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Perspectivas 2010: da crise ao pós-capitalismo

Reflexões a partir de uma pesquisa global da BBC e uma contribuição de Immanuel Wallerstein ao Fórum Social Mundial 2010
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Antonio Martins
Trezentos
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Parte da esquerda tradicional está, em várias partes do mundo, desencantada e deprimida com os desenvolvimentos da crise financeira internacional. Ela não resultou, ao contrário do que alguns acreditavam, numa implosão do sistema capitalista. Nas economias mais atingidas, os efeitos dolorosos tendam a se estender — desemprego e empobrecimento, em especial. Mas a ação dos Estados evitou tanto um drama social maior quanto uma série devastadora de falências em dominó (que parecia possível, no final de 2008). Teria sido mais uma “oportunidade perdida”.

No nascer de um novo ano, vale a pena temperar este pessimismo com alguns sinais no sentido oposto. Eles indicam que a grande batalha em torno da crise está apenas começando. E sugerem que, em vez de um desfecho mítico, pode iniciar-se uma etapa de grandes incertezas e instabilidade, mas também de enorme abertura para a construção de alternativas aos valores e às lógicas sociais vigentes. Em outras palavras, pode surgir um cenário em que o sistema predominante nos últimos séculos ainda se mantém — e no entanto é possível construir, de modo muito mais acelerado, relações pós-capitalistas.

O primeiro dado é uma vasta pesquisa internacional encomendada pela BBC, para sondar a percepção das populações mundiais sobre o capitalismo. O estudo foi conduzido no segundo semestre de 2009. Desdobrou-se em 27 países, onde foram ouvidas nada menos 29 mil pessoas (pelo instituto Globescan), num esforço para obter uma mostra da diversidade cultural e política do planeta. Seus resultados apareceram em novembro, por ocasião do 20º aniversário da queda do Muro de Berlim. São impressionantes, mas a mídia brasileira praticamente os ignorou. Duas décadas após o acontecimento apontado à sua época como o triunfo definitivo das sociedades de mercado, ou como o “fim da História”, a BBC constatou que apenas uma pequena minoria concorda com a tese essencial dos neoliberais então vitoriosos: para 11% dos entrevistados o capitalismo “funciona bem”, e as tentativas de submetê-lo a controles sociais ou estatais vão “torná-lo menos eficiente”. A impopularidade é global: em apenas dois países (Estados Unidos e Paquistão), entre os 27 sondados, a aprovação sem ressalvas ao sistema chega a ultrapassar 20% dos entrevistados.

O imenso grupo dos que desejam mudanças divide-se em dois blocos. Para 51% dos ouvidos pela BBC/Globescan, o capitalismo “tem problemas, que podem ser resolvidos por meio de regulações e reformas”. O sentido das mudanças pretendidas por esta maioria é nítido: os governos precisam “regular a economia de modo mais vigoroso” e “distribuir riquezas mais intensamente”. Há, por fim, um terceiro grupo considerável, que deseja ir ainda mais longe. Para 23% dos que responderam à enquete, o capitalismo “está irreparavalmente condenado, e um novo sistema econômico é necessário”. O percentual é duas vezes maior que o dos satisfeitos com o status-quo. E avança, em certos países: chega a 43% na França, 38% no México, 35% no Brasil e 31% na Ucrânia.

Os dados são notáveis, ainda mais se comparados com uma sondagem feita poucos anos antes. Em 2005, o mesmo Instituto Globscan verificou, ao ouvir populações de 20 países, que 63% viam o capitalismo como “o melhor sistema possível”. Que conclusões tirar da pesquisa — em especial ao cotejá-la com o sentimento de pessimismo que contamina parte da esquerda mundial?

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