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A esquerda e a criminalização da luta

“Ferdinand Lassalle em seu drama Franz von Sickingen
faz um de seus personagens dizer:

Não indiques apenas o fim,
mas mostra também o caminho
porque o fim e o caminho
tão unidos estão
que um muda com o outro
e com ele se move
– e cada novo caminho
revela um novo fim.
(trecho de A moral deles e a nossa – Trotsky, Leon)

Liberdade Guiando o Povo_Eugene Delacroix

Liberdade guiando o povo…, de Eugene Delacroix

Não nascemos ontem. Nos dois sentidos de não nascer ontem. Estamos, a esquerda, há muito tempo na luta e não pagamos de otário. Sabemos o que nos espera. O inimigo contra o qual lutamos é o mais vil e perverso e usa todas as armas, incluindo preferencialmente as desonestas. O inimigo da esquerda é desleal. E o que nos diferencia dele não é e não pode ser apenas o objetivo final e nem o discurso, sob pena de nos desconstituirmos e sermos aniquilados ainda durante a luta. Sim, nosso objetivo é nobre, o mais nobre de todos, mas não é suficiente. O que nos diferencia do inimigo é a nossa moral, são os meios pelos quais chegaremos ao nosso nobre objetivo, são as armas que usamos no dia a dia da luta.

É quando esquecemos da moral que nos diferencia do nosso inimigo que passamos a colaborar com a direita, e não quando exercitamos o pensamento crítico, o caminho mais certo na trilha até o nosso nobre objetivo. Sim, o caminho da crítica e autocrítica é penoso e pedregoso para a esquerda, mas não há outro, porque o inimigo age dentro de nós, ele conta com nossos sentimentos individualistas e egoístas, com o processo de reificação (quando achamos que superamos a opressão por sermos conscientes de nossa classe e condição) e, principalmente, com nossas divisões internas.

Há momentos mais complicados da conjuntura. Estamos em um deles. É quando precisamos lutar contra as opressões todas reforçadas pelo fascismo. O fascismo se alimenta da histeria coletiva, e já sobram listas de “comunistas” a serem combatidos (acho que a palavra que gostariam de usar seria “eliminados”) e não tarda o momento de livros proibidos e queimados em escolas e praças. É preciso atenção e vigilância constante, principalmente entre nós. Momentos críticos são também períodos de depuração, onde os titubeantes se tornam agentes de manobra do fascismo, vacilantes se tornam inquisidores e denunciantes, e ingênuos se transformam em gasolina nessa fogueira. Mais do que isso: Sempre haverá o dedo apontado para alguns esquerdistas dizendo que não é o momento de criticar, que é preciso união ou estaremos colaborando com o inimigo.

A questão é que calar a crítica, o pensamento crítico, é a onda fascista nos atingindo e influenciando. O pensamento crítico é o sangue da esquerda. Sem ele não existimos, não somos capazes de ler a conjuntura e nos posicionarmos nela do lado correto. É quando calamos a crítica, o pensamento dissonante, que colaboramos com o inimigo e nos perdemos no caminho. É onde estamos agora, perdidos. Mais do que união é preciso que todas as vozes dissonantes se ergam contra o inimigo comum, que pode estar inclusive entre nós. Será apenas com todas as vozes críticas ativas falando juntas que teremos o caminho apontado para trilharmos.

É o caminho que nos define.

É preciso se levantar contra toda e qualquer arbitrariedade. Não, não é de hoje que lutadores são vítimas do Estado (pretos e pobres principalmente), mas é quando as arbitrariedades chegam aos formadores de opinião, à elite intelectual (odeio essa expressão, vou usá-la apenas como identificação) e lideranças de movimentos sociais que percebemos o quanto estamos todos em risco. Muitos de nós alertamos a partir de 2013 que o fascismo iria crescer, que a repressão e perseguição não se resumiria aos anarquistas, autonomistas e black blocs. A esquerda partidária se perdeu quando 1) não se solidarizou com os 23 presos do Rio, com os meninos que confessaram (provavelmente forçados) o atentado que vitimou o cinegrafista Santiago Andrade da TV Bandeirantes na peça jurídica mais absurda que já tinha visto até então, com a Sininho transformada em inimiga número um do Estado (por favor, né?), com o Rafael Braga Vieira condenado e preso por porte de desinfetante e ainda 2) ergueu a voz para condenar a Tática Black Bloc, a mesma que estava evitando que professores, estudantes e sindicalistas apanhassem da PM nas ruas em protestos legítimos reprimidos como se estivéssemos numa ditadura. Perdemos o bonde da história, esquecemos de que lado e contra quem lutamos.

Agora, veja só, estamos de novo nas ruas lutando pela porra do Estado, aquele mesmo que é instrumento do inimigo para nos oprimir, para que as regras válidas até aqui (mesmo que ignoradas contra nós) não sejam suspensas. Estamos aí defendendo os vacilões, titubeantes e ingênuos que ontem negaram sua defesa a outros lutadores da esquerda porque sabemos que é a moral que nos difere dos inimigos, e não os vacilos, titubeações e ingenuidades de alguns. Sabemos que pagamos com a vida quando da suspensão da legalidade e dos direitos civis. Esqueceremos os vacilos? OBVIAMENTE NÃO. Mas isso não nos impedirá de lutar por qualquer oprimido que esteja em risco diante do Estado e do inimigo.

Isso tudo para dizer que o discurso de esquerda, aquele que reivindica nosso nobre objetivo e nossa luta, sempre foi criminalizado. Não começou hoje. Ou alguém esqueceu a investida contra o MST no início dos anos 00? A questão é quando isso é motivo para levantarmos do sofá e irmos para a rua e quando não. Se a condenação de um negro inocente por porte de desinfetante ou a prisão e processo contra 23 autonomistas que estavam lutando, antes de nós, contra o fascismo não é motivo para ir à rua, fatalmente teremos que ir à rua por nós mesmos depois. Se der tempo, claro.

Entendeu o que nos diferencia e o que nos une? Bueno, se nem o Trotsky com o primoroso A moral deles e a nossa  conseguiu, não seria eu, né? Mas fica a tentativa. E o alerta do Brecht*.

 

p.s.: Mesmo que o PT consiga capitanear os vermelhos (ou anti verde-amarelos) que foram às ruas  em apoio ao governo e evitem o pessegamento de Dilma, isso não encerra a onda fascista. Muito pelo contrário. E serão os lutadores sociais, e não as lideranças, que pagarão esse pato, e que enfrentarão a fúria e histeria dos fascistas nas ruas _com o apoio do Estado, é bom lembrar.

p.s.2: Qualquer que seja o desfecho dessa conjuntura, serão os oprimidos que levarão a pior, disso não há dúvida.


#ReginaDuarteFeelings e sua influência nas nossas escolhas de um projeto político

ReginaDuarte_MedoQuem não lembra do discurso “eu tenho medo” da Regina Duarte na campanha de 2002 para presidente? Isso ficou mais marcado do que o ano em que foi feito o discurso. O vídeo (linkado) diz que foi em 2006, só que em 2006 o candidato do PSDB era Alckmin. Mas o ponto não é esse, e sim a sua influência no modos operandi do fazer política de lá para cá.

A entrada das redes sociais na campanha política trouxe junto a lógica da política do medo, ou o que chamo de #ReginaDuarteFeelings. O argumento nunca é favorável, mas o inverso dele que te faz ficar favorável. É o velho e ruim “voto (in)útil” chamado agora de ‘mal menor’, do candidato ‘menos pior’. Acostumamos-nos a ele de tal forma que nem ousamos mais pensar no melhor, num projeto para chamar de nosso, para defender.

PSOL e PSTU e demais esquerdistas são classificados pelos governistas como “a esquerda que a direita gosta“, e de colaborar diretamente para o “avanço” dos tucanos sobre o eleitorado. Oi? Que avanço dos tucanos? Primeiro é preciso esclarecer que não criticar o governo não o salva de se atirar nos braços da direita e de ‘desenvolver’ sua política capitalista genocida e nem de se aproximar “ideologicamente” do PSDB. Segundo, não é assim que se estabelecem diferenças, mas com política real, no caso de governos com políticas públicas e econômica. E nesses quesitos, o governo do PT é campeão em mentiras, em fingir ser o que não é e em colocar no outro a culpa da política que faz.

Vamos colocar alguns pingos nos is, então. Tudo nesse governo é capitalista. Não há nenhuma política de esquerda em que possamos usar aquele atenuante “ah, o governo tem problemas, mas tirou 30 milhões de pessoas da miséria…“. Sério? Mesmo? Quando um governo gerencia um Estado privilegiando sempre os mais ricos, até mesmo na “política” de Direitos Humanos, ele produz miséria ao invés de combatê-la. Ao produzir miséria e miseráveis e usar o braço armado desse Estado contra qualquer oprimido que tente se rebelar/protestar, ter uma única política que tira pessoas da miséria e depois as joga na selva do capitalismo (onde só se prospera pelos “próprios méritos”, como se não houvesse aí exploração do trabalho de outrem/ns), não é tirar pessoas da miséria, mas uma política social-democrata de redução de danos que no final das contas atrela essas pessoas ao voto de gratidão nesse governo. Isso é a velha política clientelista dos coronéis de outrora maquiada de “política social de distribuição de renda”. Tanto assim que os índices de desigualdade social permanecem os mesmos. Enquanto pessoas saem da miséria com esmola do governo os ricos ficam mais ricos — com exceção do Eike, coitado… 😛 –. Tirou pessoas da miséria? Sim, mas mantém a política que produz a miséria e os miseráveis.

O fato é que transformar miseráveis em consumidores não os transforma automaticamente em cidadãos. Educação e participação política é que transformam miseráveis em cidadãos. Democracia não é apertar um botão a cada dois anos passando um cheque em branco para este governo que clienteliza a população mais pobre. Não se preocupar com os resultados de sua política como crianças vivendo no lixo; prostituição de crianças na esteira do “desenvolvimento” da construção de hidrelétricas para produzir energia suja; remoção de pobres e pretos para a maquiagem das grandes cidades para os grandes eventos; preocupação zero com os danos ambientais de todas as obras e desarticulação dos órgãos fiscalizadores desses danos ambientais; prática de tortura, assassinato e desaparecimento nas delegacias e unidades policiais de norte a sul do país e apoio incondicional ao aparato policial em detrimento do cidadão; coloca o PT e seus governos no rol dos iguais. E nem vou citar mais casos de violações de direitos humanos, como índios assassinados, secretário de governo do PT armado contra sem terra, apoio do governo à milícias do agronegócio, etc., sob pena de ficar linkando até semana que vem. Não são os esquerdistas que colocam o PT no rol dos iguais apenas o dizendo (e nem a palavra da esquerda é tão poderosa assim), é o próprio PT com sua política que se coloca nesse lugar. Observar e evidenciar isso não é mérito nenhum além de não ser cego.

Dizer que quem enxerga e evidencia a real politik do PT — e não a política que o PT diz fazer — é colaborador da direita ou eleitor indireto de Aécio ou Marina é nada mais nada menos que repetir o discurso do medo de Regina Duarte. E, PASMEM, TEM FUNCIONADO! Várixs governistas que estavam finalmente percebendo que não criticar publicamente o governo só o empurra cada vez mais para a direita, estão voltando à política governista de terrorismo nas redes sociais. “Ou tu vota no PT e apóia Dilma ou estará apoiando Aécio ou Marina”, assim, fatalmente. Oi? Não existe voto nulo e não-validação desse sistema eleitoral, dessa falsa democracia?

Para quem cria, estimula ou se deixa enredar nesse terrorismo, deixem-me apenas dizer duas coisas. UMA: o TSE não computa apoio crítico, e nem o PT. Já os votos nulos e a abstenção eleitoral aparecem na contabilidade final das eleições e querem dizer uma única coisa: INSATISFAÇÃO. DUAS: Dizer que não adianta abraçar um projeto político que não tem chances eleitorais é o que dizia o MDB/PMDB lá no início do PT. O PT não nasceu na Presidência da República, mas como um partido pequeno, pentelho, que só tinha gente desconhecida como candidato (muitos ex-presos políticos e barbudos desgrenhados, o que não ajudavam em nada na “imagem vendável” de um partido sério) e foi construindo tijolinho por tijolinho, por acreditar que o seu projeto era o bom, era o justo, era o melhor é que o fez chegar onde chegou (apesar de muitos atribuírem apenas a figura de Lula). Ninguém fez mais campanha contra o voto (in)útil que o PT. Voltar a isso é apostar na despolitização e desconscientização do voto. Cuidado! Esse é um caminho sem volta, não para a política eleitoral nacional, mas para os (até aqui) agentes políticos transformadores da sociedade que fazem uso desse expediente.

Para os governistas envergonhados que ficam aí dizendo “tenho críticas ao governo, mas não há nada melhor do que isso“, assumam o ônus de defender e votar nesse projeto do PT e o defendam pelo seu melhor, se encontrarem. Chega de #ReginaDuarteFeelings na política! Até porque a própria Dilma jogou por terra todo o terrorismo feito pelo PT na campanha de 2010 ao fazer tudo que ‘disseram que Serra faria’ nos primeiros seis meses de governo e fechando com chave de ouro agora, com a privatização de campos de petróleo. Voltemos urgentemente a lutar pelo melhor, pelo justo, pelo bom. Democracia é antes de tudo um exercício de respeito às escolhas dx outrx. Disputemos antes sua consciência com o nosso melhor, com a melhor proposta — inclusive a do voto nulo, se acreditarmos nele como força de mudança –, mas depois da escolha feita, respeitemos sua escolha e inteligência.

medo eu tenho desse cabelo...

medo eu tenho desse cabelo…

p.s.: Não se perguntem porque não falo diretamente com tucanos e afins. Não me relaciono com eles de forma alguma, não tenho nada a dizer a eles e o que tinha para saber deles já sei. Não sou eu que me aproximo deles com a política que faço, mas o PT.

Já tinha escrito antes sobre a defesa cega do governo e retrocessos suportados…

Texto do Gilson, de hoje, sobre o mesmo tema.

E para quem ainda isenta Lula da política de Dilma no governo, sinto muito (mentira, sinto nada) em decepcionar.


Blogueiros Progressistas: Democráticos e horizontais, pero no mucho!

Quando decidimos no Eblog participar do 2º BlogProg em BSB, fomos com a disposição de, além da contribuição óbvia na realização da mesa Mulheres na Blogosfera – que estava sem nomes até quinze dias antes do encontro e fatalmente seria cancelada –, participar de forma assertiva e colaborativa. Embora tenha “brincado” muito nas minhas redes nos dias que antecederam o encontro de que incendiaria/implodiria o BlogProg, fui com o espírito desarmado, disposta a conhecer e, quem sabe até, ser convencida de que o BlogProg não era tão ruim quanto nós da “extrema-esquerda-incendiária” pensávamos ser.

Avalio a presença do Eblog no BlogProg como extremamente positiva. Agora, quando criticarmos esse grupo de blogueiros governistas e “chapas brancas”, não poderão mais nos acusar de falar sem conhecimento de causa ou de não termos tentado participar e/ou contribuir. Minha atuação no 2º BlogProg foi crítica como é minha atuação no mundo, mas contribuí na discussão, mediei uma mesa, apresentei propostas e mesmo sendo um tanto quanto ogra, não fui ríspida e nem grosseira com ninguém. Já não posso dizer o mesmo do ministro Paulo Bernardo, que é muito elogiado pelos blogprog por sua paciência, mas, ao se referir aos meus questionamentos foi grosseiro, porque responder mesmo não respondeu. Mas deve fazer parte, né? Num evento promovido por blogueiros que apóiam o governo, com palestrantes do governo e financiado por estatais, certamente ele esperava um clima crítico calculado.
Abro um parênteses para a matéria da Folha de São Paulo sobre o 2º BlogProg:

‘Blogueiros progressistas’ pedem regulamentação da mídia

Uma carta redigida ao final do “II Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas” pede novo marco regulatório dos meios de comunicação (conjunto de leis e diretrizes que regulam o funcionamento do setor) e faz ataques à mídia.

O evento, que acaba neste domingo (19), em Brasília, contou com a presença de cerca de 400 pessoas que apoiaram o governo Lula e a eleição de Dilma Rousseff.

“A blogosfera consolidou-se como um espaço fundamental no cenário político brasileiro. É a blogosfera que tem garantido de fato maior pluralidade e diversidade informativas. Tem sido o contraponto às manipulações dos grupos tradicionais de comunicação, cujos interesses são contrários a liberdade de expressão no país”, diz trecho da carta aprovada hoje.

Os blogueiros pedem ainda a divulgação imediata do projeto redigido pelo então ministro Franklin Martins (Secretaria de Comunicação Social na gestão Lula). “Para que ele possa ser apreciado e debatido pela sociedade. Defendemos, por exemplo, que esse marco regulatório contemple o fim da propriedade cruzada dos meios de comunicação no Brasil.”

A abertura do evento, na última sexta-feira (17), contou com a participação de Lula e do ministro Paulo Bernardo (Comunicações), que adotaram o mesmo tom.

(…)

Hoje eles aprovaram que o III encontro acontecerá em maio de 2012, na Bahia. O evento deste ano foi patrocinado pela Petrobras, Fundação Banco do Brasil, Itaipu binacional e governo do Distrito Federal.

(19/06/2011, Maria Clara Cabral, Folha de S. Paulo — LEIA A MATÉRIA COMPLETA AQUI)

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Foi isso. A Folha de São Paulo, embora grande imprensa e distorcedora de fatos como todos nós sabemos e criticamos, dessa vez – e justamente sobre os blogueiros progressistas, sempre tão atingidos e injustiçados – fez um retrato fiel do tal encontro. Fato, e não palavras, é que basta olhar os blogs organizadores, estruturadores, proponentes do encontro, os palestrantes e os patrocinadores para sabermos, politicamente, em que terreno estamos pisando.

Enquanto Lula falava era quase impossível circular pelo auditório

Sobre a presença do ex-presidente Lula no encontro, resumo da seguinte forma: O primeiro (?) presidente a conceder uma coletiva a blogueiros amigos foi ao encontro dos amigos blogueiros massagear o ego dos presentes para que estes amenizassem as críticas à coordenação nacional (isto é, seus amigos). Não há outra explicação. O presidente Lula não disse nada de novo, não fez nenhuma revelação secreta e apenas cutucou o seu ex-ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, agora ministro das Comunicações, que falaria logo depois.

Paulo Henrique Amorim, no sábado pela manhã, se referindo à presença de Lula entre os blogueiros, disse que “foi uma festa muito bonita, mas foi uma festa incompleta”, criticando o presidente Lula que tinha muito mais autoridade que o atual governo, e poderia ter deixado toda essa pauta de reivindicações da blogosfera sobre democratização da comunicação e lei dos meios de comunicação se não resolvida, pelo menos encaminhada.

jornalistas da grande imprensa saem correndo após Lula entrar na sala 'reservada' com alguns 'escolhidos'

Detalhe: Quando Lula se aproximava do encerramento de sua fala, discretamente, Renato Rovai encaminhava pela mão jornalistas “amigos” para a sala atrás da mesa, para onde o ex-presidente iria após terminar sua intervenção. Enquanto Lula falava para “poucos e bons”, os demais jornalistas da grande imprensa corriam para a saída para tentar registrar sua saída ou entrevista. (Eu mesma suprimi esta parte do texto, embora não retire uma linha, para ver se as atenções dos blogueiros progressistas se voltam para as críticas de fundo e não ao “detalhe”. Aqui a prova do “detalhe”.)

De todas as discussões do 2º BlogProg, a mais importante – sem dúvidas – foi “a luta por um novo marco regulatório da comunicação”, no sábado pela manhã com o professor Venício Lima, o jurista Fábio Konder Comparato e a deputada federal Luiza Erundina. Discussão nevrálgica para democratizar a comunicação e que precede todas as demais questões da pauta da blogosfera. Nessa mesa propus que o BlogProg chamasse uma blogagem coletiva ampla, de fôlego, sobre democratização da comunicação. A proposta não foi aprovada na plenária final. Assim como também não se aprovou a moção (queríamos mesmo é que fosse incluído na carta final) de luta pelo fortalecimento do Estado laico e a mesa LGBT enfrentou resistência. Blogosfera progressista? Não. É uma blogosfera governista que ainda não percebeu que é apenas uma gota no oceano da blogosfera. Não consegue e nem tem interesse em incluir blogueiros nerds, culturais, de arte, de cinema, animação, juventude e nem mesmo LGBTs ou feministas. Quanto mais a blogosfera anticapitalista. E aqui vale salientar o exemplo do Blogueiras Feministas que reúne em sua lista de discussão quase 400 mulheres e tem atualmente em torno de 60 colaboradoras que escrevem periodicamente e vão promovendo uma nova forma de blogar, mais solidária, cumulativa, que amplia e incentiva a formação de novos blogs.

Mesa "a luta por um novo marco regulatório da comunicação" com Erundina, Comparato, Cris Rodrigues e Rogério Tomaz Jr. (mediadores) e Venício Lima

O 3º BlogProg será em maio de 2012 em Salvador, Bahia. O lobby do governo baiano nessa edição do blogprog foi simplesmente insuperável e já sabemos que o viés político continuará sendo governista. Pelo menos teremos as mesas LGBT e mulheres, mesmo já sabendo que não fazem parte da macrodiscussão “progressista”.

Por fim, gostaria de salientar um detalhe estranho. Até a véspera do 2º BlogProg Brasília, a coordenação passava a ideia de que estava muito complicado financiar a estrutura toda do encontro e essa foi a desculpa para não ter uma creche no encontro. Eis que na avaliação de um dos coordenadores gerais, Renato Rovai, surge um excedente de R$ 180 mil reais (essa prestação de contas, me  informaram, foi feita na plenária final do 2º BlogProg). Eu vi mulheres que participaram precariamente do encontro porque precisaram levar seus filhos (afinal, era um final de semana) para o BlogProg e outras que deixaram de participar pelo mesmo motivo. Tomar a decisão política de não organizar creche num encontro nacional em pleno 2011 é igual a desprezar a contribuição das mulheres.

Sempre que ouço falar em blogosfera progressista fatalmente associo a blogueiros em sua amplíssima maioria homens, héteros, brancos, apoiadores desse governo pseudoesquerda do PT-PMDB-e-mais-tudo-que-couber-num-mesmo-saco e excludentes.

O Eblog é claro em suas posições: Somos anticapitalistas, antimachistas e antihomofóbicos. Queremos uma blogosfera solidária, ampla, inclusiva, combatente e crítica.

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Nota: O Eblog está assumindo a convocação da blogagem coletiva pela democratização da comunicação.

Nota 2: O blogueiro Eduardo Guimarães — assim como o Sérgio Amadeu e o Marcelo Branco também cobraram de forma mais incisiva uma postura do governo — fez duras críticas ao ministro Paulo Bernardo e foi tratado com a mesma rispidez e desconsideração que eu. Mas é fato que os elogios a minha intervenção que o Edu cita nos seus comentários nesse mesmo texto publicado no Diário Liberdade desde a semana passada, devem ter ficado apenas nos comentários verbais, porque não li isso em lugar algum da blogosfera. Senão, cadê? No mais foi tudo dentro do clima crítico previamente calculado e nem a posição crítica de alguns blogueiros foi capaz de alterar o tom governista do blogprog.


Sobre o governo Dilma, sua defesa cega e os retrocessos que ainda suportaremos

Juro que o governo Dilma Rousseff não me surpreende. Os acordos feitos para elegê-la superando a campanha desleal do bloco PDSB/DEM e as trapalhadas de sua campanha — como a resposta a um spam, que trouxe o aborto para a arena de debates e deu um poder de barganha desmedido à chamada ‘bancada da fé’ — apresentam suas contas agora.

A aprovação do novo Código Florestal, orquestrado nos mínimos detalhes pelo aliado de todas as horas Aldo Rebelo (e os últimos dias provaram que ele não era um aloprado agindo por conta própria desobedecendo à direção nacional do PCdoB, porque todos sabemos que não há essa possibilidade dentro do ninho stalinista) mancomunado com os ruralistas desmatadores, fez acender a luz amarela.

Os escândalos envolvendo o suposto enriquecimento ilícito do ministro Antonio Palocci serviram como desculpa e “suposta” moeda de chantagem num dia para os ruralistas pressionarem Dilma na orientação de voto da base aliada na votação do novo Código Florestal, e no dia seguinte para a bancada da fé pressionar Dilma para vetar a campanha anti-homofobia do MEC para professores e alunos do ensino médio. Eu digo suposta moeda de chantagem porque o fator Palocci não influenciou em nada em nenhum dos dois processos.

Vejamos:

Treze dos dezoito parlamentares que integraram a comissão especial do Código Florestal, da qual Aldo Rebelo era o relator, receberam doações de campanha do agronegócio. Fica meio evidente que essa proporção se repetiu no plenário da Câmara. Por que, então, seria preciso chantegear Dilma com Palocci? Os deputados aprovariam o novo Código Florestal de qualquer jeito.
Após a reunião com a chamada bancada da fé, onde Dilma diz ter assistido os vídeos da campanha antihomofobia — grotescamente apelidada de “kit gay” pelo deputado Jair Bolsonaro –, era visível seu constrangimento. Ver Dilma se referir a “opção sexual” quando já estava ambientada com a expressão “orientação sexual” usada desde a campanha é, para dizer o mínimo, nojento. Ela cedeu à chantagem da bancada da fé que foi cobrar o apoio dado durante a eleição (incluindo aqui a Rede Record do bispo Edir Macedo). Então, de novo, por que chantegear Dilma com Palocci? Sabíamos desde a eleição que essa conta seria cobrada. Mesmo que já durante a campanha tenham sido feitas concessões suficientes, como no compromisso assumido por Dilma em não enviar ao Congresso alterações na legislação sobre aborto.

O bode expiatório, de William Holman Hunt

Palocci — com culpa no cartório ou não — está servindo apenas como o bode expiatório ou como boi de piranha. Estava claro que Dilma continuaria rifando direitos civis em troca de apoio político e seu compromisso verde sempre foi meio pardo — vide a disputa interna ainda durante o governo Lula pelo afrouxamento nas regras para liberação das licenças ambientais para Belo Monte, numa queda de braço com a então ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que depois disso rompeu com o PT e o governo Lula. (Nota: No lugar de Marina, diante de tanto desrespeito e desmoralização pública, teria feito o mesmo. Acho até que ela suportou desmoralização demais e levou à pau e corda um compromisso ambiental que era apenas seu, e não do governo Lula. — As alianças que Marina fez depois disso são problema dela.)

O quadro atual era previsível e, não, não me surpreende. Mas indigna. Não é possível assistir tudo isso calada, passivamente.
A única coisa que ainda me surpreende nisso tudo é a capacidade inesgotável da atual militância petista-lulista-dilmista em aceitar esses absurdos e continuar apoiando Dilma cegamente, passando por cima de qualquer princípio ético ou moral. Colocam em risco seu respeito e credibilidade pessoal ao apoiar um governo hoje conivente e omisso com o desmatamento e com a homofobia. Afora todos os outros absurdos que nem vou citar aqui, ou esse post ficaria muito longo.

A chamada (por mim) Etiqueta Governista Revolution aceita qualquer coisa para defender Dilma, Lula e o governo do PT. Desculpem-me, mas não há como não desconfiar. Se os grandes orquestradores dessa defesa — os que fornecem os argumentos e justificativas e insuflam a EGR quando estão desenxavidos e encolhidos de vergonha — não levam vantagem alguma, começo a duvidar da capacidade mental, do senso crítico, dos que saem a repetir absurdos que, de tão toscos, parecem surreais. Como a notícia (com ‘pinta’ de notícia plantada) de que Dilma teria assistido vídeos falsos como sendo do tal “kit gay” e só por isso os teria vetado, ou ainda que Dilma vetará artigo do novo Código Florestal que anistia os desmatadores.  ô_Ô

A orientação da vez é criticar o bode Palocci para salvar, blindar, Dilma. Uau! Estratégia genial e nunca antes na história desse país usada.

Para quem prefere continuar colocando sua biografia e credibilidade em risco apoiando esse governo que nos fixa na idade média e ainda nos coloca a reboque dos EUA, em nome de uma pseudo santidade petista-lulista-dilmista, e ainda ficar repetindo como zumbis que é tudo culpa do PIG, fiquem com deus no seu sossego. Mas lembrem-se que apoio tem limite e a história cobrará de vós suas atitudes e omissões.

Para quem está revoltado e indignado e como eu percebe que a esquerda-que-a-direita-gosta de verdade é Lula (apoiado incondicionalmente por Eike Batista), Dilma, Palocci (defendido por Paulo Maluf), Aldo (elogiado por ACM Neto) e cia, convoco: Manifeste todo o seu descontentamento sem medo! O governo Dilma não está em disputa, mas precisa ser tensionado à esquerda. Até agora só os canalhas venceram e se nada fizermos, os retrocessos continuarão e em breve nem manifestar opinião poderemos mais. Já basta a patrulha que sofrem nas redes sociais os que ousam criticar…

Durante a campanha foram as mulheres que morrem todos os anos vítimas de abortos mal feitos e os familiares e a memória dos desaparecidos e mortos da ditadura que foram rifados. Agora, de uma tacada só, foram rifados ambientalistas, sem terras e pequenos agricultores e LGBTTTs. Vamos esperar todos os direitos civis serem rifados? Quantos retrocessos ainda suportaremos?
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À luta, enquanto há tempo. À luta!

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O jornalismo deles e o “nosso”

Faz tempo que leio, ouço, vejo críticas à grande imprensa brasileira. Aliás, desde que me entendo por gente, antes mesmo de ser jornalista. De uns tempos para cá, essas críticas vêm acompanhadas de um apelido. Na época em que essa grande imprensa começou a dar voz a um pequeno grupo que sugeria o Fora Lula, no início de 2007 (portanto logo após a eleição que o reconduziu à presidência), o jornalista Paulo Henrique Amorim passou a chamar a grande imprensa de PiG (assim com o i minúsculo para identificar com iG, de onde foi demitido em 2008), Partido da Imprensa Golpista. Nesse post do blog Maria Frô tem uma explicação melhor e mais detalhada sobre o que é PIG, como surgiu, quem usa a expressão e que tipo de prática jornalística caracteriza.

Com o advento das redes sociais que permitem transmissão de informação como Facebook e Twitter, o conceito do PIG foi tomando corpo e espaço e reverberando. A blogosfera e a chamada imprensa alternativa seriam conceitualmente a antítese do PIG. Conceitualmente. E eu digo seriam porque na prática não são.

Entre as práticas condenáveis do chamado PIG estão a manipulação da informação, manchetes que distorcem o conteúdo das matérias, enfoques privilegiando um dos lados da notícia (e sempre o mesmo lado, a classe dominante e os chamados governos de direita) e em alguns casos o total silêncio, como se o fato simplesmente não estivesse existindo.

Desde sempre discuto o papel do jornalista de esquerda. Como se contrapor a grande imprensa e aos grandes monopólios e ainda sobreviver exercendo dignamente a profissão? Tarefa complicada. Quinta coluna declarada desde sempre e jornalista formada há 13 anos, ainda não encontrei a fórmula. Vendo minha força de trabalho como qualquer trabalhador, produzindo textos em série, em sua ampla maioria fúteis, para ter o direito de blogar e exercer meu jornalismo livre e marginal. É isso ou trabalhar para o PIG, como faz PHA e muitos dos blogueiros críticos ao “jornalixo” ou “jornalismo canalha“. Não me imponho a tarefa de me contrapor a grande imprensa. Não tenho estrutura para isso. Sequer tenho câmera fotográfica para exercer o tal “jornalismo cidadão”, mas não me furto de dar minha opinião em assuntos que considero importantes.

Desde a última eleição para presidente – uma das mais violentas e atípicas da história –, vi de um lado a grande imprensa pesando sua balança para o candidato tucano e a blogosfera e a imprensa alternativa (salvo honrosas exceções) pesando sua balança para a candidatura petista.

Trezentos blogueiros se reuniram em São Paulo em agosto do ano passado com uma estrutura nunca antes imaginada para blogueiros alternativos, com a clara e confessa intenção de organizar o contraponto à campanha da grande imprensa na defesa do governo e de sua candidata (Blogueiros Progressistas ou blogprog). Abro um parênteses aqui para dizer que esse fato me incomodou demais. Além de ser um encontro bem pequeno burguês, onde blogueiros marginais que contam moedas para pagar sua conexão não tinham condições de estar, ser de esquerda e não votar em Dilma era considerado crime capital.

Continuarei tomando meu café na caneca do PIG e mostrando a bunda pro povinho da patrulha, da etiqueta governista revolution*

A partir daí começou a patrulha na blogosfera e nas redes. Quem criticasse o governo (perfeito!), Lula (deus!), ou Dilma (santa!) era acusado de ser tucano, de colaborar com a oposição e ou de ser “a esquerda que a direita gosta”. A ordem era ‘defenda o governo acima de qualquer coisa, incluindo a sua consciência crítica‘. O comportamento dessa ‘brigada’ identificada como “onda vermelha” era evangelizador, fundamentalista, e essa ‘guerra santa’ ficou tão violenta que cortei relações com umas 300 pessoas (nem todos blogprog) e deixei de ler blogues que acompanhava há muito tempo. Mais do que isso. Perdi o respeito que nutria por esses cidadãos e profissionais. Até tentei voltar a acompanhar boa parte deles, mas o estrago já estava feito. Eles não perderam o vício da patrulha e estão mesmo vendados, cegos.

No último período surgiu o slogan “O PIG esconde, a gente mostra”, num esforço de cumprir o papel que a grande imprensa se nega – perseguir a verdade com ceticismo e inteligência –, passaram a divulgar notícias que, segundo eles, o PIG não divulga por ser contra seus interesses. Isso na teoria. Numa manhã dessas, um amigo tão cético quanto eu se deu ao trabalho de conferir sete das manchetes citadas no tal slogan. Segundo ele, TODAS estavam publicadas na Folha de São Paulo (vilã mor do PIG junto com a Veja). Ele ainda alfinetou ao final: “Vocês mentem!” Não lembro de alguém tê-lo contestado, mas o slogan segue a pleno vapor mostrando matérias que teoricamente o PIG esconde. Mas a Folha publica.

O jornalismo praticado pela maioria dos blogprog e por boa parte da imprensa alternativa é igual ao da grande imprensa. Só mudam os personagens a serem defendidos e atacados. Quero aqui fazer uma ressalva sobre um grande portal, o Vermelho do PCdoB, que por ser veículo de um partido político tem a licença natural de ser ideológico. Quem vai ao vermelho buscar informação, sabe de antemão o viés da notícia. A isso se chama isenção jornalística. Incluo nessa ressalva os blogues que estampam a foto da atual presidenta e aos que tentam honestamente manter a isenção. Aos demais, aconselharia uma leitura que me acompanha desde guria: “A moral deles e a nossa” – León Trotsky. Acrescento que não basta se dizer diferente. É preciso se constituir como diferente nas práticas diárias (se pudessem ler também o conceito de práxis em Gramsci, seria bom) . Reproduzir o péssimo exemplo de jornalismo do PIG só o reforça. E aí cabe a pergunta: Quem é de fato a esquerda que a direita gosta?

Todo socialista sabe (está nos relatos da primeira revolução socialista, a russa) que governo ainda no sistema capitalista é um jogo em disputa, precisa ser tensionado à esquerda porque a direita e a grande imprensa estão combatendo diariamente. Isso na hipótese de termos de fato um governo de esquerda. Atualmente isso é apenas uma crença de militantes fundamentalistas desvairados que querem provar sua hipótese a qualquer custo, engolindo Sarneys, Collors, Calheiros, Cabrals, Kassabs e toda sorte de sapos, cobras e outros animais peçonhentos que enfiam nas suas goelas e nas de outrem.

Crítica e auto crítica são fundamentais para manter o prumo, para se manter no caminho certo. Se for apenas um jogo de poder e de se manter nele, tirem as máscaras e parem de usar os termos esquerda, socialista, cidadania, verdade e, inclusive, o PIG. Transformar seus blogues em panfletos de propaganda governista não revela altruísmo ou ativismo abnegado. Apenas levanta suspeitas quanto à manutenção monetária desses veículos. Tal e qual com a grande imprensa, onde quem anuncia é bem tratado na notícia. O problema é que nos blogues e na imprensa alternativa não há anúncios. Quanto mais obscura essa relação, menos crédito dou às defesas inflamadas que tenho lido ultimamente.

Blogueiros gostam de bater no peito e dizer que não abrem espaço para anúncios porque se profissionalizar – ninguém anunciaria em blogues que não sejam atualizados periodicamente – perderiam a característica informal, marginal e porque não se vendem. Ok. Mas vender a consciência crítica tudo bem? A que preço? Ativistas experientes podem mesmo ficar tão cegos e alienados assim?

Atualmente há uma campanha na internet pedindo a saída da ministra da Cultura Ana de Hollanda. Na linha de frente dessa campanha estão velhos camaradas e até ex-funcionários da campanha à presidência de Dilma. A primeira atitude de alguns blogueiros, antes de verificar os argumentos desses seus velhos camaradas, foi tentar desqualificá-los, descontextualizar as críticas e defender o governo – e aqui há um equívoco, porque defender o governo Dilma nesse momento pode passar justamente por pedir a substituição de Ana de Hollanda –. Ou é muita miopia política ou talvez a tese hipotética de financiamento governista de alguns blogues não seja infundada. Vejam bem, eu disse “alguns blogues”. Existem centenas de pequenos blogueiros que fazem a defesa do governo Dilma na base do “amor”. Mundo injusto esse, não?

Só uma constatação: O que se faz na maioria dos blogues e da imprensa alternativa deste país é tão anti-jornalismo quanto o que se faz na grande imprensa. É o roto falando do esfarrapado. Talvez por isso a grande imprensa não se sinta ameaçada pelo blogprog. Ser de direita não é necessariamente ser burro ou cego, né? Tal e qual ser de esquerda não garante neurônios ágeis, razão ou ética.
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Sujestão de leitura: Sobre ser jornalista…
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* A etiqueta governista revolution é a definição para a brigada virtual de militantes sempre prontos a defender o governo petista, não importando qual a crítica ou argumento. Mesmo defendendo um governo que não pode ser classificado como esquerda, eles se sentem vanguarda da revolução socialista, que não aconteceu no Brasil (é bom lembrar). O termo é proposital e debochadamente contraditório, autoria da publicitária cearense Mayara Rocha.
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Os homens são todos ogros?

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Quem dera todos os ogros da vida real fossem como o Shrek...

Crimes de gênero sempre ocorreram no país. Foram eles que motivaram campanhas famosas como “Quem ama não mata” e pela criação de delegacias especializadas Brasil afora. Hoje temos Delegacia de Mulheres nas principais cidades e ainda as Varas Especializadas de Violência Doméstica e uma lei específica sobre esse tipo de crime, a Maria da Penha. Mas mesmo com todas essas medidas e “estrutura” do Estado para combater ou prevenir a violência contra a mulher, os casos vem aumentando assustadoramente. O mais terrível é que eles aumentam entre os jovens. Ex-namorados, amantes e maridos (inclusive jogadores de futebol famosos) por qualquer desavença, disputa matam. Simples assim. O motivo mais comum é posse. Homens acham, em pleno século XXI, que mulheres são coisas das quais podem se apropriar e dispor como quiserem e na hora que melhor lhes aprouver. É o famoso “se não for minha, não será de nenhum outro”.

Assim foram os casos de Eloá Cristina Pimentel – a menina de 15 anos, sequestrada pelo ex-namorado Lindemberg Fernandes Alves. Maria Islaine de Morais, cabeleireira de 31 anos, morta a tiros, dentro do salão de beleza onde trabalhava, em Belo Horizonte pelo ex-marido Fábio Willian Soares. E os casos mais recentes ainda não solucionados da advogada Mércia Nakashima, em que o principal suspeito é o ex-namorado Mizael Bispo de Souza – o caso tem indícios de crime de gênero -, e Eliza Samúdio, desaparecida, ex-amante do goleiro Bruno Souza do Flamengo – que foi indiciado por sequestro, cárcere privado, agressão, aborto (apesar da gravidez ter continuado) e ameaça -, principal suspeito pelo desaparecimento.

Somam-se a esses casos os de estupro, que servem – além do abuso – como ‘desonra’, humilhação e vingança. Assim é o caso do estupro de uma menina de 14 anos por três colegas da mesma idade. Entre os suspeitos estão o filho do diretor da RBS Santa Catarina e o filho de um delegado. Todos de classe média alta, alunos do Colégio Catarinense em Florianópolis.

Os dois primeiros casos citados, os culpados estão presos. Eram trabalhadores, pobres e não são famosos. As chances da justiça ser feita e os culpados serem condenados pelos últimos crimes citados são mínimas. São todos de classe média alta e/ou famosos. No caso do estupro em Santa Catarina são todos menores (no máximo cumprirão penas sócioeducativas, no caso de serem mesmo culpados e, comprovada a culpa, julgados e condenados) e duas pontas do caso estão comprometidas, polícia e imprensa.

Citei os casos com os nomes das vítimas e dos culpados e suspeitos para que não esqueçamos deles. E para concluir, duas coisas: 1) não basta ter leis e essa falsa estrutura criada pelo Estado para combater a violência de gênero se não forem feitas campanha sócioeducativas e campanhas preventivas; 2) a impunidade é o principal incentivo ao crime, principalmente quando ela pode ser comprada.

Não adianta a Lei Maria da Penha se o judiciário é composto em sua ampla maioria por homens que ainda falam em crimes que se justificam pela honra e ainda citam o conceito de “mulher honesta”. Tenho pra mim que a Lei Maria da Penha fez o machismo dos juízes sair das sombras e se explicitar nas sentenças de habeas corpus e de abrandamento de sua aplicação, na hora de ditar as sentenças. Bom mote para uma investigação jornalística aprofundada.

Resta perguntar: Os homens só sabem se comportar como ogros? Para que tanta tecnologia e conhecimento se ainda se comportam como no tempo das cavernas? E para que as mulheres evoluíram, avançaram tanto se os homens são incapazes de acompanhar e respondem a essa evolução com violência? Seria bom para a humanidade encontrarmos essas respostas bem rápido.

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Democracia à brasileira II

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Anteontem tive a inspiração que me faltava para escrever o segundo texto da série sobre democracia. Faltava um elo de ligação com um fato real. Esse fato foi a entrevista (sic) da ex-ministra da Casa Civil e candidata à Presidência da República Dilma Roussef, ao José Luiz Datena na Rede Bandeirantes. A entrevista (sic) e sua repercussão (ou não-repercussão) trouxeram à tona o conceito geral que temos, na prática, sobre democracia, imprensa livre e independente e ética. Confesso que estou chocada. Acreditava estar cercada, ao menos virtualmente, de pessoas esclarecidas e bem posicionadas. No geral, são. Mas é preciso se dar conta que democracia não é futebol nem religião, e é um terreno onde não cabem fanatismos. Sob pena de perdermos nosso ceticismo, consciência crítica e passarmos a ver os fatos de forma distorcida, embaçada.

Eu pensei que fosse consenso entre os “meus” que os fins não justificam os meios (preciso lembrar de Stalin, Mao Tse Tung e de todo o Leste Europeu???) e que nos diferenciamos dos canalhas não na ideologia – que cada um tem a sua e tem esse direito, inclusive de achar que a sua é a melhor -, mas na prática, na ética dos atos diários, na chamada práxis (teoria praticada ou a ação prática da teoria).

Não quero apenas que todos tenham direitos básicos respeitados como alimentação, moradia, educação, saúde, transporte, lazer, cultura e informação. Quero um mundo igualitário, justo, ético e com condições equivalentes para todos. Isso tudo, assim, sem conceituar tecnicamente, é o que considero democracia.

Me ocorre um questionamento acerca da entrevista citada: Quando foi que a Band ou o Datena declararam apoio formal ao governo Lula ou a candidatura de Dilma Roussef? Até bem poucos dias, alguns antes da entrevista do presidente Lula ao programa Canal Livre, a Band fazia parte do que o Paulo Henrique Amorim chama de PiG (Partido da Imprensa Golpista). Deixou de ser?

Se considerarmos a hipótese da Rede Bandeirantes estar declarando seu apoio a um partido ou candidato, esse é um dia a ser comemorado no Brasil tanto quanto a Inconfidência Mineira ou a Independência. Uma empresa de comunicação assumindo pública e honestamente suas preferências políticas no Brasil, abriria um precedente salutar e fundamental para a construção de uma democracia sólida e real.

Se não for nada disso, preparem-se! Está aberto um precedente negativo e perigoso nessa campanha eleitoral – na prática já em curso e que, prevejo, será uma das mais repugnantes que já tivemos de presenciar. Os demais veículos se sentirão ‘autorizados’ a fazer o mesmo com os demais candidatos e será um salve-se quem puder.

Aí, eu quero saber: Como os “meus” reagirão? Como essa chamada imprensa alternativa, que tanto critica o comportamento da grande imprensa e o “mau jornalismo” que fazem (até agora com razão), irá reagir? E com que moral irão levantar suas vozes?

Em meio as minhas reclamações solitárias durante e após a entrevista (sic), alguém chegou a justificá-la, como se ela estivesse “equilibrando o jogo”. Desculpem-me, mas dois pesos e duas medidas a mim não servem. O que se viu na Band no último dia 21 não é jornalismo nem aqui e nem na China deve ser (piada tosca). Que dirá jornalismo independente!

Cuidado, blogueiros! Aceitar o jornalismo venal, tendencioso e subserviente só porque está momentaneamente favorecendo o seu candidato, partido ou ideologia, é aceitar que ética e justiça sejam apenas palavras vazias, sem significado, em discursos longos e falsos.

Não basta não sermos canalhas, precisamos provar que não somos nas nossas atitudes cotidianas.

Não basta criticar o mau jornalismo da grande imprensa. É preciso fazer o bom jornalismo, mesmo que para poucos ouvintes. Se não servir para mudar o jornalismo que se faz no país, servirá pelo menos para mantermos nossas consciências tranquilas. Se não houver consciência a ser tranquilizada, é porque, como já disse o Belchior, “eles venceram e o sinal está fechado pra nós, que somos jovens”… (ouça)

(Se estivesse no tuíter, diria agora #prontodesabafei)

Leia também Democracia à brasileira I



Vento Negro é surreal

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capa do primeiro LP de 1975 - clique na imagem para assistir um clipe do grupo na Globo, em PB

Essa madrugada estava conversando com uma amiga publicitária lá de Fortaleza e em meio aos papos pessoais, acabei comentando com ela a música que estava ouvindo e mandei o link para que ela ouvisse também. A música: Vento Negro, de 1975, do extinto grupo Almôndegas – grupo pelotense, precursor da dupla Kleiton & Kledir. A versão que estava ouvindo era ainda mais especial por ser uma gravação amadora num show dos irmãos Ramil no Theatro Guarany aqui em Satolep, com as participações do caçula Vitor e do Quico Castro Neves, vocal original da música no Almôndegas.

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Para quem nunca ouviu falar, Vento Negro está para o Rio Grande do Sul como Andança está para o resto do Brasil. É a música mais tocada em rodas de viola e é a primeira a ser ‘tirada’ quando se aprende a tocar violão. Ou pelo menos era. É uma música significativa, bonita demais, nativista misturada à MPB, e lançada em plena ditadura, cantada por um grupo vocal e musicalmente muito competente. Confira a letra. Era o início da chamada Música Popular Gaúcha.
Mas porque estou falando de Vento Negro? Acreditem, ela é uma composição do agora ex-prefeito de Porto Alegre e candidato ao governo do RS pelo PMDB, José Fogaça. O mesmo hoje envolvido num escândalo de corrupção que envolve o Instituto Sollus e a prefeitura da capital gaúcha e que teve neste final de semana a quebra dos sigilos bancário e fiscal autorizada pela Justiça.
Alguém viu ou ouviu a notícia ser amplamente explorada pela imprensa gaúcha? Pois a notícia foi, sim, veiculada no Grupo RBS. O jornal Zero Hora Online publicou no início da madrugada de sábado, quando – todos sabemos – há uma audiência monstra (sic) e acompanhada da palavra mágica “suposta” estrategicamente já no subtítulo da matéria.
Não bastasse a clara amenização do fato pela imprensa, o tal Caso Sollus ainda envolve um crime. O ex-secretário de saúde de Porto Alegre, Eliseu Santos (PTB), foi assassinado na véspera de seu depoimento na Polícia Federal sobre o caso. Crime ainda não esclarecido, onde a imprensa finge que não vê os erros grotescos da investigação e onde a polícia gaúcha se apressou em “explicar” o caso como latrocínio. (Leia mais sobre o caso Eliseu Santos aqui e aqui)

o Fogaça da época de Vento Negro

Tudo muito estranho. Tão estranho quanto o José Fogaça um dia ter composto uma canção tão linda que termina com os versos:

“Não creio em paz sem divisão
De tanto amor que eu espalhei
Em cada céu em cada chão
Minha alma lá deixei”

Não parece surreal? Fato é que o Fogaça de hoje não é mais o mesmo que escreveu estes versos. E tomara que os irmãos Ramil percebam isso logo. É doloroso vê-los apoiar Fogaça a cada eleição como se ele ainda fosse o mesmo de Vento Negro.

Meu desejo mais sincero e profundo está nos versos do refrão dessa música: “Um vento forte se erguerá arrastando o que houver no chão” e levando embora os velhos hábitos da política e essa ‘tendência natural’ de direitização do passar do tempo.


Democracia à brasileira I

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Tropa de Choque cercou as ruas da região do Palácio dos Bandeirantes, centro de SP, e atacou professores com bombas de efeito moral e balas de borracha - sexta-feira, 26/03/2010

Parece absurdo. O Brasil superou – teoricamente – o periodo colonial, a monarquia, a escravidão, o entra e sai em períodos ditatoriais na recente república (basta verificar os períodos de ilegalidade do Partido Comunista) e o tema democracia ainda é tão controverso até mesmo em discussões entre os que dizem defendê-la. Talvez pela falta de vivência. Pelo menos é o que dizem os especialistas ao justificar a falta de interesse do povo por política e o abuso dos representantes eleitos para os parlamentos e executivos: “ainda estamos engatinhando na democracia”, repetem em suas análises. Mas se é algo tão novo, não deveríamos estar muito interessados, quase eufóricos, em termos finalmente democracia e o tão propalado estado democrático de direito?

Falta apenas esclarecer que democracia é essa, que direitos são esses e explicar o motivo de tamanha apatia e desânimo no seu exercício.

Se pegarmos como exemplo as manifestações públicas nos últimos anos no Rio Grande do Sul, Brasília e mais recentemente em São Paulo (só para citar alguns exemplos), a impressão é que ainda estamos em plena ditadura. O tal estado democrático de direito, que assegura na Constituição a liberdade de expressão, organização e manifestação, é cuspido e desrespeitado ‘democraticamente’ todos os dias, país afora. A desculpa é sempre a mesma: “são baderneiros que insistem em ameaçar a ordem pública”. (Oi?)

Não fosse a presença ostensiva da polícia, que vai até o local das manifestações provocar propositadamente os manifestantes, tenho certeza, nenhum tumulto aconteceria. A polícia diz que precisa estar presente nas manifestações para assegurar a ordem pública, mas na verdade vai para tentar intimidar e, se possível, impedí-las. Ou seja, quem descumpre as regras do estado democrático de direito é o próprio estado, representado pelo seu dirigente local e chefe do aparelho repressor.

Nas recentes manifestações em São Paulo, sejam elas quais forem – do protesto de moradores de regiões alagadas (municipal), à passeata dos professores em greve (estadual), ao passeio de ciclistas nus – wnbr 2010 (mundial) -, foi registrada a presença de policiais disfarçados e infiltrados – a famosa P2 -, e policiais fardados sem identificação, numa clara disposição à repressão, ao confronto e à intimidação.

Quadro montagem com fotos da época da ditadura (esquerda) e atuais (direita). Qual a diferença?

Ao olhar as fotos de manifestações de rua sendo reprimidas na ditadura e agora, além da sinistra sensação de estarmos perdidos no tempo-espaço, a única diferença é o tempo que as separa e a qualidade das imagens. Entre uma e outra, tivemos o período de repressão, a anistia, a lenta-segura-gradual transição do regime militar ao democrático, a volta dos partidos políticos, dos exilados e das eleições diretas, a promulgação da constituição – uma das mais avançadas do mundo (sic) em Direitos Humanos – e cinco eleições presidenciais.

E o que mudou? Podemos votar e eleger representantes que não estão nem aí para seus representados. Podemos eleger prefeitos, governadores e presidentes que não exitam em usar o aparelho repressor do Estado para defender os seus direitos contra o povo, quando esse decide se organizar para reivindicar os seus. Temos o direito de pagar impostos e de não vê-los retornar em benefícios públicos, como diz a lei. Temos direito a uma péssima assistência em saúde, mesmo sendo o maior sistema de saúde pública do mundo. Temos direito a uma educação sucateada, em escolas caindo aos pedaços e a mercê da violência e do tráfico de drogas, com professores desmotivados e humilhados, tanto nas escolas quanto em praça pública. E temos também direito à habitação digna (outro direito básico), mas nem vou comentar as condições porque descrever as favelas e periferias brasileiras é deprimente. Já basta olhá-las e, principalmente, vivê-las todos os dias.

Segundo os dicionários da Língua Portuguesa, democracia é um substantivo feminino, derivado do grego demokratía que significa governo do povo; 1. Governo em que o povo exerce a soberania, direta ou indiretamente; 2. Partido democrático; 3. O povo (em oposição a aristocracia).

Dito isso, falta “apenas” definir o que temos e vivemos no Brasil. Pois só nessa rápida e rasa análise, democracia já sabemos que não é.

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Nota: Esse é o primeiro texto de uma série sobre democracia. Volto ao assunto para tentar analisar o que temos e que democracia queremos ou mesmo se queremos democracia. Aceito sugestões e contribuições para os demais posts da série.
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Feminista em silêncio no 8 de Março

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Meu silêncio neste espaço ontem, Dia Internacional da Mulher, deve ter causado estranheza e talvez até decepção. Também eu estranhei e me decepcionei. Mil ideias, mil imagens, vários textos inacabados e uma angústia por não conseguir concluir um post sequer que passasse o meu sentimento neste dia.
O fato é que tive o pior 8 de Março para uma feminista. Meu dia foi de angústia, sufoco, dupla jornada e vários estresses. A começar pelos malditos parabéns e rosas que tanto tentei evitar através do tuíter e do texto “Dispenso esta rosa!” de Marjorie Rodrigues, socializado por imeiu com alguns amigos.
Terminei o dia maldizendo minha condição de mulher e com o maldito “complexo de cinderela“. Nunca desejei tanto ter alguém que cuide das coisas mais complicadas e resolva os problemas pra mim. Acho que por alguns dias ele permanecerá comigo: o desejo de ser “salva”. Quer pesadelo pior para uma feminista?
Bem, poderia ser pior. Eu poderia querer ser salva por um homem, na forma de um príncipe ou qualquer coisa parecida. Não, não se preocupem que meu caso não é tão grave. Estou aceitando salvamento de qualquer pessoa, independente de sexo, idade, raça ou orientação sexual. Aliás, quero deixar claro que não tem nenhuma conotação sexual nesse desejo de salvamento. É apenas a sensação de fracasso no comando da própria vida e na chefia de tudo.
Sei que o complexo de cinderela é passageiro. Logo recuperarei a consciência crítica e senso do ridículo e voltarei feliz da vida para todos os campos de batalha onde atuo. Até lá, alguém se candidata a me salvar?
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Por que Pimenta com Limão?

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Ontem, duas discussões no Twitter me estressaram. Quem me conhece pessoalmente sabe que não é muito difícil me estressar. A tolerância é um exercício, mas conforme eu consigo esticá-la em algumas coisas, menos sobra em outras. Na verdade são opções minhas não tolerar determinadas coisas por respeito a minha história de vida. Com algumas coisas não quero mais ser tolerante. Vou falar de duas, presentes nas discussões de ontem.
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Falsa neutralidade

Alguém ainda acredita nesse discursinho furado “não tenho ideologia, tenho opinião”? Estou simplesmente saturada desses jornalistas de centro/direita que se julgam acima do bem e do mal e acham que conseguem enganar a todos com suas maravilhosas crônicas críticas a tudo e todos. Suas críticas atacam sempre aos mesmos, mas de vez em quando citam aqueles com quem simpatizam para ‘provar’ sua “neutralidade”, “isenção” e “ética”. (Com licença, fui ali vomitar e já volto!)

Eles julgam nós da esquerda como histéricos. Como se histeria fosse privilégio de apenas um dos extremos. Mas o que dizer desse ex-coronel citado na crônica de Marcelo Rubens Paiva? Não é histeria achar que comunistas “comem crianças e que são o mal encarnado na Terra”?

Os falsos neutros não sabem, mas servem como arma no jogo sujo da direita, para quem ainda identifica as trágicas experiências do socialismo autoritário e burocrático do Leste Europeu com a teoria de Marx. É comunista? Não presta. E para quem acha esse tema superado, prestem atenção no discurso atual da mídia, onde os defensores do PNDH-3 são classificados como subversivos perigosos.

Foi Max Weber quem disse – e não Karl Marx – “Quem se declara neutro já se decidiu, mesmo sem saber, pelo lado mais forte”. Não se encaixa como uma luva no caso dos falsos neutros?

Machismo dissimulado

Nesses tempos chatos onde prevalece o ‘politicamente correto’ e onde as pessoas escondem o que realmente pensam para não serem crucificadas em praça pública, os preconceitos são todos varridos para debaixo do tapete. Vez ou outra afloram, como no caso de Boris Casoy. É como manter uma mola encolhida.

A direita finalmente está perdendo a vergonha e colocando a cara na janela, mas os machistas e os racistas cada vez se escondem mais. Duas leis em vigor no Brasil, necessárias para coibir os abusos cometidos contra mulheres e negros, contribuem pra isso: Lei Maria da Penha e a Lei Caó(*), que combatem as agressões mais grotescas mas só fazem o preconceito aumentar. É como se os racistas e machistas ficassem com raiva por terem seus instintos reprimidos.

Mas quero mesmo é falar daquele machismo embutido em todas as relações e que afloram na forma de pequenas grosserias no dia a dia. Ontem, ao reclamar da chatice de uma discussão teórica que não levaria ninguém a lugar nenhum – ou seja, aquelas velhas discussões sobre o “sexo dos anjos” -, li um sintomático: “Basta não ler se não quiseres”. Simples assim. O detalhe é que essa discussão era no Twitter, onde não ler ou não escrever é ficar de fora de uma discussão.

Entenderam? O macho em questão (talvez não tenha se dado conta, considero também que possa ser um simples caso de reprodução automática) me disse com outras palavras para cair fora da discussão e parar de perturbar. Já ouvi a mesma coisa, nas mais variadas formas, centenas de vezes em longos anos de militância. Não admito mais esse tipo de grosseria comigo e não gasto meu tempo discutindo com pessoas capazes desse tipo de coisa. Simples assim.

Os dois casos de estresse de ontem resultaram em “unfollow” sumário. Deixei de seguir os perfis dos dois cidadãos no Twitter, o “falso neutro” e o “macho alfa que tenta ganhar discussão falando grosso”. Isso mesmo, sou radical.

Sempre me perguntam porque meu blog pessoal se chama Pimenta com Limão. Alguma dúvida ainda?

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(*) A Lei Caó é de 1989, de autoria do deputado constituinte Carlos Alberto de Oliveira (PDT-RJ), e classificou os crimes de racismo como inafiançáveis e imprescritíveis. Em 1997, a Lei n.º 9.459 previu as penalizações e por isso muitas pessoas acham que a lei anti-racismo no Brasil só passou a valer a partir desse complemento.

A esperteza de Lula

Esta análise vai no sentido de não ver uma luta justa ser usada como mera manobra eleitoral. Integro uma campanha conjunta com outros blogueiros pela abertura dos arquivos secretos da ditadura, pela punição aos torturadores e defendo o PNDH-3 em sua integralidade, principalmente a Comissão da Verdade – tal como está no texto original do decreto assinado pelo presidente Lula em 21/12/2009

Primeiro fiquei espantada em ver uma Comissão da Verdade – para apurar os crimes cometidos durantes a repressão política – prevista no terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos. Realmente não esperava. Depois veio a tardia repercussão na imprensa (levaram dezoito dias para ler o documento e descobrir como melhor poderiam usá-lo), da direita e dos militares.

Aos poucos, todos os defensores dos Direitos Humanos no país vão levantado a voz para defender uma iniciativa do governo Lula – alguns pela primeira vez em sete anos.

O fato é que o PNDH-3 merece mesmo ser defendido. Além de ser um documento construído democraticamente (fato reconhecido até por tucanos um pouco mais sensatos) ao longo de um ano, foi amplamente negociado com todos os setores do governo. Isso quer dizer que não havia nada no texto final que todos já não soubessem há muito tempo. Essa gritaria toda aponta na direção de interesses obscuros. Obscuros para a maioria da população. Para quem convive com o jogo político brasileiro nada tem de obscuro ou escondido nas intenções da imprensa e da direita, mais uma vez unidas na defesa de torturadores e assassinos contra os “terroristas maus e comunistas”. Basta defender o PNDH-3 para ser imediatamente classificado de subversivo pela cartilha atual da grande imprensa.

Mas – porém, todavia, contudo -, ao ouvir os discursos em defesa do PNDH-3, comecei a duvidar das intenções do governo ao assiná-lo. Quem leu a entrevista, publicada simultaneamente por vários blogs, de Pedro Luiz Maia com Criméia Almeida vai entender onde estou querendo chegar. O presidente Lula, e seu governo, descrito por ela não combinam em nada com o Lula que vimos dois dias atrás defendendo o direito de 140 famílias enterrarem seus mortos.

Então, pergunto: Por que um governo que não fez nada para abrir os arquivos secretos da ditadura, tendo poder para tanto, e investigar onde estão esses “140 cadáveres” (esse números é contestado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos), de repente resolve fazer alguma coisa?

Apesar de estar engajada na luta em defesa do PNDH-3, não esqueço que estamos em ano eleitoral e que o principal objetivo de Lula é fazer da ministra Dilma a sua sucessora. Espero (e quero!) estar enganada mas, olhando melhor o cenário, tudo me parece apenas uma grande sacada estratégica de Lula.

Neste momento em que todos os movimentos sociais do país poderiam estar se aglutinando em torno de uma outra candidatura que defendesse os objetivos da Comissão da Verdade e demais pontos previstos no PNDH, estão dando uma trégua em suas críticas ao presidente e sua candidata. Já cheguei até a ler que ‘se fosse Dilma a presidente, esses arquivos já teriam sido abertos’. É fato também que o governo ganha uma aparência muito mais sedutora e confiável para a esquerda e para os movimentos sociais tendo a grande imprensa, direita, militares e igreja unidos contra ele.

Além disso, estamos às vésperas de mais um Fórum Social Mundial, onde sempre estão presentes representantes dos Direitos Humanos do mundo todo. Com o Brasil prestes a ser julgado na corte criminal interamericana por crimes contra os direitos humanos, seria muito bem-vindo o apoio público manifestado pelas entidades de DH do país, principalmente o apoio das famílias das vítimas dos crimes de DH praticados pelo Estado brasileiro. Não é, não?

Ou Lula é mesmo muito esperto ou eu que estou vendo-o assim.


Domingo de preguiça

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Hoje a preguiça me venceu, confesso. Estou com três artigos rascunhados mentalmente e simplesmente não consegui escrever. Domingo atípico pra mim. Como é o dia da semana que mais detesto, tento passar a maior parte do tempo escrevendo – atividade que me dá imenso prazer -, textos ou a minha mais nova mania: tweetando (ou tuitando – prefiro aportuguesar as expressões).

Dia atípico. Quarenta anos da morte/desaparecimento de Mário Alves sob tortura no DOI-Codi do Rio de Janeiro, a volta do fantasma de Pinochet ao poder no Chile, e uma estreia de Gauchão para esquecer: Pelotas (o mal) x Grêmio (o mal em dobro). Minha torcida quando esses dois se enfrentam é para que percam os dois. Hoje, deu o mal em dobro de virada pra cima do mal. Meio óbvio.

Para terminar a noite, Avatar ganhou o Globo de Ouro de melhor filme. Replicando um tuíte que recebi: “Premiaram homenzinhos azuis em 3D e nerds que cantam. A imprensa estrangeira de Hollywood usa drogas, mano.” Não sei se usam drogas, mas gostaria mesmo de saber o que eles andam comendo e bebendo ultimamente.

A notícia boa do dia ficou por conta do contato com Yoani Sánchez, finalmente estabelecido. Como anunciei num texto (Liberdade de expressão e os Y’s cubanos) no final de dezembro, entrevistarei a ela e a Yohandry Fontana. Yoani é uma blogueira cubana premiada e famosa no mundo inteiro, ferrenha opositora do governo. Yohandri, médico e jornalista, um dos tantos blogueiros oficiais do país e defensor da revolução cubana. Estou ansiosa por fazer essas entrevistas.

E espero sinceramente acordar sem essa preguiça amanhã.


Das minhas utopias

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Meu amigo Deogar Soares usava este pensamento para definir sua inadaptação: “É como se existisse uma máquina do tempo predeterminando como e quando cada um de nós deve nascer. A hora do indivíduo. No meu caso, a máquina do tempo deve ter tido um crepe e aqui me pôs em hora e lugar errado. Talvez eu fosse pra amanhã. Talvez eu fosse do passado”.

Esse sentimento de não pertencimento a lugar, tempo e espaço me acompanha desde sempre. Me sinto mesmo um extraterrestre e, confesso, não chega a ser esquisito. Tenho até orgulho de sentir essa estranheza tamanha num mundo tão distorcido em valores, tão torpe. Não consigo me conformar que coisas valham mais que pessoas, que dinheiro valha mais que dignidade e menos ainda que provocar dor em outra pessoa, machucar física ou emocionalmente, seja considerado razoável simplesmente para se safar, salvar, manter seu bem-estar ou obter alguma vantagem. Do meu ponto de vista: Que vantagem há em se tornar menos humano?

Nesses dias em que os direitos humanos são a pauta do dia, e fala-se muito em tortura, abuso, morte e desaparecimento como formas de castigo a “subversivos da ordem”, me dou conta de como um simples pensamento, ideia, é capaz de aterrorizar outra pessoa a tal ponto de transformá-la num monstro. Não estou justificando comportamentos, apenas tentando entender – que fique bem claro.

Me ocorrem duas causas: ignorância e intolerância. A ampla maioria das pessoas é incapaz de conviver com a diferença. Certo estou eu e a maneira como vivo. Quem vive, pensa, se comporta de maneira diferente está errado. Admitir que o outro possa estar certo significa estar errado? Só existem duas alternativas? Obviamente que não, mas como desconhecemos as demais, excluímos.

A nossa maior qualidade como humanos é a multiplicidade, a capacidade de sermos muitos e cabermos todos na mesma espécie, na mesma definição de ser. A diversidade de pensamento e o embate civilizado de ideias é a nossa grande chance de crescimento, para não dizer a única. Afinal, que graça tem viver uma vida inteira, 70, 80 anos, se achando o certo, o correto?

A minha utopia maior sempre foi viver num mundo onde eu me sentisse parte dele, confortável – no sentido de bem-estar e não de comodidade. Significa dizer que este mundo seria habitado por pessoas que se esforçariam ao máximo para melhorar, progredir, crescer. E para isso obrigatoriamente interagiriam com os demais, “tudo junto misturado”, convivendo em harmonia, sem fronteiras, classes, fomes ou privações de qualquer ordem. Mas com inquietude e desconforto suficientes para sempre buscar novos caminhos e desafios.

Quero muito? Quero o impossível, quero mágica, sim. Mas por hoje, bastava não sentir essa dor causada por quem não entendeu a dimensão de minhas utopias maiores e me deixou de presente essa menor, não menos necessária.


A Comissão da Verdade, revanchismo e a punição aos torturadores

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Sabem aquela frase do filósofo famoso aquele… Como é mesmo o nome?… Bem, não interessa o nome de quem disse, mas o que disse: “Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”. Concordo em gênero, número e “degrau”! Pode parecer que estou brincando, mas é só uma forma leve de iniciar um assunto muito pesado.

Neste final de semana foi possível observar qual é, de fato, o “problema” do terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos tão combatido e criticado pela direita e seus tentáculos na mídia. O problema é a já famosa Comissão da Verdade, prevista para investigar casos de tortura e desaparecimentos durante a ditadura. O objetivo dos ataques e críticas? Defender os torturadores.

Essa comissão, que pretende jogar luz sobre o momento mais obscuro da história brasileira precisa ser evitada de qualquer maneira por quem tem ‘culpa no cartório’. Revelar quem foram os torturadores e tudo o que foram capazes de fazer pode ser mais punitivo do que a discussão no STF sobre a possibilidade de punição criminal.

A partir da anistia em 1979 – mas mais precisamente a partir de 1985 com a abertura política -, esses monstros voltaram para suas vidas normais e passaram a conviver em sociedade normalmente com aqueles a quem torturaram e com as famílias daqueles a quem mataram e desapareceram. Hoje posam de cidadãos honestos, pais de família honrados e horrorizados com a violência dos grandes centros urbanos, cumpridores da lei e de seus deveres, e pasmem, defensores da democracia.

Eles engrossam o caldo daqueles que, neste momento, se tornaram os paladinos da democracia e da liberdade de expressão diante do “golpe branco comunista do PT, que quer calar a imprensa e extinguir a propriedade privada”. Se não fosse trágico, seria cômico. Primeiro porque o PT jamais foi comunista e o Lula, todos estão podendo ver no filme que conta a sua vida que, também não é nem nunca quis ser. Segundo, porque um governo com quase 80% de aprovação não precisa de golpe algum (“vamo combiná!”)

Quero a Comissão da Verdade. Quero saber quem são os torturadores e a lista completa de nomes e crimes. Isso não é revanchismo, é afirmar a democracia sob bases sólidas. Não adianta continuar escondendo essa sujeira embaixo do tapete.

Para aqueles que dizem que se é para rever a Lei da Anistia, que seja revista pra todos, referindo-se ao que chamam de “crimes da esquerda”, é bom lembrar que os mortos, torturados, desaparecidos e exilados foram classificados como “terroristas” pela ditadura, não que o fossem. E esses terríveis subversivos já tiveram seus rostos estampados país afora, já foram caçados e punidos o suficiente (e INJUSTAMENTE!), e todo o país conhece a lista dos malfeitores que pegaram em armas contra a ditadura. Essa história não tem dois lados como alguns gostam de polemizar. Não houve confronto, houve massacre.

charge de Luiz G. em 29 de julho de 1979

A Lei da Anistia pode e deve ser revista, sim. Ela é o resultado possível, o único acordo que os militares e torturadores aceitaram depois de terem assegurada sua impunidade. Ou seja, os torturadores se auto anistiaram. Querem comparar os crimes cometidos pelo Estado com as ações dos grupos que se opuseram à ditadura? Será de novo um massacre e de novo os militares ganharão. Só que a vitória dessa vez terá gosto de derrota.

Temos direito à memória, à verdade e à justiça. É esse direito que a Comissão da Verdade prevista no PNDH-3 quer garantir, e que, assim como a Lei da Anistia, foi amplamente negociado com todos os setores do governo, incluindo o Ministério da Defesa, do Sr. Nelson Jobim. Se tem alguém querendo dar um golpe nesse caso, é ele juntamente com os militares torturadores que querem continuar nas sombras e impunes.

Pior do que matar e torturar em nome do Estado, é defender torturadores e assassinos em nome da democracia.

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Leia mais sobre o assunto:

Por uma Comissão da Mentira! por Marco Weissheimer, no RS Urgente