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O livro mais lido, o mais querido e o que me faz lembrar muitas coisas, pessoas e épocas

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Dia 13 — Um livro que te faz lembrar de alguma coisa, um dia

Dia 14 — Um livro que te faz lembrar de alguém

Dia 23 — O livro que você leu mais vezes durante toda a vida

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Não estou fazendo combo e nem burlando o desafio porque me atrasei, é que não há diferença entre o livro dos dias 13, 14 e 23. O livro que me faz lembrar de um dia, uma época, alguma coisa e de alguém, e o livro que mais vezes li na vida é o mesmo. Ele é também o meu livro de cabeceira, o livro que mais vezes dei de presente e o mais querido. Foi uma decisão difícil não o citar no primeiro dia e só não o fiz porque sabia que haveria um dia como esse, triplo, especial. Foram pelo menos trinta exemplares presenteados. Toda vez que o comprava de novo para tê-lo sempre comigo, de novo o presenteava. E assim foram tantas vezes que parei de contar no 25º.

Que livro tão especial é esse pra mim? Cartas a Um Jovem Poeta do tcheco Rainer Maria Rilke. O último exemplar impresso que tive mandei para um amigo de João Pessoa em 2005. E esse último ficou mais tempo comigo justamente porque era emprestado. Que feio, né? Presenteei um livro que não era meu… Achei mais útil compartilhar o Rilke com quem ainda não o conhecia. Pronto, falei.

Cartas a Um Jovem Poeta me foi apresentado por uma amiga muito querida em meados de 1992 e em meio a um turbilhão de coisas que aconteciam ao mesmo tempo na minha vida, o contato com Rilke me fez parar no tempo e no espaço. Sabem aquelas cenas no cinema em que um personagem pára e o mundo segue no seu entorno num efeito meio mágico? Era isso que acontecia naqueles dias de primavera turbulentos cada vez que eu lia aquelas cartas. Desde então, cada vez que encontrava alguém com sensibilidade acentuada, falava do livro e se percebia o interesse — e sempre havia porque eu falava com tanta empolgação que até um insensível iria querer conferir –, o presenteava.

Cartas a Um jovem Poeta reúne as respostas de Rilke a um leitor de suas poesias, Franz Kappus, um jovem de 18 anos que desejava ser escritor e escreveu pedindo-lhe conselhos. Rilke trocou com ele várias cartas (entre fevereiro de 1903 e novembro de 1904 e uma última em dezembro de 1908) e ao invés de falar-lhe em teorias, regras ou práticas da escrita, se concentrou no mundo interior do ser humano por trás da caneta (pena ou teclas) e de onde deve brotar o escritor. Essa viagem de introspecção, de ensimesmação que Rilke propõe a Kappus é tão profunda e intensa que o livro acaba se tornando um elogio à solidão. Atrever-se a escrever só depois desse contato consigo mesmo e de se sentir parte da natureza, quando o ato de escrever se tornasse imprenscindível, visceral. Não é lindo isso? Aliás, o Rilke é conhecido como o poeta da solidão justamente por esse livro. E essa viagem de introspecção proposta por ele serve para qualquer pessoa, mesmo aquelas que não desejam um dia escrever.

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“Não se deixe enganar em sua solidão só porque há algo no senhor que deseja sair dela. Justamente esse desejo o ajudará, caso o senhor o utilize com calma e ponderação, como um instrumento para estender sua solidão por um território mais vasto. As pessoas (com o auxílio de convenções) resolveram tudo da maneira mais fácil e pelo lado mais fácil da facilidade; contudo é evidente que precisamos nos aferrar ao que é difícil; tudo o que vive se aferra ao difícil, tudo na natureza cresce e se defende a seu modo e se constitui em algo próprio a partir de si, procurando existir a qualquer preço e contra toda resistência. Sabemos muito pouco, mas que temos de nos aferrar ao difícil é uma certeza que não nos abandonará. É bom ser solitário, pois a solidão é difícil; o fato de uma coisa ser difícil tem de ser mais um motivo para fazê-la.

Amar também é bom: pois o amor é difícil. Ter amor, de uma pessoa por outra, talvez seja a coisa mais difícil que nos foi dada, a mais extrema, a derradeira prova e provação, o trabalho para o qual qualquer outro trabalho é apenas uma preparação. Por isso as pessoas jovens, iniciantes em tudo, ainda não podem amar: precisam aprender o amor. Com todo o seu ser, com todas as forças reunidas em seu coração solitário, receoso e acelerado, os jovens precisam aprender a amar. Mas o tempo de aprendizado é sempre um longo período de exclusão, de modo que o amor é por muito tempo, ao longo da vida, solidão, isolamento intenso e profundo para quem ama. A princípio o amor não é nada do que se chama ser absorvido, entregar-se e se unir com uma outra pessoa. (Pois o que seria uma união do que não é esclarecido, do inacabado, do desordenado?) O amor constitui uma oportunidade sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo, tornar-se um mundo, tornar-se um mundo para si mesmo por causa de uma outra pessoa; é uma grande exigência para o indivíduo, uma exigência irrestrita, algo que o destaca e o convoca para longe. Apenas neste sentido, como tarefa de trabalhar em si mesmos (“escutar e bater dia e noite”), as pessoas jovens deveriam fazer uso do amor que lhes é dado. A absorção e a entrega e todo tipo de comunhão não são para eles (que ainda precisam economizar e acumular por muito tempo); a comunhão é o passo final, talvez uma meta para a qual a vida humana quase não seja o bastante.”

(Trecho da carta de 14 de maio de 1904)

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Impossível não perceber nas palavras de Rilke um profundo respeito e carinho por seus leitores, não à toa as cartas trocadas com um leitor se tornou seu livro mais conhecido. Cartas a Um Jovem Poeta não é bom por ser conhecido, ele é o livro mais conhecido justamente por ser muito bom.

Ele me lembra amigos muito especiais, pessoas sensíveis com quem tive longas conversas que me marcaram profundamente em diferentes épocas da vida, um amor do tempo da faculdade que ainda guardo com muito carinho (Uia! Pronto, confessei.) e é a minha mais terna e profunda ligação com um livro. Não faço a menor ideia de quantas vezes o li.

Rilke ainda aparecerá pelo menos mais uma vez nesse desafio. 🙂

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Baixe aqui Cartas a Um Jovem Poeta em pdf. Mas aconselho a comprá-lo para tê-lo sempre a mão. A edição normal custa em média R$ 20, 00 e a edição de bolso entre R$ 8,00 e R$ 12,00. A tradução é de Cecília Meireles.

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Estão participando do desafio 30 livros em um mês a Luciana do Eu Sou a Graúna, a Tina do Pergunte ao Pixel, a Renata do As Agruras e as Delícias de Ser, a Rita do Estrada Anil, a Marília do Mulher Alternativa, a Grazi do Opiniões e Livros, a Mayara do Mayroses, a Cláudia do Nem Tão Óbvio Assim, a Juliana do Fina Flor e o Pádua Fernandes de O Palco e o Mundo. E tem mais a Fabiana Nascimento que posta em notas no seu perfil no Facebook. É um jeito outro de conhecer as pessoas através dos livros que as encantaram e encantam. Acompanhe nossa brincadeira.

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