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Estranhamento

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Ando tão angustiada nos últimos dias…
Um misto de saudade, falta sei lá de quê, despertencimento, me sentindo um peixe fora d’água — ainda mais com tantos dias sem chover por aqui.
Esse estranhamento tem feito com que me comporte e reaja de forma estranha a tudo e a todos. Estou mais calada, mais agressiva e, infelizmente, mais persecutória do que de costume.
Estou meio assim como a Graúna nesse quadrinho… desconfiada. Desconfiada do futuro, das pessoas e até mesmo de mim.

No mais, o Teatro Mágico pode falar por mim:

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(…)
Sobra tanta falta de paciência que me desespero
Sobram tantas meias verdades que guardo pra mim mesmo
Sobram tantos medos que nem me protejo mais
Sobra tanto espaço dentro do abraço
Falta tanta coisa pra dizer que nunca consigo
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Sei lá se o que me deu foi dado
Sei lá se o que me deu já é meu
Sei lá se o que me deu foi dado ou se é seu
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Vai saber se o que me deu quem sabe
Vai saber quem souber me salve
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Democracia à brasileira II

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Anteontem tive a inspiração que me faltava para escrever o segundo texto da série sobre democracia. Faltava um elo de ligação com um fato real. Esse fato foi a entrevista (sic) da ex-ministra da Casa Civil e candidata à Presidência da República Dilma Roussef, ao José Luiz Datena na Rede Bandeirantes. A entrevista (sic) e sua repercussão (ou não-repercussão) trouxeram à tona o conceito geral que temos, na prática, sobre democracia, imprensa livre e independente e ética. Confesso que estou chocada. Acreditava estar cercada, ao menos virtualmente, de pessoas esclarecidas e bem posicionadas. No geral, são. Mas é preciso se dar conta que democracia não é futebol nem religião, e é um terreno onde não cabem fanatismos. Sob pena de perdermos nosso ceticismo, consciência crítica e passarmos a ver os fatos de forma distorcida, embaçada.

Eu pensei que fosse consenso entre os “meus” que os fins não justificam os meios (preciso lembrar de Stalin, Mao Tse Tung e de todo o Leste Europeu???) e que nos diferenciamos dos canalhas não na ideologia – que cada um tem a sua e tem esse direito, inclusive de achar que a sua é a melhor -, mas na prática, na ética dos atos diários, na chamada práxis (teoria praticada ou a ação prática da teoria).

Não quero apenas que todos tenham direitos básicos respeitados como alimentação, moradia, educação, saúde, transporte, lazer, cultura e informação. Quero um mundo igualitário, justo, ético e com condições equivalentes para todos. Isso tudo, assim, sem conceituar tecnicamente, é o que considero democracia.

Me ocorre um questionamento acerca da entrevista citada: Quando foi que a Band ou o Datena declararam apoio formal ao governo Lula ou a candidatura de Dilma Roussef? Até bem poucos dias, alguns antes da entrevista do presidente Lula ao programa Canal Livre, a Band fazia parte do que o Paulo Henrique Amorim chama de PiG (Partido da Imprensa Golpista). Deixou de ser?

Se considerarmos a hipótese da Rede Bandeirantes estar declarando seu apoio a um partido ou candidato, esse é um dia a ser comemorado no Brasil tanto quanto a Inconfidência Mineira ou a Independência. Uma empresa de comunicação assumindo pública e honestamente suas preferências políticas no Brasil, abriria um precedente salutar e fundamental para a construção de uma democracia sólida e real.

Se não for nada disso, preparem-se! Está aberto um precedente negativo e perigoso nessa campanha eleitoral – na prática já em curso e que, prevejo, será uma das mais repugnantes que já tivemos de presenciar. Os demais veículos se sentirão ‘autorizados’ a fazer o mesmo com os demais candidatos e será um salve-se quem puder.

Aí, eu quero saber: Como os “meus” reagirão? Como essa chamada imprensa alternativa, que tanto critica o comportamento da grande imprensa e o “mau jornalismo” que fazem (até agora com razão), irá reagir? E com que moral irão levantar suas vozes?

Em meio as minhas reclamações solitárias durante e após a entrevista (sic), alguém chegou a justificá-la, como se ela estivesse “equilibrando o jogo”. Desculpem-me, mas dois pesos e duas medidas a mim não servem. O que se viu na Band no último dia 21 não é jornalismo nem aqui e nem na China deve ser (piada tosca). Que dirá jornalismo independente!

Cuidado, blogueiros! Aceitar o jornalismo venal, tendencioso e subserviente só porque está momentaneamente favorecendo o seu candidato, partido ou ideologia, é aceitar que ética e justiça sejam apenas palavras vazias, sem significado, em discursos longos e falsos.

Não basta não sermos canalhas, precisamos provar que não somos nas nossas atitudes cotidianas.

Não basta criticar o mau jornalismo da grande imprensa. É preciso fazer o bom jornalismo, mesmo que para poucos ouvintes. Se não servir para mudar o jornalismo que se faz no país, servirá pelo menos para mantermos nossas consciências tranquilas. Se não houver consciência a ser tranquilizada, é porque, como já disse o Belchior, “eles venceram e o sinal está fechado pra nós, que somos jovens”… (ouça)

(Se estivesse no tuíter, diria agora #prontodesabafei)

Leia também Democracia à brasileira I



Lembrando do Henfil…


Henrique de Souza Filho, o Henfil, teria completado 66 anos no último dia 5. Igual aos seus irmãos Chico Mário e Betinho, foi uma das vítimas da Aids, que adquiriu numa transfusão de sangue obrigatória por conta da hemofilia. Henfil nos deixou cedo demais, aos 43 anos em 4 de janeiro de 1988. Ele que lutou com seu talento e ousadia contra a ditadura e pela Diretas Já! não teve tempo de ver a primeira eleição livre no país depois da abertura. Minha homenagem a sua genialidade faço através do texto da jornalista Lidia Basoli, retirado de seu blog alice via.

Henfil e seu traço cirúrgico

“Quando eu faço um desenho, eu não tenho a intenção que as pessoas riam. A intenção é de abrir, e de tirar o escuro das coisas”

Depois de alguns textos sobre criações fantásticas dos quadrinhos no mundo como o Calvin, a Mafalda e o Charlie Brown, chegou a hora de falar de um criador (é, ele foi mais do que um cartunista ou um chargista; ele ouvia o que não se falava): Henrique de Sousa Filho, Henfil, para os mais íntimos.

Muuuito prazer. Aliás, um prazer preciso, funcional, em um traço quase que invisível, mas que de tão profundo, deixa marcas sobre quem o lê. Henfil fez um tanto assim de gente pensar, através de desenhos sólidos, mas ao mesmo tempo, leves, que se desmanchavam em traços gargalhados de ironia, sarcasmo e acidez.

Graúna

Henfil nasceu em Minas no ano de 1944. Bom, talvez Henfil não tenha nascido. Acho mesmo é que ele brotou da voz de um povo humilhado, massacrado e redimido de várias partes do Brasil. E como é costume dos grandes gênios, Henfil partiu cedo, em 1988, com apenas 43 anos, nos deixando órfãos de uma visão humorística acerca de um Brasil que ainda não mudou.

Mas essa partida breve não o impediu de ser intenso, de ser profundo, de criar personagens com uma velocidade espantosa, com a mesma gana que o cara tinha de viver. É, porque viver para ele é que era urgente. O resto não importava tanto.

Bode Orelana

Henfil, assim como seu irmão, Betinho (é, o cara genial da Campanha da Cidadania e da Ação contra a fome) era hemofílico. E em uma das transfusões de sangue, recebeu também o vírus HIV. Mas isso não tirou dele a vontade de existir no mundo, de deixar sua marca, ou melhor, o seu traço.

E o Henfil era tão inteligente que conseguiu subverter todo um contexto de ditadura no período em que viveu. Na verdade, não o contexto em si, mas fazia dos seus traços a arma para lutar numa guerrilha quase solitária em torno dos direitos do povo, na busca por uma suposta democracia que podia demorar, mas que não tardaria a chegar.

Baixim

Deu vida a personagens intrigantes como “Os Fradinhos” (Frandins, no sotaque lindamente mineiro), uma dupla impossível formada pela acidez do “Baixim” e pela bondade ingênua do “Cumprido”, que juntos colocavam à prova o riso contido do leitor.

Também havia o “trio da caatinga” que criticava o Sul Maravilha, formado pela Graúna, Bode Orelana e o Capitão Zeferino. Sem contar é claro, o personagem típico do contexto da ditadura, aquele cara paranóico, Ubaldo, que de tão preocupado, tornava-se engraçado, numa caricatura invertida da realidade brasileira da época.

Ubaldo foi criado por Henfil depois da morte de Wladimir Herzog, em 1975, com o jornalista Tárik de Souza, mas só estreou em 1976, devido, olha só a ironia, à paranóia da época.

Ubaldo

Ubaldo

Henfil chacoalhou o país com as cartas que ele escrevia para a sua mãe, Dona Maria, no Pasquim e depois, em 1976, na revista Isto É, onde tinha liberdade para usar a mãe, através de uma literatura bem rasgada, para falar dos problemas do Brasil. Um gênio esse cara.

Uma pena que Henfil não conseguiu viver tempo suficiente para ver a democracia. Mas ele eternizou-se em seu desenho, tão veloz quanto seu pensamento, e que, creio eu, não eram apenas charges, mas sim cartuns de um passado político ainda bem atual aos nossos olhos.

Acho que no tinteiro que ele usava tinha sangue. E voz.

– Ah, Lídia, imagina, eu nem era tanto assim….
– Você ainda é Henfil…
– Sério? Então vou escrever uma carta para minha mãe falando sobre isso…
– Pois é, pra você ver…
– É, mas o que eu to vendo é uma esperança…igual a Graúna via quando a democracia estava próxima…
– Esperança? Do que, Henfil?
– De que o pão de queijo já assou… e de que ainda há muito a ser feito pelo Brasil…
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(Lidia Basoli)
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Quer saber mais sobre Henfil? Leia entrevista feita com Henfil em 1983 por Neusa Pinheiro que ficou guardada até fevereiro de 2009.

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Em um de seus livros, Diretas Já!, de 1984, se encontram os versos ouvidos e por ele imortalizados. No texto Novembro de 1982 (ps 62 e 63), ele termina assim:
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SE NÃO HOUVER FRUTOS
VALEU A BELEZA DAS FLORES
SE NÃO HOUVER FLORES
VALEU A SOMBRA DAS FOLHAS
SE NÃO HOUVER FOLHAS
VALEU A INTENÇÃO DA SEMENTE
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