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O racismo que existe em mim

Já contei para vocês que amo-amo-amo a Charô? Para quem não a conhece vou defini-la como alguém que desacomoda, perturba, me tira do eixo. Gosto dela não só pela ~função~ que exerce na minha vida, ela é gostável de graça. Procurem-na. A Charô faz bem.

Hoje ela apareceu no feed de uma das redes sociais que compartilhamos com este pensamento

charô 4set

…que trouxe à tona em mim duas lembranças. A primeira um desconforto imenso ao estar cercada por mais negros que brancos numa festa e a segunda da infância, do Jardim de Infância — minha primeira experiência de sociabilização fora da família, aos 5 anos de idade.

O papel da publicidade e da tevê na construção da cidadania e do imaginário como cidadão são cruciais. Tu vais assistindo peças e novelas que te levam a crer que família de comercial de margarina só pode ser branca, classe média e hétero. Logo, todo o resto é estranho. Novelas — mesmo as que retratam favelas e subúrbios — com elenco quase 100% branco nos levam a crer que esse é o país que temos. Não que sejamos idiotas e acreditemos em tudo que assistimos, falo da construção do imaginário, do subconsciente. A crítica fica aqui, no campo da consciência. O meu imaginário também foi formatado assim.

Primeira lembrança. Um dia, durante a campanha para a prefeitura de Pelotas em 1992 — eu era do PT — uma das escolas de samba da cidade abriu a quadra para a nossa candidata a prefeita e fez uma pequena festa. Fui eu e uma amiga. Na entrada da rua da escola, tínhamos que caminhar umas oito quadras mal iluminadas para chegar, nos abraçamos e “de brincadeira” nos despedimos da “civilização” e seguimos, “corajosas”. Duas brancas, quase frescas, no meio de uma favela (plana, em Pelotas não existe morro) à noite. Olha a construção do imaginário, aí… Chegamos na festa. Bem. Não fomos interpeladas, não ouvimos piadinhas e não estivemos sequer perto de qualquer situação de perigo. Era só o imaginário. o.O

Na festa eu era a única pessoa da minha cor, branco fosforescente. Pensa que eu era ‘atração’? Óbvio que não. Fui super bem tratada. Mas, tinha um incômodo. Ele era só meu. E passei o tempo todo me auto-flagelando e tentando entender o porque de tanto estranhamento e desconforto. Afinal, sempre convivi com negros. Talvez o meu incômodo não fosse pela presença negra, mas pela maioria negra. Sim, sempre convivi com negros, mas sempre em minoria. E aí, não há outro nome para o desconforto a não ser racismo.

Segunda lembrança. Antes, deixa eu contextualizar. Sou filha e neta de proletários. Pai mecânico, filho de um descendente direto de portugueses da Ilha da Madeira e de uma italiana que nunca conheci. Mãe dona de casa, multifuncional, filha de um português e de uma mezo polonesa mezo alemã. Esse pai português da minha mãe era capitão de corveta da Marinha, mas deixou minha avó viúva aos 22 anos. Ela se juntou então com um ferroviário, negro, em 1947. Foi ele que conheci como avô. E embora minha família negasse sua negritude (não faço ideia de como eram capazes disso… ele tinha a pele muito escura e o nariz mais largo que já vi ao vivo na vida — imaginário? eu tinha 6 anos quando ele morreu), diziam que ele era “bugre” — coisas do Rio Grande do Sul…

Devidamente apresentada, minha primeira experiência de sociabilização foi numa escola mantida pelo padre da paróquia, para os filhos dos trabalhadores da comunidade ficarem mais debaixo da asa e dos olhos dos pais. De uma turma de 20, apenas três colegas eram negras. Uma em situação social idêntica a minha. As outras duas era mais pobres, filhas de mãe solteira, netas de uma senhora de “reputação não muito boa”, diziam, e a minha avó as chamava de sarará, o cabelo delas era amarelo. Eu olhava para todos com curiosidade, meninos e meninas. Só tinha um irmão mais velho em casa, a quem idolatrava nessa época. Estranho para mim eram as meninas e eu as observava mais. Aí, que um dia percebi que as duas meninas mais pobres não sentavam com todos na hora da merenda — todos levavam seu lanche de casa. Observei um pouco mais e me dei conta que não se juntavam ao grupo — achei eu — porque não tinha merenda. Eram orientadas em casa a não constranger os demais, não pedir. Ficavam apartadas, com fome, sem nem olhar para o que comíamos. Passei a levar merenda para mim e para elas, dispostas a incluí-las. Não funcionou. Eu acabei me apartando do grupo maior para lanchar com elas.

Um dia, indignada, subi no banco do pátio da escola e fiz discurso pela inclusão das duas gurias. Não funcionou. Elas não se exluíam e auto-excluíam só por serem negras, mas também por serem pobres. No caso, mais pobres que os demais. Segui levando lanche para elas (eu fazia sanduíches de bolacha cream cracker com patê, um pacote inteiro todos os dias — sim, aos 5 anos eu mesma preparava meu lanche), até minha mãe, intrigada de como eu conseguia comer tanto, ir até a escola investigar. A avó das meninas achou linda minha atitude, mas se ofendeu quando minha mãe ofereceu dar os pacotes de bolacha e patê diretamente a ela, para as gurias levarem seu próprio lanche para a escola. Aí, brigaram e tal e coisa, e as gurias foram instruídas a sequer falar comigo e eu idem.

Já me perguntei se não fosse o fato delas não terem merenda se perceberia o apartamento delas e o racismo embutido ali, já que no grande grupo tinha uma negra e era uma das líderes do frege. Também não sei dizer se me indignei mais pelo persistente apartamento delas — já que isso deixou de me incomodar depois — ou pelo fato da minha tentativa de inclusão ter fracassado. Não sei responder.

Nunca me achei imune ao racismo pela minha trajetória e vivências. Cresci entendendo que raça e condição social apartam, criam cisões. NÃO, PERA… O que aparta não é a raça ou a classe, mas o preconceito e sua construção no nosso imaginário. E esse nos acompanha por toda a vida, está impregnado em tudo, em cada ação, atitude, interação. Eu mesma escorreguei hoje, e nessa postagem da Charô que cito lá em cima, fiz um comentário torto, racista. Estava querendo dizer uma coisa, mas disse de uma forma que revelou o racismo que existe em mim. Ao dizer que meu imaginário foi formatado para pensar e agir assim não estou me desculpando, apenas tentando entender de onde vem para melhor combatê-lo. Luta infinda essa. :/

O que me fez perceber que tinha feito um comentário racista? O reli a partir do silêncio da Charô diante dele. Ela não precisou nem bater… Entendem porque a amo tanto? As pessoas que nos fazem sentir bem, confortáveis são necessárias, mas as que nos desacomodam são imprescindíveis, e nos tornam pessoas melhores.


NOTA DE REPÚDIO AO TROTE RACISTA E SEXISTA NA FACULDADE DE DIREITO DA UFMG

A Humanidade, se fosse uma pessoa, envergonhar-se-ia de muita coisa de seu passado; passado este que contém muitos episódios verdadeiramente abjetos. Enquanto humanos, faríamos minucioso inventário moral de nós mesmos; enquanto partícipes do que convencionamos chamar ‘Humanidade’, relacionaríamos todos os grupos ou pessoas que por nossas ações e omissões prejudicamos e nos disporíamos a reparar os danos a eles causados.

Vigiaríamos a nós mesmos, o tempo todo, para que individualmente e enquanto grupo,  não repetíssemos nossos vergonhosos e documentados erros. Pais conscienciosos, ensinaríamos as novas gerações os novos e relevantes valores morais que tem de pautar nossas condutas, palavras e intenções.

Dois desses episódios, chagas profundas e fétidas de nosso passado humano,  são a escravidão e o nazismo. No primeiro, tratamos outros seres humanos como inferiores;  os açoitamos; os forçamos ao trabalho; os ridicularizamos (dizendo que eles eram feios, sujos, burros, seres humanos mal acabados e não evoluídos);  procuramos destruir seus laços com a terra amada, sua cultura, sua língua; dissemos que eles não tinham alma enfim. No segundo não era diferente; mesmas ações, alvos expandidos: pessoas negras, judeus, homossexuais. Todos tratados com o mesmo desrespeito.

O tempo passou e como as chagas permanessem, fizemos um meio-trabalho: criamos leis. Leis como a 7.716/89, que qualifica o crime de racismo e depois a Lei  9.459/97 (que inclui o parágrafo 1 no artigo 20 da já referida Lei 7.716/89, mencionando a fabricação e uso de símbolos nazistas). Infelizmente, nem mesmo a força da lei tem sido suficiente.

O  que vemos é, em toda parte, ressurgirem graves violações dos Direitos Humanos outrora perpetradoss. O que seria motivo de vergonha vem ganhando  espaços públicos, por meio de recursos custeados pelo Estado; um Estado que se auto declara ‘Democrático de Direito’; um Estado que tem como fundamento a DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (inciso III do artigo 1 da Constituição de 1988).

Sim, foi isso mesmo o que você leu: na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alunos do curso de Direito (sim, um curso cujo objetivo é formar profissionais que serão essenciais à Justiça e à defesa desse propalado Estado Democrático de Direito) fizeram um trote onde, sob a desculpa de fazer piada usaram saudações nazistas e representações racistas e sexistas.

A notícia, amplamente divulgada na mídia, vocês PODEM LER AQUI.

Mas não é só: infelizmente nesses últimos meses, tomamos contato com episódios igualmente repulsivos ocorridos em universidades: na Politécnica (Faculdade da Universidade de São Paulo, também mantida com recursos públicos), vimos alunos divulgarem uma gincana, onde uma das ‘provas’ era algo cometer assédio sexual. Aqui outra notícia do mesmo fato.

E isso logo após alunos de uma outra Universidade (também da USP, na cidade de São Carlos), agredirem manifestantes que criticavam um trote que vilipendiava a imagem feminina.

Todas essas condutas, perpetradas por alunos que deveriam estar recebendo instruções aptas a torná-los profissionais e cidadãos mais éticos (afinal, é para isso que todos os cursos contém em suas grades a matéria denominada ‘Ética’), mostram que beiramos a um perigoso retrocesso no quesito ‘Direitos Humanos’.

Sendo os Direitos Humanos imprescritíveis, inalienáveis, irrenunciáveis, invioláveis e universais, efetivos e interdependentes, não pode haver NENHUMA tolerância a qualquer ato ou gesto que os ameaçem.

E é por isso e também por tais atos (perpetrados nas três universidades citadas) constituirem verdadeiro incentivo à propagação de discursos preconceituosos e de ódio, é que os coletivos assinam a presente nota de repúdio, esperando que autoridades constituídas tomem as providências cabíveis para apenar exemplarmente os responsáveis. Leis para isso já existem; mas para que os direitos ganhem efetividade é preciso sua aplicação.

Esperamos também que as pessoas que lerem a presente também façam um reflexão sobre o rumo que nossa Sociedade está tomando. Não queremos o retrocesso. E se você compartilha conosco desse sentimento, dessa vontade de colaborar com a construção de uma Sociedade melhor, não se cale.

Nós somos negros; nós somos mulheres;  nós somos gays; nós somos lésbicas; nós somos transsexuais; somos nordestinos; adeptos de religiões minoritárias. Somos as minorias que diuturnamente temos de conviver com o menoscabo de nossas imagens; com atos que naturalizam a violência;  que criam verdadeira cisão entre Humanos; que reabrem as chagas e as fazem sangrar. E nós não vamos nos calar. O estandarte, escudo e espada emprestaremos da Themis, a deusa da justiça; usaremos a lei e  exigiremos o seu cumprimento.

Aos estudantes de Direito que fizeram uma tal ‘brincadeira’repulsiva, lembramos:

‘Ubi non est justitia, ibi non potest esse jus’  –
Onde não existe justiça não pode haver direito.

trote não

Assinam o presente,


Bolsonaro, Noblat, crime e liberdade de expressão

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Desde a semana passada que o país inteiro só comenta as declarações racistas de Jair Bolsonsaro no programa de humor (duvidoso) CQC da Band, ao responder uma pergunta da Preta Gil. Entre as pessoas que tenho contato virtual repercutiu mal, assim como repercutiu mal para o programa, para a emissora e para o Marcelo Tas de darem espaço a um ultrarreacionário por ser um polemisador e elevar a audiência. Mas com quem converso na rua, trabalho, ônibus – leia-se senso comum – não repercutiu tão mal assim. Essa é a parte assustadora da história. Fato é que Bolsonaro já está no sexto mandato consecutivo como deputado federal pelo Rio de Janeiro e na última eleição obteve em torno de 120 mil votos. Para quem não conhece o “nobre” (sic) deputado, basta olhar o naipe das polêmicas em que se envolve.
Mas Bolsonaro destilar seu preconceito, ódio, homofobia e racismo na tevê ou onde quer que seja não é novidade mais. Os ineditismos nesse episódio são: 1) talvez ele tenha que responder judicialmente pelo que disse já que Preta Gil decidiu processá-lo; 2) 20 parlamentares protocolaram ação na Câmara contra ele e; (3) o jornalista e blogueiro Ricardo Noblat saiu em defesa de Bolsonaro num artigo intitulado “O fascismo do bem” empunhando a bandeira da liberdade de expressão. É esse terceiro que quero comentar.
Desde quando incitar preconceito e crime é liberdade de expressão? O “nobre” (sic) jornalista deve ter ou perdido o pouco de noção e vergonha na cara que lhe restavam ou está de sacanagem mesmo. E como ele citou um fato ocorrido em Pelotas e que envolve nossa fama de cidade gay, não consegui não me manifestar.

Ricardo Noblat

No afã de defender Bolsonaro – sabe-se lá porquê –, Noblat comete dois equívocos. O primeiro de que os petistas teriam se calado diante da piada homofóbica de Lula sobre Pelotas. O tal comentário repercutiu muito mal na campanha e mesmo assim foram criticados abertamente e embora os adversários do então candidato à prefeito Fernando Marroni tivessem (não tenho dúvidas sobre isso) a mesma opinião de Lula sobre os gays e a nossa fama nacional, usaram incansavelmente o vídeo na disputa eleitoral local. Pelotas é uma cidade tão ou mais preconceituosa do que qualquer outra. Tanto que o Movimento LGBT daqui tem dificuldade em conseguir apoio da Secretaria Municipal de Saúde na distribuição de preservativos na nossa Parada Gay ou “Avenida da Diversidade”. Nem Marroni e nem Lula podem ser defendidos nesse episódio relembrado pelo blogueiro oficial d’O Globo. Eles foram homofóbicos, sim. Um ativamente e outro se omitindo. Se os petistas homofóbicos (eles existem) se calaram, os ativistas LGBT cumpriram seu papel. O único ponto em que Noblat acerta é sobre a patrulha petista que usa mesmo dois pesos e duas medidas quando o assunto é o “santo” Lula.
O segundo equívoco de Noblat é quanto ao direito à opinião. Essa liberdade só é possível na democracia se 1) não se cometa crime ao exercê-la e 2) respeite-se a liberdade de opinião do outro. Bolsonaro ofendeu, incitou o crime de racismo e incitou a violência contra homossexuais. Isso no exato momento em que uma pesquisa revela que em 2010 os assassinatos de homossexuais cresceram mais de 30% no Brasil. Claro que Bolsonaro tem o direito à opinião e livre expressão – todos temos – , mas ao cometer um crime no uso dessa liberdade terá que responder judicialmente.
Noblat ainda cita outro comentário de Lula quando o então presidente declarou serem os “louros de olhos azuis” responsáveis pela crise econômica mundial e cita como preconceito. Alguém precisa lembrar ao jonalista/blogueiro que a opressão se caracteriza quando uma classe, gênero, raça, povo, grupo está em clara situação de desvantagem, exploração. Falar em racismo contra brancos de olhos azuis é o mesmo que falar de violência doméstica cometida por mulheres contra homens ou do ataque de homossexuais contra héteros (“heterofobia”?). Deve existir, mas é tão raro que não há como configurar como um problema social.
Durante a ditadura militar eu entenderia um jornalista defender Bolsonaro. Mas em plena “democracia” onde a imprensa goza de ampla liberdade de dizer o que bem entende sobre qualquer pessoa, a posição de Noblat só pode ser classificada de mau-caratismo. Afinal, quando colegas seus foram são demitidos por usarem o tuíter para manifestar suas opiniões – sem ofender ninguém ou incitar crime algum – ele ficou em silêncio e tampouco lembrou ou invocou o direito à liberdade de expressão.
Está explicado porquê Bolsonaro está no sexto mandato e tem 120 mil votos, né?
Noblat não tem moral alguma para criticar os petistas que se calam diante da homofobia de Lula e jogam pedras na homofobia de Bolsonaro. Ele mesmo está agora usando dois pesos e duas medidas. Um comentário distorcido de Dilma Rousseff sobre aborto durante a campanha de 2010 bastou para que ele e a grande imprensa a crucificassem no intuito de prejudicá-la eleitoralmente. A Bolsonaro ‘se dá’ o direito de liberdade de expressão para ser racista e homofóbico. Nojo de tudo isso, viu?

Deveríamos ver na tevê diariamente o seguinte recado: “O Ministério da Saúde adverte: Ler o Blog do Noblat causa problemas estomacais gravíssimos e náuseas”. Quando me perguntarem: “não leste no Blog do Noblat?”, responderei: “não uso drogas pesadas!”
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O mais baixo da escala do caráter

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Antônio Arles
Arlesophia


O Latuff mais uma vez arrebentou. Conseguiu traduzir através de sua arte o mau caratismo do senhor Boris, aquele que é, para todos nós, uma vergonha. Boris é uma figura extremamente preconceituosa, o que fica evidente em seus comentários nos telejornais que apresenta e apresentou. Talvez seja uma das faces mais visíveis desse tipo preconceito existente nas redações por todo país. Agora, mesmo para os que não viam tão evidentemente tal comportamento, a máscara caiu de uma vez. No entanto, o caso Boris é apenas a parte visível deste comportamento. Enquanto tivermos a manutenção dos oligopólios midiáticos teremos sempre esse tipo de preconceito conduzindo a forma de “ver o mundo” traduzida pelas reportagens e opiniões emitidas através desses meios, mesmo que essas sejam revestidas pelos mitos de isenção e imparcialidade.