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Blogueiros Progressistas: Democráticos e horizontais, pero no mucho!

Quando decidimos no Eblog participar do 2º BlogProg em BSB, fomos com a disposição de, além da contribuição óbvia na realização da mesa Mulheres na Blogosfera – que estava sem nomes até quinze dias antes do encontro e fatalmente seria cancelada –, participar de forma assertiva e colaborativa. Embora tenha “brincado” muito nas minhas redes nos dias que antecederam o encontro de que incendiaria/implodiria o BlogProg, fui com o espírito desarmado, disposta a conhecer e, quem sabe até, ser convencida de que o BlogProg não era tão ruim quanto nós da “extrema-esquerda-incendiária” pensávamos ser.

Avalio a presença do Eblog no BlogProg como extremamente positiva. Agora, quando criticarmos esse grupo de blogueiros governistas e “chapas brancas”, não poderão mais nos acusar de falar sem conhecimento de causa ou de não termos tentado participar e/ou contribuir. Minha atuação no 2º BlogProg foi crítica como é minha atuação no mundo, mas contribuí na discussão, mediei uma mesa, apresentei propostas e mesmo sendo um tanto quanto ogra, não fui ríspida e nem grosseira com ninguém. Já não posso dizer o mesmo do ministro Paulo Bernardo, que é muito elogiado pelos blogprog por sua paciência, mas, ao se referir aos meus questionamentos foi grosseiro, porque responder mesmo não respondeu. Mas deve fazer parte, né? Num evento promovido por blogueiros que apóiam o governo, com palestrantes do governo e financiado por estatais, certamente ele esperava um clima crítico calculado.
Abro um parênteses para a matéria da Folha de São Paulo sobre o 2º BlogProg:

‘Blogueiros progressistas’ pedem regulamentação da mídia

Uma carta redigida ao final do “II Encontro Nacional dos Blogueiros Progressistas” pede novo marco regulatório dos meios de comunicação (conjunto de leis e diretrizes que regulam o funcionamento do setor) e faz ataques à mídia.

O evento, que acaba neste domingo (19), em Brasília, contou com a presença de cerca de 400 pessoas que apoiaram o governo Lula e a eleição de Dilma Rousseff.

“A blogosfera consolidou-se como um espaço fundamental no cenário político brasileiro. É a blogosfera que tem garantido de fato maior pluralidade e diversidade informativas. Tem sido o contraponto às manipulações dos grupos tradicionais de comunicação, cujos interesses são contrários a liberdade de expressão no país”, diz trecho da carta aprovada hoje.

Os blogueiros pedem ainda a divulgação imediata do projeto redigido pelo então ministro Franklin Martins (Secretaria de Comunicação Social na gestão Lula). “Para que ele possa ser apreciado e debatido pela sociedade. Defendemos, por exemplo, que esse marco regulatório contemple o fim da propriedade cruzada dos meios de comunicação no Brasil.”

A abertura do evento, na última sexta-feira (17), contou com a participação de Lula e do ministro Paulo Bernardo (Comunicações), que adotaram o mesmo tom.

(…)

Hoje eles aprovaram que o III encontro acontecerá em maio de 2012, na Bahia. O evento deste ano foi patrocinado pela Petrobras, Fundação Banco do Brasil, Itaipu binacional e governo do Distrito Federal.

(19/06/2011, Maria Clara Cabral, Folha de S. Paulo — LEIA A MATÉRIA COMPLETA AQUI)

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Foi isso. A Folha de São Paulo, embora grande imprensa e distorcedora de fatos como todos nós sabemos e criticamos, dessa vez – e justamente sobre os blogueiros progressistas, sempre tão atingidos e injustiçados – fez um retrato fiel do tal encontro. Fato, e não palavras, é que basta olhar os blogs organizadores, estruturadores, proponentes do encontro, os palestrantes e os patrocinadores para sabermos, politicamente, em que terreno estamos pisando.

Enquanto Lula falava era quase impossível circular pelo auditório

Sobre a presença do ex-presidente Lula no encontro, resumo da seguinte forma: O primeiro (?) presidente a conceder uma coletiva a blogueiros amigos foi ao encontro dos amigos blogueiros massagear o ego dos presentes para que estes amenizassem as críticas à coordenação nacional (isto é, seus amigos). Não há outra explicação. O presidente Lula não disse nada de novo, não fez nenhuma revelação secreta e apenas cutucou o seu ex-ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, agora ministro das Comunicações, que falaria logo depois.

Paulo Henrique Amorim, no sábado pela manhã, se referindo à presença de Lula entre os blogueiros, disse que “foi uma festa muito bonita, mas foi uma festa incompleta”, criticando o presidente Lula que tinha muito mais autoridade que o atual governo, e poderia ter deixado toda essa pauta de reivindicações da blogosfera sobre democratização da comunicação e lei dos meios de comunicação se não resolvida, pelo menos encaminhada.

jornalistas da grande imprensa saem correndo após Lula entrar na sala 'reservada' com alguns 'escolhidos'

Detalhe: Quando Lula se aproximava do encerramento de sua fala, discretamente, Renato Rovai encaminhava pela mão jornalistas “amigos” para a sala atrás da mesa, para onde o ex-presidente iria após terminar sua intervenção. Enquanto Lula falava para “poucos e bons”, os demais jornalistas da grande imprensa corriam para a saída para tentar registrar sua saída ou entrevista. (Eu mesma suprimi esta parte do texto, embora não retire uma linha, para ver se as atenções dos blogueiros progressistas se voltam para as críticas de fundo e não ao “detalhe”. Aqui a prova do “detalhe”.)

De todas as discussões do 2º BlogProg, a mais importante – sem dúvidas – foi “a luta por um novo marco regulatório da comunicação”, no sábado pela manhã com o professor Venício Lima, o jurista Fábio Konder Comparato e a deputada federal Luiza Erundina. Discussão nevrálgica para democratizar a comunicação e que precede todas as demais questões da pauta da blogosfera. Nessa mesa propus que o BlogProg chamasse uma blogagem coletiva ampla, de fôlego, sobre democratização da comunicação. A proposta não foi aprovada na plenária final. Assim como também não se aprovou a moção (queríamos mesmo é que fosse incluído na carta final) de luta pelo fortalecimento do Estado laico e a mesa LGBT enfrentou resistência. Blogosfera progressista? Não. É uma blogosfera governista que ainda não percebeu que é apenas uma gota no oceano da blogosfera. Não consegue e nem tem interesse em incluir blogueiros nerds, culturais, de arte, de cinema, animação, juventude e nem mesmo LGBTs ou feministas. Quanto mais a blogosfera anticapitalista. E aqui vale salientar o exemplo do Blogueiras Feministas que reúne em sua lista de discussão quase 400 mulheres e tem atualmente em torno de 60 colaboradoras que escrevem periodicamente e vão promovendo uma nova forma de blogar, mais solidária, cumulativa, que amplia e incentiva a formação de novos blogs.

Mesa "a luta por um novo marco regulatório da comunicação" com Erundina, Comparato, Cris Rodrigues e Rogério Tomaz Jr. (mediadores) e Venício Lima

O 3º BlogProg será em maio de 2012 em Salvador, Bahia. O lobby do governo baiano nessa edição do blogprog foi simplesmente insuperável e já sabemos que o viés político continuará sendo governista. Pelo menos teremos as mesas LGBT e mulheres, mesmo já sabendo que não fazem parte da macrodiscussão “progressista”.

Por fim, gostaria de salientar um detalhe estranho. Até a véspera do 2º BlogProg Brasília, a coordenação passava a ideia de que estava muito complicado financiar a estrutura toda do encontro e essa foi a desculpa para não ter uma creche no encontro. Eis que na avaliação de um dos coordenadores gerais, Renato Rovai, surge um excedente de R$ 180 mil reais (essa prestação de contas, me  informaram, foi feita na plenária final do 2º BlogProg). Eu vi mulheres que participaram precariamente do encontro porque precisaram levar seus filhos (afinal, era um final de semana) para o BlogProg e outras que deixaram de participar pelo mesmo motivo. Tomar a decisão política de não organizar creche num encontro nacional em pleno 2011 é igual a desprezar a contribuição das mulheres.

Sempre que ouço falar em blogosfera progressista fatalmente associo a blogueiros em sua amplíssima maioria homens, héteros, brancos, apoiadores desse governo pseudoesquerda do PT-PMDB-e-mais-tudo-que-couber-num-mesmo-saco e excludentes.

O Eblog é claro em suas posições: Somos anticapitalistas, antimachistas e antihomofóbicos. Queremos uma blogosfera solidária, ampla, inclusiva, combatente e crítica.

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Nota: O Eblog está assumindo a convocação da blogagem coletiva pela democratização da comunicação.

Nota 2: O blogueiro Eduardo Guimarães — assim como o Sérgio Amadeu e o Marcelo Branco também cobraram de forma mais incisiva uma postura do governo — fez duras críticas ao ministro Paulo Bernardo e foi tratado com a mesma rispidez e desconsideração que eu. Mas é fato que os elogios a minha intervenção que o Edu cita nos seus comentários nesse mesmo texto publicado no Diário Liberdade desde a semana passada, devem ter ficado apenas nos comentários verbais, porque não li isso em lugar algum da blogosfera. Senão, cadê? No mais foi tudo dentro do clima crítico previamente calculado e nem a posição crítica de alguns blogueiros foi capaz de alterar o tom governista do blogprog.


Sobre os feminicídios

Feminicídio é a classificação dada pelo movimento feminista para o assassinato sexista de mulheres. Explicando melhor. Não é feminicídio quando uma bala perdida atinge uma mulher durante tiroteio entre polícia e bandidos numa favela ou uma mulher morre numa briga com uma vizinha. Pode ser assassinato, mas o crime não teve motivação sexista. É isso que classifica o feminicídio: motivação sexista, de posse.

Quando vi essa charge do Latuff – que ele fez especificamente para a nossa campanha dos 5 dias de ativismo online em novembro de 2010 -, me pareceu perfeita para o que o feminicídio representa. Quando uma mulher é assassinada por motivação sexista e o assassino é identificado, todos se apressam para chamar de monstro (vide goleiro Bruno, Pimenta Neves e tantos outros). Mas não nos esqueçamos que eles não apenas não foram coibidos em seus instintos mais primitivos de posse e crueldade com relação às mulheres, como alguns são incentivados.

A verdade é que essas mulheres, vítimas de feminicídio, pressentiram o perigo. Todas elas pressentem e denunciam, pedem socorro e proteção. Umas para a polícia, outras judicialmente e outras apenas para seus familiares. E ninguém dá ouvido. Todos pensam mais ou menos assim: “Te envolveste com este canalha porque quiseste. Agora, aguente as consequências”. É esse pré-julgamento que todas as mulheres enfrentam quando pedem socorro ao se sentirem ameaçadas. Para os familiares que pensaram assim e viram suas mães, filhas, irmãs, netas serem assassinadas fica a culpa por não terem dado ouvidos aos seus reclames. Mas polícia e justiça se eximem de qualquer culpa ou responsabilidade.

É óbvio que o feminicista tem que ser responsabilizado e punido exemplarmente, mas quando um feminicído acontece toda a sociedade é responsável e culpada. Elisa Samúdio não apenas teve suas queixas e denúncias ignoradas como continua a ser responsabilizada pela sua morte – sim, não tenho dúvidas de que ela está morta. Até quando permitiremos isso? Quantas Elisas, Mércias, Eloás, Marias Islaines, Elianes mais terão que morrer até darmos um basta neste absurdo?
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#FimDaViolenciaContraMulher
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* Texto da campanha 5 dias de ativismo online pelo fim da violência contra a mulher, de novembro de 2010, repostado agora com correções.


A maternidade e a culpa das mulheres

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Sábado, 29/05, li num post do blog Politika etc. que os estados americanos de Alabama, Louisiana e Mississipi aprovaram leis que obrigam clínicas de aborto a fazer exames de ultrassom como forma de dissuadir mulheres a interromper a gravidez. Oklahoma passou a obrigar também que as mulheres recebam uma imagem de ultrassom com uma descrição detalhada do feto ou do embrião.
O post questiona então, qual seria a intenção dos conservadores americanos, que ao não conseguirem tornar o aborto ilegal em alguns estados, fazem de tudo para obrigar as mulheres a terem seus filhos indesejados. Quando não pela forma da lei, como essa acima citada, o fazem através da diminuição de verbas destinadas à clínicas públicas. E todos (ou quase todos) sabemos o caos que é saúde pública nos EUA. Pode até parecer piada dizer que o SUS brasileiro é um sonho para a população pobre estadunidense, mas é verdade.
O texto intitulado “Maternidade como situação, não destino” me inspirou um comentário longo. Como ando com problemas de tempo e inspiração para escrever, e há muito tempo não posto nada sobre mulheres ou feminismo, resolvi socializá-lo aqui.
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A opressão através da culpa

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A intenção dos conservadores americanos ao obrigarem as mulheres que intencionam abortar a olharem as fotos do ultrassom de seu “filho” não é para transformá-las em mães, mas para produzir culpa. Toda a opressão de gênero se baseia na culpa.
Atualmente: As crianças estão mal alimentadas sozinhas em casa em frente ao computador é porque a mãe, ao invés de estar em casa cuidando e alimentando-os direito, está trabalhando fora; Se acidentes domésticos acontecem é porque as mães se distraíram em meio às várias jornadas que cumprem paralelamente durante o dia; Se as crianças se tornam individualistas, retraídas, com problemas de relacionamento e acabam, por fim, agressivas e violentas, a culpa é da mulher que não estava atenta observando o comportamento dos filhos.
As mulheres se culpam – e são culpabilizadas! – por não terem o tempo necessário e desejado para cuidar de seus filhos. Se culpam – e são culpabilizadas! – por abandonar a carreira profissional para cuidar dos filhos quando pequenos, e vão sentir falta dessa carreira quando vier o divórcio e for preciso trabalhar para sustentar esses filhos. Se culpam – e são culpabilizadas! – pela opção de não terem filhos. E por fim se culpam – e são culpabilizadas! – até mesmo pelo prazer sexual que originou os filhos ou a gravidez indesejada.
Moral da história: A sociedade que culpa as mulheres por tudo, as deixa sem alternativa de sentir essa culpa em qualquer dos caminhos que venham a escolher. Ao mesmo tempo em que esses conservadores querem obrigar as mulheres à maternidade não dão a menor condição de seu exercício, sem que para isso tenham que se sacrificar de alguma maneira. Quer modo mais eficaz de manter alguém subjugado e dominado do que através de sua própria “consciência”?
A luta das mulheres por sua libertação ainda é longa e está muito longe do fim. Certamente está mais perto do que antes, mas muito, muito longe ainda de alcançar seu objetivo.
Simone de Beauvoir estava certíssima. Torna-se mulher, com tudo de bom e de ruim que traz consigo essa mudança de estado. Ousaria registrar junto à Simone que “Cansa ser mulher”. Carregar no corpo e na alma a sustentação de toda forma de opressão e ainda a culpa por todos os males que assolam a humanidade é cansativo e não é para qualquer um.
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Contradições…

A foto acima é da marcha de abertura do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre anteontem, 25, foi registrada pelo amigo Pedalante e por ele enviada num e-mail. Um pouco antes de receber a foto ontem (26), fiquei sabendo pelo tuíter especial da Zero Hora de cobertura do FSM (@FSM_ZH) que houve “tentativas de abuso sexual” no Acampamento Internacional da Juventude. Retuitei. Logo depois, o perfil da Marcha Mundial das Mulheres (@marchamulheres) envia tuíte perguntando: “de novo? sempre acontece isso nos acampamentos =( ”

Um pouco mais tarde, o perfil @FSM_ZH relata que para encontrar um papel jogado no chão no mesmo Acampamento Internacional da Juventude, precisou andar mais de vinte minutos e destaca isso como sendo um “ótimo exemplo”. E é mesmo! Mas não é contraditório? Essa juventude, que incorporou um novo comportamento com relação ao planeta – que é uma preocupação ralativamente nova para a esquerda, ainda não assimilou um novo comportamento com relação às mulheres. Não é de se estranhar que mesmo com uma lei específica para coibir a violência contra a mulher, os casos só aumentem. É lamentável que essa juventude, dita de esquerda e revolucionária, não tenha com as mulheres os mesmos cuidados que tem com o planeta.

Quando é que as mulheres deixarão de serem vistas como coisas, como simples objeto do desejo masculino? E por que só li essa informação na chamada grande imprensa ou mídia burguesa – expressão mais frequente nos discursos da esquerda? Por que os jornalistas da chamada imprensa alternativa, de esquerda, da blogosfera, não fizeram a denúncia?

Como resposta a todas essas perguntas me aproprio do slogan da Marcha Mundial das Mulheres para dizer que “seguiremos em marcha até que todas sejamos livres”. Esse “outro mundo” tão propagado pelo FSM, só será possível ser construído quando as mulheres forem livres, donas de seus corpos e sexualidade. A mudança começa no dia a dia, no comportamento de cada um.


Nota: Segundo as informações do repórter Paulo Germano (acampado) e repassadas ao @FSM_ZH, todos os envolvidos no caso foram expulsos do acampamento.


Meu corpo é meu território!

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Silêncio enquanto dou voz a este corpo!

Nasci nua, mas logo que perceberam uma pequena abertura entre minhas pernas vestiram-me de opressões e perseguições, me modelaram conforme o ritual, a moral e a economia exigiam: submissa, proibida, inferior, culpada… culpada… culpada…

Assim batizaram minha vagina e a extensão deste corpo.

Assim educaram este corpo para servir e reproduzir a educação do servir.

Assim esqueceram este corpo na construção das leis.

Assim desenharam este corpo sempre em pedaços de acordo com os objetivos da propaganda: princesa, bruxa, puta, esposa, mãe, criminosa.

Assim a expressão do que este corpo deseja e rejeita realizou-se clandestinamente durante muito tempo… clandestinamente… clandestinamente…

Foi assim, arrancando da pele marcas de injustiças, violências e castrações, caminhando capenga com o peso do mundo dos homens em minhas costas, ventre, mente, passos… que então me rebelei arrombando a porta de um destino mal fabricado, queimando as folhas dos contos dos fodas.

Experimentei o conhecimento, o prazer da luta.

Criei novas palavras para nomear o que quero e do que sou capaz e hoje grito:

Meu corpo é meu território!

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Texto construído coletivamente e interpretado na abertura da vigília organizada pelo Fórum Cearense de Mulheres, no Dia Internacional de Luta pelo fim da violência contra as mulheres [25/11] em Fortaleza.