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Da ogrice dos homens e o meu strip-tease

O post anterior, sobre a ogrisse dos homens, rendeu muitas discussões no tuíter e aqui nos comentários. Surgiram coisas como ‘o reforço à culpa das mulheres em sua própria opressão, por criarem filhos dentro da lógica machista’ – como se fosse simples criar um filho que respeite as mulheres -, ‘nem todos os homens são ogros’, que ‘nós feministas não podemos generalizar dessa forma’, etc, etc e etc.

Foi aí que surgiu uma ideia meio maluca (qual ideia minha não é?). Decidi fazer um strip-tease no tuíter. Marquei para sábado passado, na verdade já na madrugada de domingo, 1h. O aviso informava que faria um strip-tease literal. Mas eu sabia que raros homens da minha timeline (da minha rede de seguidores) conseguiriam ler – no sentido de apreender – o que viesse depois da palavra strip. Dito e feito. Foi um rebuliço só no sábado. Estavam todos ansiosos pelo meu “show”.

Sendo eu feminista e comunista, a situação beirava o ridículo. Mas cadê que alguém considerou isso? Com exceção de dois ou três (sendo otimista), o resto caiu no meu canto de sereia. Me refiro aos homens. Boa parte das mulheres estava incrédula que chegasse às vias de fato.

Um strip-tease literal ou de letrinhas, o primeiro do tuíter (sou a rainha da invenção de absurdos), se deu assim: Tuitei a frase “Diante dos amigos da timeline me dispo dizendo que adoro todos vocês. Obrigada pela centésima lista e não se chateiem comigo, viu? =))” e fui retuitando-a várias vezes. Cada vez sem a última palavra. Quando chegou na palavra amigos, passei a tirar letra por letra pra diminuir o ritmo. No meio do strip ia perguntando “[vocês estão gostando?]”, “[estou envergonhada de ficar assim, nua, diante de tantos olhares…]” e por aí iam as provocações. Aqui um tuíte em que agradeço a todos que participaram mais entusiasticamente.

Fato é que a ampla maioria dos homens que esperavam mesmo que eu me despisse de vestes diante de uma câmera, mantiveram o bom humor e acompanharam até o final. Alguns, mais ogros, ficaram em silêncio e creio que até desistiram do tuíter naquela madrugada.

Quis mostrar com essa brincadeira quase idiota que a violência contra a mulher nasce da naturalização de que o instinto sexual masculino pode ser plenamente exercido. Os homens são criados para não reprimir instintos, achando que para eles tudo é possível. Acham que mulheres são 90% seus corpos e que corpo de mulher é um objeto seu se ele assim decidir e quiser.

Diante de uma provocação com caráter “explicitamente” sexual, qual “ogro” mantém o raciocínio e a objetividade? Por isso o pedido de desculpas no final da frase usada do strip de letrinhas. Não se chateiem comigo, mas essa é a regra: os homens são quase todos ogros e alguns se transformam em bestas-fera.  Há exceções, ainda bem, mas são raras. Triste mundo esse nosso.

Nota: Ainda fiz uma brincadeira com quem esperava uma “imagem”…

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Os homens são todos ogros?

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Quem dera todos os ogros da vida real fossem como o Shrek...

Crimes de gênero sempre ocorreram no país. Foram eles que motivaram campanhas famosas como “Quem ama não mata” e pela criação de delegacias especializadas Brasil afora. Hoje temos Delegacia de Mulheres nas principais cidades e ainda as Varas Especializadas de Violência Doméstica e uma lei específica sobre esse tipo de crime, a Maria da Penha. Mas mesmo com todas essas medidas e “estrutura” do Estado para combater ou prevenir a violência contra a mulher, os casos vem aumentando assustadoramente. O mais terrível é que eles aumentam entre os jovens. Ex-namorados, amantes e maridos (inclusive jogadores de futebol famosos) por qualquer desavença, disputa matam. Simples assim. O motivo mais comum é posse. Homens acham, em pleno século XXI, que mulheres são coisas das quais podem se apropriar e dispor como quiserem e na hora que melhor lhes aprouver. É o famoso “se não for minha, não será de nenhum outro”.

Assim foram os casos de Eloá Cristina Pimentel – a menina de 15 anos, sequestrada pelo ex-namorado Lindemberg Fernandes Alves. Maria Islaine de Morais, cabeleireira de 31 anos, morta a tiros, dentro do salão de beleza onde trabalhava, em Belo Horizonte pelo ex-marido Fábio Willian Soares. E os casos mais recentes ainda não solucionados da advogada Mércia Nakashima, em que o principal suspeito é o ex-namorado Mizael Bispo de Souza – o caso tem indícios de crime de gênero -, e Eliza Samúdio, desaparecida, ex-amante do goleiro Bruno Souza do Flamengo – que foi indiciado por sequestro, cárcere privado, agressão, aborto (apesar da gravidez ter continuado) e ameaça -, principal suspeito pelo desaparecimento.

Somam-se a esses casos os de estupro, que servem – além do abuso – como ‘desonra’, humilhação e vingança. Assim é o caso do estupro de uma menina de 14 anos por três colegas da mesma idade. Entre os suspeitos estão o filho do diretor da RBS Santa Catarina e o filho de um delegado. Todos de classe média alta, alunos do Colégio Catarinense em Florianópolis.

Os dois primeiros casos citados, os culpados estão presos. Eram trabalhadores, pobres e não são famosos. As chances da justiça ser feita e os culpados serem condenados pelos últimos crimes citados são mínimas. São todos de classe média alta e/ou famosos. No caso do estupro em Santa Catarina são todos menores (no máximo cumprirão penas sócioeducativas, no caso de serem mesmo culpados e, comprovada a culpa, julgados e condenados) e duas pontas do caso estão comprometidas, polícia e imprensa.

Citei os casos com os nomes das vítimas e dos culpados e suspeitos para que não esqueçamos deles. E para concluir, duas coisas: 1) não basta ter leis e essa falsa estrutura criada pelo Estado para combater a violência de gênero se não forem feitas campanha sócioeducativas e campanhas preventivas; 2) a impunidade é o principal incentivo ao crime, principalmente quando ela pode ser comprada.

Não adianta a Lei Maria da Penha se o judiciário é composto em sua ampla maioria por homens que ainda falam em crimes que se justificam pela honra e ainda citam o conceito de “mulher honesta”. Tenho pra mim que a Lei Maria da Penha fez o machismo dos juízes sair das sombras e se explicitar nas sentenças de habeas corpus e de abrandamento de sua aplicação, na hora de ditar as sentenças. Bom mote para uma investigação jornalística aprofundada.

Resta perguntar: Os homens só sabem se comportar como ogros? Para que tanta tecnologia e conhecimento se ainda se comportam como no tempo das cavernas? E para que as mulheres evoluíram, avançaram tanto se os homens são incapazes de acompanhar e respondem a essa evolução com violência? Seria bom para a humanidade encontrarmos essas respostas bem rápido.

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Por que Pimenta com Limão?

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Ontem, duas discussões no Twitter me estressaram. Quem me conhece pessoalmente sabe que não é muito difícil me estressar. A tolerância é um exercício, mas conforme eu consigo esticá-la em algumas coisas, menos sobra em outras. Na verdade são opções minhas não tolerar determinadas coisas por respeito a minha história de vida. Com algumas coisas não quero mais ser tolerante. Vou falar de duas, presentes nas discussões de ontem.
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Falsa neutralidade

Alguém ainda acredita nesse discursinho furado “não tenho ideologia, tenho opinião”? Estou simplesmente saturada desses jornalistas de centro/direita que se julgam acima do bem e do mal e acham que conseguem enganar a todos com suas maravilhosas crônicas críticas a tudo e todos. Suas críticas atacam sempre aos mesmos, mas de vez em quando citam aqueles com quem simpatizam para ‘provar’ sua “neutralidade”, “isenção” e “ética”. (Com licença, fui ali vomitar e já volto!)

Eles julgam nós da esquerda como histéricos. Como se histeria fosse privilégio de apenas um dos extremos. Mas o que dizer desse ex-coronel citado na crônica de Marcelo Rubens Paiva? Não é histeria achar que comunistas “comem crianças e que são o mal encarnado na Terra”?

Os falsos neutros não sabem, mas servem como arma no jogo sujo da direita, para quem ainda identifica as trágicas experiências do socialismo autoritário e burocrático do Leste Europeu com a teoria de Marx. É comunista? Não presta. E para quem acha esse tema superado, prestem atenção no discurso atual da mídia, onde os defensores do PNDH-3 são classificados como subversivos perigosos.

Foi Max Weber quem disse – e não Karl Marx – “Quem se declara neutro já se decidiu, mesmo sem saber, pelo lado mais forte”. Não se encaixa como uma luva no caso dos falsos neutros?

Machismo dissimulado

Nesses tempos chatos onde prevalece o ‘politicamente correto’ e onde as pessoas escondem o que realmente pensam para não serem crucificadas em praça pública, os preconceitos são todos varridos para debaixo do tapete. Vez ou outra afloram, como no caso de Boris Casoy. É como manter uma mola encolhida.

A direita finalmente está perdendo a vergonha e colocando a cara na janela, mas os machistas e os racistas cada vez se escondem mais. Duas leis em vigor no Brasil, necessárias para coibir os abusos cometidos contra mulheres e negros, contribuem pra isso: Lei Maria da Penha e a Lei Caó(*), que combatem as agressões mais grotescas mas só fazem o preconceito aumentar. É como se os racistas e machistas ficassem com raiva por terem seus instintos reprimidos.

Mas quero mesmo é falar daquele machismo embutido em todas as relações e que afloram na forma de pequenas grosserias no dia a dia. Ontem, ao reclamar da chatice de uma discussão teórica que não levaria ninguém a lugar nenhum – ou seja, aquelas velhas discussões sobre o “sexo dos anjos” -, li um sintomático: “Basta não ler se não quiseres”. Simples assim. O detalhe é que essa discussão era no Twitter, onde não ler ou não escrever é ficar de fora de uma discussão.

Entenderam? O macho em questão (talvez não tenha se dado conta, considero também que possa ser um simples caso de reprodução automática) me disse com outras palavras para cair fora da discussão e parar de perturbar. Já ouvi a mesma coisa, nas mais variadas formas, centenas de vezes em longos anos de militância. Não admito mais esse tipo de grosseria comigo e não gasto meu tempo discutindo com pessoas capazes desse tipo de coisa. Simples assim.

Os dois casos de estresse de ontem resultaram em “unfollow” sumário. Deixei de seguir os perfis dos dois cidadãos no Twitter, o “falso neutro” e o “macho alfa que tenta ganhar discussão falando grosso”. Isso mesmo, sou radical.

Sempre me perguntam porque meu blog pessoal se chama Pimenta com Limão. Alguma dúvida ainda?

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(*) A Lei Caó é de 1989, de autoria do deputado constituinte Carlos Alberto de Oliveira (PDT-RJ), e classificou os crimes de racismo como inafiançáveis e imprescritíveis. Em 1997, a Lei n.º 9.459 previu as penalizações e por isso muitas pessoas acham que a lei anti-racismo no Brasil só passou a valer a partir desse complemento.