Pequeno resumo sobre a situação da Lei da Anistia e as recentes ações criminais do MPF e a possibilidade de punição dos torturadores e responsabilização do Estado brasileiro pelos crimes e violações de Direitos Humanos durante a ditadura militar brasileira
Algo mudou no cenário e no horizonte da investigação dos crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar a partir do dia 1º de março de 2012. A jornalista Míriam Leitão numa reportagem especial na Globo News sobre a intenção do Ministério Públicar Militar investigar o desaparecimento de Rubens Paiva e de outros presos políticos traz um elemento novo do ponto de vista jurídico sobre a possibilidade de punir os agentes do Estado brasileiros sobre as violações de Direitos Humanos cometidas durante a ditadura militar brasileira (1964-1985). O promotor da Justiça Militar Otávio Bravo lembra que foi o “Supremo Tribunal Federal que equiparou o desaparecimento forçado, quando é feito por agentes do Estado, ao crime de sequestro, que permanece. Só se encerra quando aparece a pessoa ou o corpo.” (fonte: O Globo)
O argumento é simples. A Lei da Anistia perdoou todos os crimes, mesmo os cometidos pelo Estado (assim entendeu o STF em abril de 2010, entendimento considerado uma aberração jurídica pelo sociólogo Eduardo González), entre 1964 e 1979 (mais especificamente 28 de agosto de 1979, data da promulgação da Lei da Anistia pelo então presidente João Figueiredo), mas se há provas ou pelo menos indícios do sequestro de pessoas por agentes do Estado e até agora não foram encontrados nem a pessoa viva ou seus restos mortais, quem garante que o crime teve fim em 1979? Ele pode ter continuado, a não ser que surjam documentos comprovando a morte desses desaparecidos e a indicação do local onde estão depositados seus restos mortais. Ou seja, o que era até agora o maior trunfo dos militares e torturadores — a não comprovação da existência do crime, já que não apareceram os corpos — pode se voltar contra eles.
O MPF já tinha dados sinais de disposição em abrir processos criminais contra agentes do Estado por pressão da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos e a partir desse novo entendimento jurídico, os MPFs de São Paulo, Pará e Rio Grande do Sul se reuniram para anunciar a ação que ingressariam na Justiça Federal do Pará contra o coronel da reserva do Exército do Brasil, Sebastião Curió Rodrigues de Moura pelo crime de sequestro qualificado contra cinco militantes, capturados durante a repressão à guerrilha do Araguaia na década de 70 e até hoje desaparecidos. Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Cordeira Corrêa (Lia) foram todos sequestrados por tropas comandadas pelo então major Curió entre janeiro e setembro de 1974 e, após terem sido levados às bases militares coordenadas por ele e submetidos a grave sofrimento físico e moral, nunca mais foram encontrados. Se condenado, Curió pode pegar de 02 a 40 anos de prisão.
O juiz federal João César Otoni de Matos, de Marabá, rejeitou a denúncia baseado na Lei da Anistia (leia aqui a decisão). O MPF anunciou que vai recorrer ao mesmo tempo em que o MPF de São Paulo anunciou que ingressará com ação contra agentes do Estado pelo sequestro de 24 outros desaparecidos. Essas ações do MPF abriram o precedente de questionar novamente o STF sobre sua decisão em 2010. Por requerimento da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), os ministros apreciarão os embargos da decisão de 2010, que afastou por 7 votos a 2 a possibilidade de julgar os crimes cometidos pelos agentes da ditadura. Duas questões devem ser colocadas à mesa para os ministros, que não foram abordadas no julgamento anterior. A primeira é a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que impõe o julgamento dos atos dos agentes públicos, ao considerar inválidas, à luz das Convenções Internacionais, todas as leis de autoanistia que pretenderam evitar apuração de crimes contra a humanidade. A segunda, o movimento do Ministério Público Federal para o julgamento dos crimes que, diante do caráter de permanência, não sofreriam efeitos da Lei da Anistia ou da prescrição. Seriam assim os casos de sequestro ainda não solucionados. (fonte: portal Terra)
O Brasil só foi julgado e condenado na Corte Interamericana porque o processo civil iniciado na justiça brasileira em 1982 por 22 famílias de presos políticos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia — que queriam apenas saber o paradeiro de seus filhos e, caso estivessem mortos, onde estavam seus restos mortais e explicações do Estado brasileiro sobre como morreram — foi julgado e o Estado não cumpre o que sentenciou a justiça.
Em 2003 a Justiça brasileira expediu uma sentença final na qual condenava o Estado a abrir os arquivos das Forças Armadas para informar, em 120 dias, o local do sepultamento desses militantes. Porém o governo do Presidente Lula recorreu, visando não cumprir a lei, apresentando todos os recursos possíveis. Em 2007 esgotaram-se os recursos legais, houve a condenação e desde então o Estado brasileiro está fora da lei.
Por causa da demora que hoje já chega a 29 anos, desde 1995, os familiares dos militantes desaparecidos recorreram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que considerou o Brasil responsável pelas violações perpetradas contra os membros da Guerrilha do Araguaia e, encaminhou o caso para a Corte Interamericana. A Corte condenou o Brasil , em 24 de novembro do ano passado, pelos desaparecimentos forçados dos membros da Guerrilha do Araguaia e pela falta de investigação e responsabilização dos ‘envolvidos. (clique aqui para acessar a sentença completa)
Precisamos pressionar o Estado brasileiro a cumprir a sentença da Corte Interamericana da OEA, que determina ao Brasil investigar, achar os restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia e entregá-los às suas famílias e punir os responsáveis pelos crimes e violações de direitos humanos ocorridos. Por isso o tema/sugestão dessa quarta blogagem coletiva #desarquivandoBR foi a revisão da Lei da Anistia, porque é a única forma de responsabilizar e punir os militares, torturadores e o Estado brasileiro.
”A Corte interamericana de Direitos Humanos concluiu que as disposições da Lei de Anistia brasileira não podem obstar a investigação e a punição dos responsáveis por graves violações de direitos humanos, especialmente em se tratando de lei de autoanistia, preceito incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos segundo a jurisprudência da Corte Internacional. Reconheceu, ademais, o caráter permanente do desaparecimento forçado, a imprescritibilidade dos crimes e a violação do dever brasileiro de tipificar o desaparecimento forçado de pessoas. Ainda, consubstanciou-se a violação ao direito à verdade e da integridade pessoal (especialmente psicológica) dos familiares das vítimas.”
”Lembro que o governo brasileiro negou à OEA, durante o governo de Geisel, que tivesse alguma responsabilidade no desaparecimento do casal. Os ingênuos não pensem que é somente desde Dilma Rousseff e Belo Monte que o governo brasileiro viola e mente para o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. O atual governo federal apenas dá continuidade a essa tradição…”
”É uma vergonha para nós, brasileiros, verificar que o Brasil está de fora daquela admirável galeria de lutas da sociedade civil e de providências objetivas do poder público em favor dos direitos humanos e em repúdio à barbárie. Inaceitável que nosso país continue sem investigar os crimes da ditadura militar e sem responsabilizar judicialmente os responsáveis e cúmplices por prisões ilegais, perseguições odientas, torturas e assassinatos.”
“… a anistia é um ganho imenso às “forças ocultas” que escondiam seus rostos nas fotos de julgamentos de presos políticos durante o período negro da ditadura civil-militar. A anistia mantém ocultos os rostos de quem torturou, omitiu, assassinou e oprimiu não só militantes de esquerda, mas pessoas comuns que por algum motivo caíam nas garras de um estado de exceção.”
”Os governos do Ceará na Era Militar foram marcados por grandes perseguições políticas a deputados, com a prisão e tortura de estudantes e trabalhadores, tendo ocorrido inclusive atentados a bomba em Fortaleza; Existem vários/as desaparecidos/as políticos e mortos cearenses, dentre eles: Anthônio Teodoro (ex-diretor da Casa do Estudante da UFC); Saraiva Neto; Jana Moroni; David Capistrano; José Armando Rodrigues; e tantos/as outros/as que se somam aos 380 mortos e desaparecidos no Brasil… Vários cearenses de esquerda participaram e foram assassinados durante a Guerrilha do Araguaia, da cerca de 80 pessoas que participaram da guerrilha, menos de 20 sobreviveram!!!”
“O Estado brasileiro comete um duplo atendado à memória. Primeiro, institui, pela força da lei, o esquecimento. Posteriormente, permite o conhecimento, limitado – mas limitado não porque toda memória e toda narrativa histórica sejam lacunares, limitado por restrições estatais –, com o asseguramento da condição de que não possa ser utilizado a servição da justiça. Da memória mutilada à memória imobilizada.”
”Porque tortura não é uma questão ideólogica de esquerda ou direita, tortura é crime contra a humanidade e o Brasil está devendo esse acerto de contas com seu passado. O país que não reconhece a tortura que cometeu contra seus cidadãos deixa a porta aberta para que a tortura retorne sob as mais ridículas justificativas. (…) O que a vida quer da gente é coragem, coragem presidenta Dilma! Coragem para que esse triste capítulo de nossa história não se repita.”
”Caso Zero Hora resolvesse fazer uma cobertura séria, falaria da importância do simbolismo para a percepção de uma sociedade sobre si mesma, e sobre como o entendimento sobre a própria história ajuda a construir os caminhos à frente. Admitiria que é justamente nos símbolos – em suas mais diversas formas, incluindo aí a própria mídia e suas intencionalidades – que se baseiam as opiniões dos indivíduos, e é nessa dinâmica que a sociedade faz suas escolhas. O problema, para o Grupo RBS, é que a escolha democrática, a opção pela democracia real, necessariamente inclui a recuperação histórica e a construção de uma mídia plural, democrática e horizontal. A alienação interessa aos opressores, e apenas a eles.”
”É estranho que a presidente Dilma Rousseff negue ser pressionada pelos militares para que deixe quietas as questões da ditadura militar, não puna os torturadores e mantenha a tão sonhada abertura, propagandeada como um portão gigante, ainda como uma pequena fresta. (…) Vejo a não revisão da Lei da Anistia e o não cumprimento da sentença da Corte Interamericana dos Direitos Humanos como uma lacuna que não será preenchida. Nossa história será como um quebra cabeças que fora montado faltando peças.”
“Em ‘O impensável’, temos uma espécie de atualidade do DOI-Codi (‘Onde o filho chora e a mãe não escuta’ – frase inexata para os casos em que pais e filhos foram torturados juntos, como aconteceu com a família Teles) nos assassinatos cometidos pelo Exército no Morro da Providência, em 2008, no Rio de Janeiro.
O que seria o impensável? A princípio, julguei que era o horror da tortura e da execução. Mas talvez Kehl esteja a dizer que impensável também seja aquilo que ela solicita, que a ‘Zona Sul’ das cidades brasileiras (lembremos, porém, que a Zona Sul do Rio de Janeiro tem muitas favelas) mostre-se contrária às execuções extrajudiciais de negros e pobres.”
“É urgente revermos a Lei da Anistia para permitir que os torturadores, pessoas e Estado, possam ser responsabilizados e punidos por seus crimes. A não ser que esteja tudo bem viver nessa atual pseudo democracia. Para mim não está tudo bem e por mais inglória que essa luta pareça não desistirei dela. Essa luta é minha e de todos os brasileiros que não se acomodam diante da injustiça. Somos poucos, é verdade, mas isso só faz aumentar o nosso comprometimento e força.”
“No dia seguinte ao conhecimento da sentença, o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, cuja atuação no cargo ficou marcada por ter operado como porta-voz de setores conservadores das Forças Armadas, externou sua visão de que a condenação não produzia efeitos jurídicos e que o ponto de vista válido a se considerar seria o do STF. Flávia Piovesan, professora de Direitos Humanos e Direito Constitucional da Pontífice Universidada Católica de São Paulo (PUC-SP), lembra que as convenções internacionais são firmadas de livre vontade pelas nações e que o Supremo tem o dever de zelar pela implementação dos tratados e da jurisprudência internacional. “Quando o Estado brasileiro ratifica um tratado de direitos humanos, não é só o Executivo que deve cumpri-lo de boa fé, mas o Judiciário, o Legislativo, o Estado como um todo”, pontua.”
“Diante desse cenário de impunidade, a principal pergunta que se coloca é se as autoridades competentes tomarão as medidas necessárias para avançar na realização da justiça, atuando em conformidade com a devida diligência que os casos da dívida histórica do período autoritário pressupõem.
A falta de investigação e julgamento das graves violações de direitos humanos cometidas por agentes públicos e privados, em nome do regime da ditadura militar, comprova a resistência do Estado brasileiro em combater a impunidade, a qual tem reflexos na consolidação democrática do país na atualidade.”
Os dias são surreais… A impressão mais nítida após mais uma blogagem coletiva pela abertura dos arquivos da ditadura, pela revisão da Lei da Anistia e pela punição dos torturadores — e essa quarta edição também, especialmente, pelo cumprimento integral da sentença condenatória do Brasil na Corte Interamericana da OEA no caso Gomes Lund (sobre a Guerrilha do Araguaia) –, é que não superamos a ditadura. Ficamos parados, presos no tempo, como que condenados eternamente a essa injusta correlação de forças.
Ainda são uma meia dúzia de incansáveis corajosos e desarmados lutando contra um exército armado até os dentes no escuro da noite. No meio, ou na mediação, a ampla maioria da população, omissa e covarde, sempre cortejando os poderosos e fingindo não ver a gritante injustiça da batalha. É como se essa meia dúzia nunca tivesse existido, é como se ao optar por combater a tirania assumissem o papel de invisíveis, de insanos ou fantasmas.
Quem se importa? Quem se comove com a dor dos familiares dos mortos e desaparecidos e seu luto inacabado?
O fato é que não se importando, se omitindo e se acovardando diante dos horrores que ocorreram durante a ditadura, contribuíram/contribuímos decisivamente na institucionalização da tortura e o desaparecimento como prática cotidiana pelo Estado brasileiro. Sim, o Estado, antes e agora, é o responsável pelas torturas, mortes e desaparecimentos ocorridos no país. Antes eram os esquerdistas (e não apenas eles, num dado momento virou histeria e quando não existiam mais os terríveis comunistas e líderes das organizações de esquerda, qualquer um que ousasse discordar do poder vigente era taxado de subversivo e se tornava alvo), hoje basta ser negro e pobre e gerar a desconfiança de algum policial. E qualquer semelhança com o passado não é mera coincidência.
Nunca fizemos de fato a transição da ditadura para a democracia, apenas mudamos os nomes das coisas. Tipo, tapamos o sol com uma peneira e fingimos que está tudo bem. Como bem disse o Pádua Fernandes, “creio que o retorno formal da ditadura não se dá porque ela não é necessária. Uma democracia em que possam ocorrer Belo Monte e os esquadrões de morte não precisa de um ditador que roube os direitos da cidadania. O risco de volta à ditadura somente será real se a democracia tornar-se efetiva…”
É urgente revermos a Lei da Anistia para permitir que os torturadores, pessoas e Estado, possam ser responsabilizados e punidos por seus crimes. A não ser que esteja tudo bem viver nessa atual pseudo democracia. Para mim não está tudo bem e por mais inglória que essa luta pareça não desistirei dela. Essa luta é minha e de todos os brasileiros que não se acomodam diante da injustiça. Somos poucos, é verdade, mas isso só faz aumentar o nosso comprometimento e força.
Diz a incansável Erundina no artigo “Por uma autêntica interpretação da Lei de Anistia”, publicado no Le Monde Diplomatique Brasil, que “é indispensável a revisão da Lei da Anistia, sem o que a Comissão da Verdade não poderá atingir seus objetivos, pois não produzirá efeito jurídico prático, isso porque, de acordo com o projeto, deve atender aos dispositivos legais, inclusive a Lei da Anistia, editada ainda no período autoritário e cujo propósito foi permitir uma gradual e controlada abertura do regime político. O projeto que deu origem a essa lei, de iniciativa do então presidente general João Batista Figueiredo, procurava, de um lado, excluir do alcance da anistia os opositores ao regime que eventualmente tivessem sido condenados por crimes de terrorismo, assalto, sequestro ou atentado a pessoas e, de outro, assegurar que a anistia se estenderia àqueles que praticaram crimes conexos ao crime político, beneficiando, assim, os agentes do Estado que praticaram crimes comuns e todo tipo de tortura contra civis que se opuseram ao regime.” — leia o artigo completo.
A criação da Comissão da Verdade estimulou o Ministério Público Federal (finalmente) a marcar uma audiência pública que ocorreu neste dia 9/12 em Brasília, para receber denúncias de crimes contra os direitos humanos cometidos durante a ditadura militar. A 2ª Câmara de Coordenação de Revisão, órgão máximo do MPF na área criminal, decidiu instaurar procedimentos para apurar e pedir punição de todos os crimes cometidos nos anos de chumbo, apesar de determinação recente do Supremo Tribunal Federal de manter a anistia a assassinos e torturadores. O objetivo do MPF é jogar os casos do colo do Judiciário e torcer para uma mudança de interpretação à luz da Comissão da Verdade. Para o MPF, uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA de 14 de dezembro de 2010, que considera esses crimes imprescritíveis, se sobrepõe à sentença do STF.
Como o Brasil está completando um ano em débito com a OEA e o Estado brasileiro respondeu a apenas dois dos onze pontos exigidos pela Corte Interamericana (o país foi condenado no caso Gomes Lund, sobre a Guerrilha do Araguaia / 1972-1975), entre eles a punição de torturadores, localização de corpos de vítimas e esclarecimento das mortes permanecem em suspenso, articulou-se uma campanha para exigir que o Brasil cumpra integralmente a sentença.
A Campanha “Cumpra-se” reúne as entidades que lutam por justiça aos direitos humanos violados durante a ditadura militar e apoiam essa luta. O site contém um clipping de notícias relacionadas ao tema, as ações (veja como participar), e o movimento está articulando vários atos públicos pelo país — Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Brasília, Pernambuco, Bahia e Ceará, todos no dia 14 de dezembro — quando vence o prazo de um ano estabelecido junto com a sentença que condenou o Brasil a rever a Lei da Anista, investigar e punir os responsáveis pelo massacre do Araguaia. Em São Paulo o ato ocorre das 14h às 17h na Av. Paulista esquina com Rua Augusta, em frente ao Escritório Regional da Presidência da República. Informe-se sobre o ato no seu estado/cidade e participe. Colabore também colocando o banner no seu blog e linkando para o site da campanha.
Para contribuir com a campanha, estamos convocando a quarta blogagem coletiva #desarquivandoBR pela abertura dos arquivos da ditadura, pela revisão da Lei da Anistia e pela punição aos torturadores. A blogagem ocorrerá na próxima quarta-feira, dia 14 de dezembro, e no final do dia o Pimenta com Limão postará todos os textos participantes da ação. No mesmo dia faremos um tuitaço usando as hashtags #CumpraSE e #desarquivandoBR, onde concentraremos as notícias relacionadas ao tema, sobre os atos públicos que estarão ocorrendo pelo país e os posts da blogagem. Para colocar a marca da campanha no seu avatar use o twibbon #desarquivandoBR << Clica no link e depois no retângulo “show my support now”.
Para contribuir com a produção dos textos, deixo o vídeo de uma twitcam realizada pelo historiador Carlos Fico (uma das maiores autoridades sobre documentos da ditadura) falando sobre a Comissão da Verdade e a entrevista que o jornalista Rodrigo Vianna fez no programa Record Mundo com Marcelo Zelic (Grupo Tortura Nunca Mais), Criméia Almeida (ex-guerrilheira no Araguaia) e Sérgio Gardenghi Suiama (Procurador da República), sobre o prazo que o Brasil tem para rever a Lei da Anistia.
Desde a ditadura militar essa é a bandeira oficial do Brasil -- desenho de Carlos Latuff
Há quase dois anos que milito mais ativamente na luta pela abertura dos arquivos da ditadura militar e pela punição dos torturadores. Nesse período foram muitas as perdas e decepções. Aliás, foram só perdas e decepções.
Nesses poucos mais de vinte meses vi o governo Lula manter o sigilo eterno — criado por Fernando Henrique Cardoso — sobre os arquivos da ditadura quando tinha poderes para abri-los; vi o STF estender a anistia aos torturadores ao julgar improcedente a APDF 153 que pedia a revisão da Lei da Anistia; vi o governo Lula fazer campanha publicitária (Memórias Reveladas) e gastar dinheiro público pedindo ajuda à população por informações sobre os desaparecidos quando esses desapareceram sob a tutela do Estado brasileiro e ao mesmo tempo que mantém sob seu poder essas informações, nos arquivos mantidos como secretos ad eternum; vi o Ministério da Defesa criar em 2009 um grupo de trabalho para procurar os restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia que já no nome negava a história, e que só criou porque foi obrigado judicialmente por uma ação movida pelos familiares dos mortos e desaparecidos e que até agora não apresentou resultados concretos; vi o Brasil ser condenado na Corte Criminal da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 14/12/2010 a rever a Lei da Anistia (assim como fizeram Argentina, Chile, Uruguai que apuraram, julgaram e condenaram as violações de DH de suas ditaduras militares) e nada fazer; vi o governo Lula terminar e nada de Comissão da Verdade ou abertura dos arquivos; vi uma guerrilheira que pegou em armas contra a ditadura militar e que foi presa e torturada chegar à presidência e em nove meses de governo não demonstrar nenhum respeito à memória dos mortos e desaparecidos e, por fim; vi essa mulher ser a primeira na história da humanidade a abrir uma assembléia geral das Nações Unidas e justamente pela pressão internacional e sentença da OEA ainda não cumprida — prazo de um ano se esgota em 14/12/2011 — montar uma farsa e aprovar às pressas o projeto de lei que cria a Comissão Nacional da Verdade na Câmara dos Deputados (projeto ainda precisa passar pelo Senado).
Mesmo depois de todos as derrotas anteriores e sabermos que era uma espécie de farsa, apenas para a ONU, OEA e o mundo verem, houve mobilização em apoio ao “esforço” do governo em aprovar a Comissão Nacional da Verdade. Embora soubéssemos também que o projeto a ser aprovado era uma mutilação daquele previsto no terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos apresentado no final de 2009, artistas fizeram abaixo-assinado e enviaram mensagens aos deputados, entidades de Direitos Humanos se fizeram presentes no Congresso e acompanharam a ministra Maria do Rosário no momento da entrega simbólica do projeto ao parlamento e durante todo o dia ativistas na web fizeram um tuitaço (esforço concentrado na rede social e microblog Twitter) através da hashtag #ComissãoDaVerdade.
Antes disso, quando os familiares dos mortos e desaparecidos tiveram acesso à versão final do projeto que seria votado pelo Congresso Nacional, divulgaram um documento onde propunham algumas alterações. Alegavam que se o projeto fosse aprovado da forma como o governo estava negociando teríamos uma Comissão de Meia Verdade. As alterações propostas pelos familiares dos mortos e desaparecidos foram apresentadas como emendas em plenário pelo PSOL e pela deputada Luiza Erundina e nenhuma foi aprovada. Essas alterações continuam sendo propostas na tramitação do projeto no Senado e já houve até uma manifestação em São Paulo em apoio a elas.
Manifestação em São Paulo na sexta 30/09/2011 em apoio às alterações no projeto da Comissão da Verdade que permitam a punição dos torturadores da ditadura militar
“A Comissão da Verdade é importante e é retratada na sentença, “o Tribunal valora a iniciativa de criação da Comissão Nacional da Verdade e exorta o Estado a implementá-la”, mas sem a revisão da lei da Anistia é cortina de fumaça. É dever da cidadania fazer ecoar nos quatro cantos do país um brado: Cumpra-se por inteiro a sentença da OEA.” — dizia Mercelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP em artigo publicado no Blog do Tsavkko em 27/06/2011.
Já tramitava desde o início do ano um projeto da deputada Luiza Erundina que propunha rever a Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, a Lei da Anistia. Pois, segundo Erundina, sem rever a Lei da Anistia e sem a possibilidade de punir os torturadores essa Comissão da Verdade é inócua. Eis que o partido do governo — da presidenta Dilma Vana Rousseff, militante da luta armada, ex-torturada, vítima da ditadura militar e de um partido dito de esquerda e defensor dos Direitos Humanos –, PT, se alia ao deputado Jair Bolsonaro — a escória do Congresso Nacional, defensor da ditadura e dos torturadores, misógino, homofóbico e racista (para quem não o conhece basta pesquisar em qualquer site de busca da internet) — para derrubar o projeto de Erundina e manter a Lei da Anistia, mesmo sabendo que existe uma sentença da OEA que obriga o Brasil a tomar providências quanto às violações de DH cometidas pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar.
Neste momento está no plenário do Senado, pronto para ser votado, o projeto de lei que regulamenta o sigilo de documentos oficiais. O texto, que tramita em regime de urgência, estava previsto para entrar na ordem do dia do plenário no último dia 22/09. Mas ainda não foi à votação. Mas não esqueçamos que além da presidenta Dilma abrir mão da decisão e passá-la para o legislativo, o relator do projeto é o senador Fernando Collor que junto com José Sarney é um dos mais resistentes à abertura dos arquivos da ditadura. Como o projeto trata do acesso a todos os documentos oficiais, não me espantaria que na negociação do apoio desses dois senadores (e dos demais contrários, e eles são muitos pelos mais diferentes motivos e interesses) ficassem de fora os documentos classificados como ultrassecretos — justamente os do período de 1964-1985 — ou ainda que estendam o prazo que esses documentos ficarão indisponíveis.
A única chance da Comissão da Verdade cumprir o papel esperado, jogar luz nos porões da ditadura militar, era estar combinada com a revisão da Lei da Anistia (possibilidade de punição dos torturadores) e com a abertura dos arquivos da ditadura (acesso aos documentos que de fato podem revelar a verdade sobre o destino dos mortos e desaparecidos e as condições reais de suas mortes e desaparecimentos). Sem isso a Comissão da Verdade não passa de uma farsa e de deboche com a democracia e com os Direitos Humanos.
Não existem mais dúvidas quanto ao “compromisso” do PT e deste governo com a Comissão da Verdade e a passar a limpo as páginas mais obscuras de nossa história e punir os torturadores, é NENHUM. É como se os mortos, desaparecidos e torturados da ditadura estivessem sendo de novo, de novo e de novo mortos, desaparecidos e torturados. E o nosso compromisso com eles, que tombaram numa luta desigual e bárbara para que nós tivéssemos hoje liberdade de expressão e democracia, é dobrado. Enquanto houver um único desaparecido sem que saibamos em que condições foi desaparecido e sem que o Estado brasileiro peça oficialmente desculpas às famílias das vítimas da ditadura, em luto permanente e inacabado, não teremos uma democracia de fato.
Segundo a cientista política do departamento de Ciências Políticas da Universidade de Minnesota, Kathryn Sikkink, “os julgamentos e a punição de torturadores ajudam a construir o Estado de direito, deixando claro que ninguém está acima da lei. Além disso, a punição deixa claro que haverá ‘custos’ para os agentes individuais do Estado que se envolverem em abusos dos direitos humanos, e isto pode ajudar a prevenir futuras violações de direitos humanos. Os julgamentos também são acontecimentos altamente simbólicos que comunicam os valores de uma sociedade democrática em favor dos direitos humanos e do Estado de direito”. Em sua opinião, “a tortura, como crime contra a humanidade, não deveria estar sujeita a leis de anistia ou à prescrição”.
Vale lembrar à presidenta Dilma que Luiza Erundina quando prefeita de São Paulo mandou abrir a Vala de Perus em 1990 no Cemitério Dom Bosco, onde foram encontradas 1049 ossadas (e alguns dos desaparecidos da ditadura militar) e são a prova de que a tortura, morte e desaparecimento se tornaram práticas usuais dos aparelhos de repressão do Estado brasileiro, mesmo depois da “democratização” do país. Erundina assumiu para si a responsabilidade histórica que é de todos nós. Dilma Rousseff pode mandar abrir os arquivos secretos no momento que assim decidir e dar dignidade à sua trajetória política e à história do Brasil. Só não o faz porque não quer. De certo que não é por falta de coragem, afinal é preciso muito mais coragem e estômago para se aliar aos seus algozes do que enfrentá-los como já o fez no passado.
Me sinto traída por este governo e pelo Brasil que insiste em manter esse passado esquecido e intocado e neste momento sequer consigo me colocar no lugar dos familiares dos mortos e desaparecidos, diante dessa tortura que parece não ter fim. Não sei muito bem o que propor, mas é certo que precisamos fazer algo concreto e é hora de unir esforços.
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Confesso que guardava escondidinho um fio de esperança que o presidente Lula abrisse os arquivos da ditadura militar carimbados como ultra secretos, que são responsabilidade do executivo, e que tiveram esse carimbo renovado ad eternum por Lula quando do vencimento do prazo de 25 anos a partir da Lei da Anistia. O fio arrebentou. E a Secretaria de Direitos Humanos está lançando mais alguns livros sobre tortura e a repressão no campo durante a ditadura. Preferia menos livros e mais atitudes. Embora o registro seja importante, ele não é incorporado à grade curricular na disciplina de História do Brasil e sabemos que eles são feitos porque esse é o limite da ação da SDH.
É decepcionante e lamentável a falta de atitude do Brasil nesse caso. Enquanto os demais países do Cone Sul passam sua história a limpo e aos poucos vão condenando os militares torturadores de seus períodos ditatoriais, o Brasil prefere passar esse recibo vergonhoso de jogar a sujeira para debaixo do tapete. Mais lamentável ainda é a atitude das próprias Forças Armadas que deveriam ter interesse em ver julgados e condenados os militares que se envolveram na tortura para limpar o nome da corporação. Ao acobertarem seus colegas assassinos e psicopatas, se envolvem nessa lama como se a tortura, o assassinato e o desaparecimento forçado dos opositores do regime fosse (é) prática institucionalizada da corporação.
Pior do que não punir os torturadores é não dar às famílias dos desaparecidos políticos o direito de enterrarem seus entes queridos e encerrarem seu luto inacabado. Essa tortura continuada é inominável. Assim como o ministro da Comunicação Social Franklin Martins, eu espero ver um dia o presidente da República pedir desculpas ao país em nome do estado brasileiro e das Forças Armadas pela ditatura e atrocidades cometidas. Acreditei que Lula faria isso. Não fez, foi omisso e covarde. Fico aguardando a atitude de Dilma, ex-guerrilheira e vítima da tortura e que sabe como ninguém o mal que esses animais fizeram ao país. Mas é improvável que faça, embora eu torça para não ter razão.
Como punir policiais que praticam a tortura em delegacias país afora, se os militares da ditatura não o foram? Mesmo que inicialmente sejam punidos com medidas paliativas quando são flagrados – e apenas quando são flagrados -, esses policiais sempre terão a seu favor o argumento da impunidade de gente que torturou e matou muito mais do que eles e com a autorização do Estado brasileiro. A tortura é prática institucionalizada no país e o tal estado democrático de direito é cuspido e pisoteado diariamente e com o aval da Justiça.
Parte da revolta que senti quando o Supremo Tribunal Federal estendeu a anistia aos torturadores foi abrandada agora, com a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA condenando o Brasil no caso da Guerrilha do Araguaia e obrigando-0 a investigar o caso (o Brasil sequer admitia a existência da Guerrilha do Araguaia, que dirá da chacina promovida pelo Exército).
Diz a sentença: “investigue o caso, determine as responsabilidades penais e aplique as devidas sanções; esforce-se para descobrir o paradeiro das vítimas, identificá-las e entregar os restos mortais a seus familiares; ofereça tratamento médico e psicológico às vítimas; realize ato público de reconhecimento de responsabilidade no caso; promova curso ou programa sobre direitos humanos para integrantes das Forças Armadas; e adote medidas para tipificar o delito de desaparecimento forçado de pessoas de acordo com os parâmetros interamericanos.” Leia a íntegra da sentença.
Apesar de ter sido uma vitória, foi uma vitória vergonhosa, desonrosa. O Brasil só tomará uma atitude com relação aos crimes promovidos pelo Estado naquele período – e apenas de uma parte desses crimes – porque uma corte internacional o está obrigando. Enquanto isso, a Argentina faz a lição de casa e só em 2010 já condenou 89 repressores de sua ditadura militar.
(Aqui eu abro um parênteses para dizer que a mim incomoda muito essa história de indenização, embora seja um direito das famílias. Durante os governos de Fernando Henrique Cardoso começaram os processos de reconhecimento de perseguições políticas e os pagamentos de indenizações e ficou a impressão de que o Estado tinha feito a sua parte. Ou seja, sempre que há dinheiro envolvido fica essa impressão de ‘pagamento’ – no sentindo de fazer justiça – por algo que não tem preço e nem medida. Mas voltarei a esse ponto outro dia.)
Para encerrar uma boa notícia. Entrou em vigor dia 24 de dezembro a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados, ratificada por 20 países – Albânia, Alemanha, Argentina, Bolívia, Burkina Faso, Chile, Cuba, Equador, Espanha, França, Honduras, Iraque, Japão, Cazaquistão, Mali, México, Nigéria, Paraguai, Senegal e Uruguai. Outros 70 países também já afirmaram sua intenção de ratificá-lo no futuro. Sentiram a falta do Brasil na lista dos países ratificadores da convenção? Mais uma vergonha… Como diria um cantor nativista daqui de Pelotas, Joca Martins, “é aí que me refiro” que ser ou não de esquerda não faz a menor diferença. A dita esquerda hoje no poder abandonou a esquerda que tombou combatendo a ditadura (*) e que contribuiu muito para que hoje vivamos numa democracia. Um arremedo de democracia, é bem verdade, mas infinitamente melhor que qualquer ditadura. .
(*) Mesmo que os personagens sejam os mesmos, fazendo desse momento e abandono um ato quase esquizofrênico.
Nota: O Pimenta com Limão é um grão de areia no mar da comunicação brasileira, mas continuarei a minha luta pela abertura dos arquivos da ditadura e pela punição dos torturadores.
marginal, chaaaaaaata, comunista, libertária, feminista, amante do cinema, "meio intelectual meio de esquerda", xavante, mãe do Calvin e "avulsa" - diretamente de satolep, fim do fundo da américa do sul