Sobre o governo Dilma, sua defesa cega e os retrocessos que ainda suportaremos

Juro que o governo Dilma Rousseff não me surpreende. Os acordos feitos para elegê-la superando a campanha desleal do bloco PDSB/DEM e as trapalhadas de sua campanha — como a resposta a um spam, que trouxe o aborto para a arena de debates e deu um poder de barganha desmedido à chamada ‘bancada da fé’ — apresentam suas contas agora.

A aprovação do novo Código Florestal, orquestrado nos mínimos detalhes pelo aliado de todas as horas Aldo Rebelo (e os últimos dias provaram que ele não era um aloprado agindo por conta própria desobedecendo à direção nacional do PCdoB, porque todos sabemos que não há essa possibilidade dentro do ninho stalinista) mancomunado com os ruralistas desmatadores, fez acender a luz amarela.

Os escândalos envolvendo o suposto enriquecimento ilícito do ministro Antonio Palocci serviram como desculpa e “suposta” moeda de chantagem num dia para os ruralistas pressionarem Dilma na orientação de voto da base aliada na votação do novo Código Florestal, e no dia seguinte para a bancada da fé pressionar Dilma para vetar a campanha anti-homofobia do MEC para professores e alunos do ensino médio. Eu digo suposta moeda de chantagem porque o fator Palocci não influenciou em nada em nenhum dos dois processos.

Vejamos:

Treze dos dezoito parlamentares que integraram a comissão especial do Código Florestal, da qual Aldo Rebelo era o relator, receberam doações de campanha do agronegócio. Fica meio evidente que essa proporção se repetiu no plenário da Câmara. Por que, então, seria preciso chantegear Dilma com Palocci? Os deputados aprovariam o novo Código Florestal de qualquer jeito.
Após a reunião com a chamada bancada da fé, onde Dilma diz ter assistido os vídeos da campanha antihomofobia — grotescamente apelidada de “kit gay” pelo deputado Jair Bolsonaro –, era visível seu constrangimento. Ver Dilma se referir a “opção sexual” quando já estava ambientada com a expressão “orientação sexual” usada desde a campanha é, para dizer o mínimo, nojento. Ela cedeu à chantagem da bancada da fé que foi cobrar o apoio dado durante a eleição (incluindo aqui a Rede Record do bispo Edir Macedo). Então, de novo, por que chantegear Dilma com Palocci? Sabíamos desde a eleição que essa conta seria cobrada. Mesmo que já durante a campanha tenham sido feitas concessões suficientes, como no compromisso assumido por Dilma em não enviar ao Congresso alterações na legislação sobre aborto.

O bode expiatório, de William Holman Hunt

Palocci — com culpa no cartório ou não — está servindo apenas como o bode expiatório ou como boi de piranha. Estava claro que Dilma continuaria rifando direitos civis em troca de apoio político e seu compromisso verde sempre foi meio pardo — vide a disputa interna ainda durante o governo Lula pelo afrouxamento nas regras para liberação das licenças ambientais para Belo Monte, numa queda de braço com a então ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que depois disso rompeu com o PT e o governo Lula. (Nota: No lugar de Marina, diante de tanto desrespeito e desmoralização pública, teria feito o mesmo. Acho até que ela suportou desmoralização demais e levou à pau e corda um compromisso ambiental que era apenas seu, e não do governo Lula. — As alianças que Marina fez depois disso são problema dela.)

O quadro atual era previsível e, não, não me surpreende. Mas indigna. Não é possível assistir tudo isso calada, passivamente.
A única coisa que ainda me surpreende nisso tudo é a capacidade inesgotável da atual militância petista-lulista-dilmista em aceitar esses absurdos e continuar apoiando Dilma cegamente, passando por cima de qualquer princípio ético ou moral. Colocam em risco seu respeito e credibilidade pessoal ao apoiar um governo hoje conivente e omisso com o desmatamento e com a homofobia. Afora todos os outros absurdos que nem vou citar aqui, ou esse post ficaria muito longo.

A chamada (por mim) Etiqueta Governista Revolution aceita qualquer coisa para defender Dilma, Lula e o governo do PT. Desculpem-me, mas não há como não desconfiar. Se os grandes orquestradores dessa defesa — os que fornecem os argumentos e justificativas e insuflam a EGR quando estão desenxavidos e encolhidos de vergonha — não levam vantagem alguma, começo a duvidar da capacidade mental, do senso crítico, dos que saem a repetir absurdos que, de tão toscos, parecem surreais. Como a notícia (com ‘pinta’ de notícia plantada) de que Dilma teria assistido vídeos falsos como sendo do tal “kit gay” e só por isso os teria vetado, ou ainda que Dilma vetará artigo do novo Código Florestal que anistia os desmatadores.  ô_Ô

A orientação da vez é criticar o bode Palocci para salvar, blindar, Dilma. Uau! Estratégia genial e nunca antes na história desse país usada.

Para quem prefere continuar colocando sua biografia e credibilidade em risco apoiando esse governo que nos fixa na idade média e ainda nos coloca a reboque dos EUA, em nome de uma pseudo santidade petista-lulista-dilmista, e ainda ficar repetindo como zumbis que é tudo culpa do PIG, fiquem com deus no seu sossego. Mas lembrem-se que apoio tem limite e a história cobrará de vós suas atitudes e omissões.

Para quem está revoltado e indignado e como eu percebe que a esquerda-que-a-direita-gosta de verdade é Lula (apoiado incondicionalmente por Eike Batista), Dilma, Palocci (defendido por Paulo Maluf), Aldo (elogiado por ACM Neto) e cia, convoco: Manifeste todo o seu descontentamento sem medo! O governo Dilma não está em disputa, mas precisa ser tensionado à esquerda. Até agora só os canalhas venceram e se nada fizermos, os retrocessos continuarão e em breve nem manifestar opinião poderemos mais. Já basta a patrulha que sofrem nas redes sociais os que ousam criticar…

Durante a campanha foram as mulheres que morrem todos os anos vítimas de abortos mal feitos e os familiares e a memória dos desaparecidos e mortos da ditadura que foram rifados. Agora, de uma tacada só, foram rifados ambientalistas, sem terras e pequenos agricultores e LGBTTTs. Vamos esperar todos os direitos civis serem rifados? Quantos retrocessos ainda suportaremos?
.
À luta, enquanto há tempo. À luta!

.

Sobre Niara de Oliveira

ardida como pimenta com limão! marginal, chaaaaaaata, comunista, libertária, biscate feminista, amante do cinema, "meio intelectual meio de esquerda", xavante, mãe do Calvin, gaúcha de Satolep, avulsa no mundo. Ver todos os artigos de Niara de Oliveira

14 respostas para “Sobre o governo Dilma, sua defesa cega e os retrocessos que ainda suportaremos

  • Rejane

    Perfeito Niara. O perigo de acontecer como está acontecendo na Europa, guardando suas devidas singularidades, em que os governos supostamente à esquerda se venderam completamente a tantos preceitos da direita (econômicos, sociais, políticos, sociais e culturais), ao ponto de a população passar a ver saídas no discurso da direita e se bandear pra esse lado, é grande. Conciliou-se tanto com tantas regras à direita e esta está dando o golpe em toda parte. A esquerda está perdida na maior parte do mundo. Por isso, apesar de preferir ver uma Dilma no poder em vez de um José Serra, por isso votei nela, o meu apoio foi até o dia das eleições. Agora é pressionar, porque sem pressão, a sociedade não consegue neda. Confio e aposto muito mais hoje em movimentos sociais livres que busquem organizar comunidades em torno de reivindicações de toda ordem.

  • Amanda

    O seu texto levanta um histórico importantíssimo e também desmascara essa coisa de ficar falando do Palocci, quando na verdade existe toda uma “amarração” anterior (pra bom entendedor de financiamento de campanha eleitoral, uma palavra entre aspas basta). Mas sabe, eu nem costumo trazer esse dados porque qualquer coisa vira acusação e eu não quero acusar ninguém, não quero saber quem colocou fogo no mar, eu quero é falar do peixe assado. A grande questão é o resultado dessa política: a esquerda aprovando o conteúdo da direita. E isso é indiscutível, não dá mais pra disfarçar, dizer que é uma concessão aqui pra ganhar ali. Ganhar ali onde? Nem no ministério da cultura estão conseguindo manter o pouco que o Lula havia conseguido, que dirá conseguir novos avanços! Só que tem muita gente bem intencionada que cai nessa conversa, que acredita nessas teses absurdas. Acho que já tem gente demais defendendo o Bolsonaro, o atraso, o medievalismo, os ruralistas, e essas causas não dependem de mim. Se eu puder defender os direitos humanos, o meio ambiente e as causas da minoria, mesmo que eu seja tomada por idealista, ou rotulada de qualquer coisa, vou continuar me manifestando sem o menor constrangimeno. A internet permite que a gente publique nossas opiniões sem as restrições que existem no congresso, então porque eu vou deixar de cumprir meu papel? Viva a liberdade, viva a diversidade e viva os sonhadores. E vamos tomar isso como um incentivo para blogar mais! 😀

  • Caco

    Apesar das flagrantes diferenças histórico-culturais, dá até p/parafrasear um poema clássico d autoria disputada (atribuída ora à 1 padre alemão, ora à famosos como B.Brecht), q criticava a sociedade alemã à respeito da suposta passividade desta diante do crescimento nazista nos anos ’30:

    Em nome da governabilidade, para atender aliados eventuais, entre outras desc… justificativas
    1º recuaram em relação à descriminalizar o aborto, eu me calei porque o assunto não me dizia respeito diretamente;
    Depois, não se falou mais em “comissão da verdade”, mesmo q se baseada no q já havia ocorrido na África do Sul, a mesma não implicasse em cassar/imputar criminalmente os responsáveis por crimes d Estado cometidos durante a ditadura, q ainda estivessem vivos. Tb me calei pq este assunto tb não me dizia respeito diretamente;
    Então, “esqueceram” dos sem terra, dos “sem teto”, dos pequenos produtores, dos defensores dos animais e meio ambiente e eu novamente não disse um “A”, afinal tinha onde morar, não sou bicho, planta e o mais perto q chegava do trabalho no campo era consumindo via supermercados majoritariamente produtos do agronegócio; achava q não tinha tempo ou dinheiro pra pensar na minha própria saúde, infelizmente agora meu corpo está cobrando esta conta tb…
    Depois, adiaram d sopetão uma questão à respeito d como combater à homofobia; mas como não isto além d não me afetar, havia até desse pessoal lbgt e não mais o q, q apoiou a maneira como isto foi feito, dizendo q havia (sempre há) coisas + urgentes a serem tratadas (mas s/especificar quais e como), passei batido nessa tb;
    E assim fomos indo,
    à exemplo dos chineses da época, mesmo tendo a opção q eles não tinham, d fazer diferente, seguimos sacrificando tdo pouco à pouco, por 1 trabalho q garantisse um dinheiro, mesmo q não soubéssemos usar o dinheiro, apesar da farta literatura q já existia na época. Tb não “tínhamos tempo” pra estudar isso…

    Qdo finalmente vieram tocar numa coisa q me dizia respeito, eu já não sentia mais nda… e mesmo q sentisse não havia mais à quem protestar, votar, ou pior… à quem me unir; pq todos agora continuavam cada um c/seus problemas, q eram mesmos: o trabalho q exauria, o dinheiro q nunca sobrava e
    todos concordando q havia coisas mais urgentes a serem tratadas, embora na hora d estabelecer prioridades ainda não soubéssemos especificar quais ou como…

  • Podem me prender, podem me bater, podem até deixar-me sem comer que eu não mudo de opinião « BiDê Brasil

    […] Após a reunião com a chamada bancada da fé, onde Dilma diz ter assistido os vídeos da campanha antihomofobia – grotescamente apelidada de “kit gay” pelo deputado Jair Bolsonaro -, era visível seu constrangimento. Ver Dilma se referir a “opção sexual” quando já estava ambientada com a expressão “orientação sexual” usada desde a campanha é, para dizer o mínimo, nojento. Ela cedeu à chantagem da bancada da fé que foi cobrar o apoio dado durante a eleição (incluindo aqui a Rede Record do bispo Edir Macedo). Então, de novo, por que chantegear Dilma com Palocci? Sabíamos desde a eleição que essa conta seria cobrada. Mesmo que já durante a campanha tenham sido feitas concessões suficientes, como no compromisso assumido por Dilma em não enviar ao Congresso alterações na legislação sobre aborto. (OLIVEIRA, Niara) […]

  • Luka

    Niara,

    Acho que o teu post junta duas coisas fundamentais, a utilização como moeda de troca de pautas importantes pra sociedade brasileira e a reforma política… Por que compreender o quanto o financiamento privado ajuda a fortalecer a corrupção e afins é fundamental, fora discussão de coligações proporcionais que eu já vi alguns da base governista (Lidice da Mata, PSB) defenderem é absurdo, pq é o que justifica a negociação de pauta pra poder sustentar governo de conciliação de classes.

    Bjs!

  • samir

    o melhor texto que li até hoje sobre o governo da presidente gilma.

  • Arttemia Arktos

    Perfeito.

  • Dandi Marques

    Ah Niara! sou teu fã. Texto bem composto e completamente voraz. Eu só posso dizer que assino embaixo e compartilho deste descontentamento e revolta. Então, à luta!

  • Grilo D

    Olá, Niara,
    Parabéns pelo seu texto, que mostra uma visão bem diferente do que pregam tanto os direitistas como os esquerdistas.
    Mas quero colocar outro ponto de vista: Dilma, seu governo, sua campanha e seu atecessor têm de ceder à direita por falta de apoio da esquerda. Claro que “esquerda” não significa Aldo Rebelo, Paulinho da Força ou Soninha Francine. Mas grande parte da esquerda brasileira se concentra mais nas brigas entre setores da esquerda do que no trabalho pelo país. Isso é histórico.
    O que matou o PSDB, forjado com o movimento democrático, depois vendido ao então PFL, tem a chance de matar o PT hoje. Tudo depende de onde o PT sentir força para se apoiar. Se em nós ou no lado de lá.
    E, convenhamos: com as bancadas eleitas no congresso, não tem presidente que dobre. Quem realmente deu poder ao PMDB, senão os votos legislativos?
    Sim, devemos criticar e nos indignar sobre o que está errado, e há muito pra se indignar. Apenas não esqueçamos de que lado estamos. Senão, o governo será tentado a esquecer em que lado estava.
    Beijos,
    Grilo D

  • 909908

    CARA, assino embaixo. Nuh! Ainda bem que eu não sou o único puto com esse governo.

  • As cheer leaders, o Boi de Piranha e o THC de FHC | Na Transversal do Tempo

    […] dignidade pra justificar como atos de esquerda atos injustificáveis. Como dizem a talentosa Niara e a primorosa Luka: Dá mais não, Tio! Respeito pra dedéu negozinho apoiar até transa do capeta […]

  • #ReginaDuarteFeelings e sua influência nas nossas escolhas de um projeto político | Pimenta com Limão

    […] Já tinha escrito antes sobre a defesa cega do governo e retrocessos suportados… […]

Deixe um comentário