Arquivo da tag: ton noise

Não se constrói uma democracia plena com tantas ossadas escondidas dentro do armário

BLOGAGEM COLETIVA PELA ABERTURA DOS ARQUIVOS DA DITADURA

Assim que iniciamos a blogagem coletiva pela abertura dos arquivos da ditadura, no dia 30 de janeiro, fui informada da morte do pai do desaparecido político Sérgio Landulfo Furtado. Naquela hora tive a certeza de estar fazendo a coisa certa. Essa questão dos desaparecimentos forçados – tática torpe usada exclusivamente contra comunistas com o intuito de desmoralizar e não permitir virarem heróis, vide exemplos de mitos como Che, Zapata, entre outros – sempre me mobilizou sem mais ou maiores justificativas. Só sei que dói demais ler, ouvir e assistir relatos a respeito. Mas desde que conheci pessoalmente a Criméia Almeida (ex-guerrilheira do Araguaia, presa e torturada grávida e ex-companheira de André Grabois) e Suzana Lisbôa (ex-militante da ALN e viúva de Luiz Eurico Tejera Lisbôa* – uma das ossadas encontrada na Vala de Perus, São Paulo, no final da década de 80) e ouvi seus argumentos, percebendo a mágoa com a chamada esquerda que chegou ao poder e esqueceu os ativistas que tombaram lutando contra a ditadura, e o seu justo sentido de justiça – redundante assim mesmo -, essa luta ganhou outro significado para mim.
Além de ser capaz de me indignar e comover frente a qualquer injustiça, me comovo diante da dor do luto inacabo dessas pessoas. A Criméia e a Suzana são ainda ativistas da esquerda, sabem pelo que lutaram e lutam. Mas boa parte dos familiares dos desaparecidos nunca foi comunista. Eles foram atropelados por essa prática torpe do desaparecimento forçado de seus entes e são torturados ininterruptamente há 30, 35, 40 anos. Essa semana a revista Caros Amigos divulgou a notícia que o primeiro desaparecido do regime militar brasileiro (1964-1985) poderá, finalmente, ter seus restos encontrados quase 42 anos depois.
O fato de Suzana e Criméia serem ativistas não torna menos grave, violenta ou castradora a ação da ditadura em suas vidas. Nem justifica. Mas ousar enfrentar um inimigo tão imenso e cruel quando seria mais fácil calar e acomodar-se, tem um preço alto. Ser ativista é tomar a decisão de preferir pagar esse preço a resignar-se ou colocar-se apenas no papel de vítima. Vítimas todos nós brasileiros fomos/somos da ditadura. O que diferencia uns dos outros, durante os anos de enfrentamento da ditadura ou agora, é a mesma coisa: CORAGEM!
Alguns tem a coragem de dizer que o Estado é omisso, covarde e deve desculpas à nação e em especial à 172 famílias que ainda não souberam em que condições morreram seus entes e nem puderam realizar um funeral ou ritual de despedida; e que esse governo, tanto quanto o de Lula ou FHC, está sendo conivente com a tortura, morte e desaparecimento sofridos por milhares de cidadãos durante a ditadura – os militares falavam em nome do Estado brasileiro. Os demais fazem o jogo do contente e justificam tudo em nome da maldita governabilidade.
Não adianta a presidenta Dilma ir a Buenas Aires abraçar as Mães e Avós da Praça de Maio ou convidar suas ex-companheiras de cárcere para assistir a sua posse em Brasília. Tudo isso é muito simbólico mas não passa de simbolismo com efeito prático nulo. A hora de pressionar o governo é agora. Ou os torturadores morrerão na paz de seus lares de cidadãos de bem (sic), sem que ninguém tenha lhes apontado o dedo chamando-os pelo que são de fato e os familiares dos mortos e desaparecidos morrerão na agonia dessa tortura continuada e infinita.
.
Para que mais nenhuma mãe/pai morra sem saber o fim que a ditadura militar e o Estado brasileiro deram ao seu filho/a, que os arquivos secretos sejam reclassificados como públicos já e que seus torturadores e assassinos sejam identificados e punidos.
.
Afinal, não se constrói uma democracia plena com tantas ossadas escondidas dentro do armário.
.
Onde está O SEU senso de justiça???
.
#desarquivandoBR
.
* Luiz Eurico era irmão mais velho do músico gaúcho Nei Lisboa (Nei Tejera Lisbôa)


Desarquivando o Brasil

PROPOSTA DE BLOGAGEM COLETIVA
.
Há um ano fiz uma proposta de blogagem coletiva pela abertura dos arquivos da ditadura e pela punição dos torturadores. Na época, tinha uma entrevista pronta com representantes dos familiares de mortos e desaparecidos – Verdade e Justiça, com Criméia Almeida e Suzana Lisbôa – e a ofereci para ser publicada ao mesmo tempo por vários blogues. Era inexperiente como blogueira e tuiteira e tinha poucos contatos, mas mesmo assim consegui que dezoito blogues publicassem a entrevista e outros tantos publicaram os banners da campanha.
Mas um fantasma nos rondava. Muitos tiveram medo de entrar mais fundo na campanha e produzir também textos próprios porque temiam que a direita usasse contra a candidata do governo Lula (que optou por manter o sigilo dos arquivos), que é ex-guerrilheira e foi torturada, etc. Dilma Rousseff venceu as eleições legitimamente e agora é governo. Não há mais disputas e nem desculpas para não abraçar essa causa. Ela é justa, justíssima.
A Corte dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) reconheceu a importância de se identificar e punir os torturadores da Ditadura Militar, decidindo que a manutenção da Lei da Anistia fere acordos internacionais assinados pelo Brasil. Mas, infelizmente, o governo brasileiro segue ignorando a decisão.
Enquanto isto, o Supremo Tribunal Federal (STF) permanece na mais completa imobilidade e não dá mostras de que, ao menos pela via judicial, a decisão da OEA será respeitada. O Brasil, desta forma, caminha para se tornar um país criminoso, que não respeita as decisões de cortes internacionais superioras.
A tortura está institucionalizada no país porque não é possível punir tortura tendo anistiado os maiores torturadores de nossa história e nem sequer identificá-los. O Estado precisa investigar o paradeiro dos ainda desaparecidos políticos do regime militar. Paradeiro dos restos mortais dos desaparecidos porque a mim não convence essa papagaiada de guerrilheiros poupados por torturadores carrascos vivendo por aí com medo e identidades falsas.
O Brasil é o país mais atrasado da América Latina com a revisão de seu passado e sua história. A Argentina julgou e condenou só no ano passado 89 repressores de sua ditadura, além de já ter ordenado a abertura dos arquivos secretos e já possuir um museu da memória do período da repressão. Chile e Uruguai também, com algumas pequenas diferenças. Mas todos foram de encontro ao passado sem medo.
Iniciativas que visavam a criação de uma Comissão da Verdade, a revisão da Lei da Anistia e a punição dos torturadores – todas parte do Terceiro Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH3) – foram paulatinamente esvaziadas, empurradas para debaixo do tapete e esquecidas. A secretária de Direitos Humanos, Maria do Rosário, se limitou a defender uma Comissão da Verdade sem punições, mas baseada no “entendimento” entre torturadores e vítimas.
Já passou da hora do Estado brasileiro vir a público e pedir desculpas junto com as Forças Armadas pelas atrocidades cometidas e pelos anos de censura, medo e tolhimento da liberdade que causaram danos incalculáveis a várias gerações e ao país, que perdeu o rumo de sua evolução histórica natural e a produção cultural e científica dessas gerações.
Não gostaria de ver mais mães de desaparecidos morrendo sem saber o que o Estado brasileiro fez com seus filhos, sem enterrar seus restos mortais, acabarem seu luto continuado de quatro décadas e sem receberem um pedido de desculpas oficial. O Brasil precisa conhecer a história dessas pessoas.
A proposta de blogagem coletiva consiste em aderir a campanha produzindo um post inédito (enfoques político, jurídico, direitos humanos, cidadania, histórico,… Escolham!) até o dia 10 de fevereiro usando essa charge feita pelo quadrinista Ton nOise (@tonoise). Todas as contribuições são bem-vindas. Outros cartuns e charges, textos, entrevistas. Podemos combinar de indicar nos blogs e nas redes sociais todos os posts da blogagem, sempre usando a tag #DesarquivandoBR e citando sempre que possível “desarquivando o Brasil”. Já estou propondo tag, título da campanha para facilitar, mas se alguém pensar em algo melhor é só falar, propor. Serão dez dias de luta pelo desarquivamento do Brasil. Meu objetivo é ver a presidenta Dilma Rousseff reclassificando os arquivos agora ultrassecretos da ditadura militar brasileira como PÚBLICOS.

.
Bóra nessa luta?!?
.

* Texto escrito em parceria com Raphael Tsavkko.