direitos Humanos em sua terceira versão (PNDH-III). Todas as potências da Santa Aliança unem-se contra ele: setores da mídia, políticos conservadores, o agronegócio, os militares e a cúpula da Igreja. Os críticos afirmam que o programa propõe a “revisão da Lei de Anistia”, que é autoritário ao propor “controle sobre os meios de comunicação”, além de ser “contra o agronegócio”. Radicalizando, houve quem – fora dos manicômios – identificasse no texto disposição por uma “ditadura comunista”. É hora de denunciar esta farsa onde a desinformação se cruza com o preconceito e a manipulação política.

Auxiliei a redigir o texto final do Programa, juntamente com os professores Paulo Sérgio Pinheiro e Luiz Alberto Gomes de Souza. A parte que me coube foi a da Segurança Pública, mas participei de todos os debates. Assinalo, assim, que a 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos havia proposto uma “Comissão de Verdade e Justiça”; nome que traduzia a vontade de “investigar e punir” os responsáveis pelas violações durante a ditadura. O PNDH-III, entretanto, propôs uma “Comissão da Verdade”, porque prevaleceu o entendimento de que o decisivo é a recuperação das informações, ainda sonegadas, sobre as execuções e a tortura.

Prática democrática

cartaz da campanha pela anistia

O Programa não fala em “revisar a Lei da Anistia”; pelo contrário, afirma que a Comissão deve “colaborar com todas as instâncias do Poder Público para a apuração de violações de Direitos Humanos, observadas as disposições da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979”. Para quem não sabe, a lei citada é a Lei de Anistia. A notícia, assim, era o afastamento da pretensão punitiva. O caminho escolhido, como se sabe, foi o oposto; o que não assinala informar mal, mas desinformar, simplesmente.

No mais, é interessante que os críticos nunca tenham se manifestado quando, no período do presidente Fernando Henrique Cardoso, propostas muito semelhantes foram apresentadas. Senão vejamos: no que diz respeito aos conflitos agrários, o PNDH-I (1996) já propunha “projeto de lei para tornar obrigatória a presença no local, do juiz ou do Ministério Público, no cumprimento de mandado de manutenção ou reintegração de posse de terras, quando houver pluralidade de réus, para prevenir conflitos violentos no campo, ouvido também o Incra”. O PNDH-II, seis anos depois, repetiu a proposta.

Qual a novidade, neste particular, do PNDH-III? Apenas a ideia de mediação dos conflitos; prática que tem sido usual e que seria institucionalizada por lei. A senadora Kátia Abreu, então, pode ficar tranquila. Se o governo apresentar o projeto, ela terá a chance de se posicionar contra a mediação de conflitos e exigir que o tema seja resolvido à bala, como convém a sua particular concepção de democracia.

Reação vexatória

Quanto à reação ao tal ranking de veículos comprometidos com os direitos humanos, o assombro é ainda maior, porque o primeiro PNDH trouxe a ideia de: “Promover o mapeamento dos programas de rádio e TV que estimulem a apologia do crime, da violência, da tortura, das discriminações, do racismo, […] e da pena de morte, com vistas a […] adotar as medidas legais pertinentes”. A mesma proposta foi repetida no PNDH-II.

Assinale-se que o PNDH-II propôs, além disso: “Apoiar a instalação do Conselho de Comunicação Social, com o objetivo de garantir o controle democrático das concessões de rádio e TV […] e coibir práticas contrárias aos direitos humanos” e “Garantir a fiscalização da programação das emissoras de rádio e TV, com vistas a assegurar o controle social […] e a penalizar as empresas […] que veicularem programação ou publicidade atentatória aos direitos humanos”.

Uau! Não são estas as armas dos inimigos da “liberdade de expressão”? Mas, se é assim, por que os críticos não identificaram o “ovo da serpente” na época?

Mais uma vez, ao invés de aprofundar o debate sobre as políticas públicas, a maior parte da mídia se deliciou com a reação vexatória dos militares, com o oportunismo da direita e com o medievalismo da Igreja, e o fez às custas da informação, para não variar.


Punidos e impunes da Anistia

Charge e texto de Carlos Latuff

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Com todo esse burburinho sobre a revisão da Lei de Anistia prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos, um discurso tem sido frequente. Que se deva apurar os crimes cometidos de ambos os lados durante o regime militar, tanto dos militantes de esquerda quanto das forças de repressão.

O que a primeira vista pode parecer uma posição de aparente equilíbrio, traz na verdade um conceito reacionário, de que a resistência armada a um regime de exceção seja vista como crime (criminalização).

Não nos esqueçamos de que os militantes de esquerda que lutaram contra a ditadura militar no Brasil já tiveram punição suficiente. Foram presos, cassados, implacavelmente torturados, executados, desaparecidos. Já seus carrascos, sem nenhum arranhão, escaparam tranquilos da Justiça, indo se refugiar nos braços da Lei de Anistia, inclusive reverenciados pelos seus atuais colegas de farda nos clubes militares da vida.

Levar ao banco dos réus ex-militantes que pegaram em armas para enfrentar fascistas no Brasil seria tão absurdo quanto julgar os partisans pelos atentados cometidos contra militares alemães durante a ocupação da França na Segunda Guerra Mundial. É confundir, maliciosamente, vítimas com algozes…mais uma vez.

Por isso, meus caros internautas, eu lhes trago este checklist, para que possam imprimir em papel cartão, num tamanho que caiba no bolso ou dentro da carteira. Quando o assunto for revisão da Lei de Anistia e alguém lhe disser que “ambos os lados devam ser punidos”, mostre essa charge, só como um lembrete de mais essa verdade inconveniente.


Justiça brasileira tem de ser reinventada

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Íntegra da entrevista com o ministro Joaquim Barbosa (STF), publicada no jornal O Globo, no domingo 03/01.
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Carolina Brígido
O Globo
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“O Judiciário tem uma parcela grande de responsabilidade pelo aumento das práticas de corrupção em nosso país”, na opinião do ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. Em entrevista ao jornal O Globo, o ministro afirma que a impunidade no Brasil é planejada e que as instituições criadas para combatê-la, na prática, são organizadas de uma forma que as tornam impotentes.

Segundo o ministro, a Polícia e o Ministério Público, apesar dos erros cometidos e de suas deficiências, cumprem o seu papel. Já no Judiciário, afirma com acidez o integrante do STF, “a falta de transparência na tomada de decisões” e “as interpretações lenientes e muitas vezes cúmplices para com os atos de corrupção” criam a sensação generalizada de impunidade no país.

Para finalizar as críticas feitas à instituição da qual é integrante, Joaquim Barbosa afirma que o Judiciário precisa ser reinventado “para ser minimamente eficaz”.

Por que aparecem a cada dia mais escândalos envolvendo políticos? A corrupção aumentou ou as investigações estão mais eficientes?
Joaquim Barbosa — Há sim mais investigação, mais transparência na revelação dos atos de corrupção. Hoje é muito difícil que atos de corrupção permaneçam escondidos.
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O senhor é descrente da política?
Joaquim Barbosa — Tal como é praticada no Brasil, sim. Porque a impunidade é hoje problema crucial do país. A impunidade no Brasil é planejada, é deliberada. As instituições concebidas para combatê-la são organizadas de forma que elas sejam impotentes, incapazes na prática de ter uma ação eficaz.
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A quais instituições o senhor se refere?
Joaquim Barbosa — Falo especialmente dos órgãos cuja ação seria mais competente em termos de combate à corrupção, especialmente do Judiciário. A Polícia e o Ministério Público, não obstante as suas manifestas deficiências e os seus erros e defeitos pontuais, cumprem razoavelmente o seu papel. Porém, o Poder Judiciário tem uma parcela grande de responsabilidade pelo aumento das práticas de corrupção em nosso país. A generalizada sensação de impunidade verificada hoje no Brasil decorre em grande parte de fatores estruturais, mas é também reforçada pela atuação do Poder Judiciário, das suas práticas arcaicas, das suas interpretações lenientes e muitas vezes cúmplices para com os atos de corrupção e, sobretudo, com a sua falta de transparência no processo de tomada de decisões. Para ser minimamente eficaz, o Poder Judiciário brasileiro precisaria ser reinventado.
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Qual a opinião do senhor sobre os movimentos sociais no Brasil?
Joaquim Barbosa — Temos um problema cultural sério: a passividade com que a sociedade assiste a práticas chocantes de corrupção. Há tendência a carnavalizar e banalizar práticas que deveriam provocar reação furiosa na população. Infelizmente, no Brasil, às vezes, assistimos à trivialização dessas práticas através de brincadeiras, chacotas, piadas. Tudo isso vem confortar a situação dos corruptos. Basta comparar a reação da sociedade brasileira em relação a certas práticas políticas com a reação em outros países da America Latina. É muito diferente.
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Como deviam protestar?
Joaquim Barbosa — Elas deviam externar mais sua indignação.
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É comum vermos protestos de estudantes diante de escândalos.
Joaquim Barbosa — O papel dos estudantes é muito importante. Mas, paradoxalmente, quando essa indignação vem apenas de estudantes, há uma tendência generalizada de minimizar a importância dessas manifestações.
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A elite pensante do país deveria se engajar mais?
Joaquim Barbosa — Sim. Ela deveria abandonar a clivagem ideológica e partidária que guia suas manifestações.
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O próximo ano é de eleições. Que conselho daria ao eleitor?
Joaquim Barbosa — Que pense bem, que examine o currículo, o passado, as ações das pessoas em quem vão votar.
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Quando o senhor vota, sente dificuldade de escolher candidatos?
Joaquim Barbosa — Em alguns casos, tenho dificuldade. Sou eleitor no Rio de Janeiro. Para deputado federal, não tenho dificuldade, voto há muito tempo no mesmo candidato. Para governador, para prefeito, me sinto às vezes numa saia justa. O leque dos candidatos que se apresenta não preenche os requisitos necessários, na minha opinião. Não raro isso me acontece. Não falo sobre a eleição do ano que vem, porque ainda não conheço os candidatos.
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