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Vapor de água

Nasci errada. Não me lembro de um só dia em que tenha me sentido certa, em acordo com o tempo, espaço, outras pessoas. Ser errada me fez rebelde desde cedo. Muitas e intensas dores provocadas e sentidas. Muitos discursos inflamados desde sempre, dedo em riste, críticas muito severas. Sempre errada, errante, errando.

Cresci errada. Na sensação de desamor sempre presente, gritante, aprendi a sonhar demais, querer demais. Me amparava na rebeldia, na luta contra o mundo e contra todos. Versão feminina infanto-juvenil de Don Quixote, solitária, sem Sancho Pança. Continuei errando em cada mísero detalhe. Tanto que os poucos acertos pareciam — e ainda parecem — obra do acaso. Aprendi a amar na ressaca das paixões, no desamor, a acarinhar na carência do toque.

Fui assim, gostando sem saber me fazer gostar e sem ser gostada, na errância. Riso frouxo, debochado, sorriso escasso, aprendi a rir de mim mesma observando o ridículo de todos os meus erros. E foram tantos que só restava rir-me de mim… Vivendo errado procriei errado. Conheci o maior amor errando e nem assim me redimi. Segui errando e errei tanto que fiquei torta, sem conserto.

Passada mais da metade do erro, digo, da vida, sigo errando. Mas como posso ser tão burra e não aprender com os erros? Aprendi. Foi tudo que aprendi nessa vida torta: Errar. Não sei fazer outra coisa. Exibo minha competência e aprendizado diariamente. Quer acertar? Não siga meus passos e vá na direção oposta a minha.

Não me preocupo mais em achar caminhos. Certos ou errados, tanto faz. Trocaria hoje todos os meus sonhos — grandes demais para mim — para me tornar vapor de água e me desfazer aos poucos no ar, sem rastro, sem lembranças aqui, e ir chover noutro lugar.

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