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A esquerda e a criminalização da luta

“Ferdinand Lassalle em seu drama Franz von Sickingen
faz um de seus personagens dizer:

Não indiques apenas o fim,
mas mostra também o caminho
porque o fim e o caminho
tão unidos estão
que um muda com o outro
e com ele se move
– e cada novo caminho
revela um novo fim.
(trecho de A moral deles e a nossa – Trotsky, Leon)

Liberdade Guiando o Povo_Eugene Delacroix

Liberdade guiando o povo…, de Eugene Delacroix

Não nascemos ontem. Nos dois sentidos de não nascer ontem. Estamos, a esquerda, há muito tempo na luta e não pagamos de otário. Sabemos o que nos espera. O inimigo contra o qual lutamos é o mais vil e perverso e usa todas as armas, incluindo preferencialmente as desonestas. O inimigo da esquerda é desleal. E o que nos diferencia dele não é e não pode ser apenas o objetivo final e nem o discurso, sob pena de nos desconstituirmos e sermos aniquilados ainda durante a luta. Sim, nosso objetivo é nobre, o mais nobre de todos, mas não é suficiente. O que nos diferencia do inimigo é a nossa moral, são os meios pelos quais chegaremos ao nosso nobre objetivo, são as armas que usamos no dia a dia da luta.

É quando esquecemos da moral que nos diferencia do nosso inimigo que passamos a colaborar com a direita, e não quando exercitamos o pensamento crítico, o caminho mais certo na trilha até o nosso nobre objetivo. Sim, o caminho da crítica e autocrítica é penoso e pedregoso para a esquerda, mas não há outro, porque o inimigo age dentro de nós, ele conta com nossos sentimentos individualistas e egoístas, com o processo de reificação (quando achamos que superamos a opressão por sermos conscientes de nossa classe e condição) e, principalmente, com nossas divisões internas.

Há momentos mais complicados da conjuntura. Estamos em um deles. É quando precisamos lutar contra as opressões todas reforçadas pelo fascismo. O fascismo se alimenta da histeria coletiva, e já sobram listas de “comunistas” a serem combatidos (acho que a palavra que gostariam de usar seria “eliminados”) e não tarda o momento de livros proibidos e queimados em escolas e praças. É preciso atenção e vigilância constante, principalmente entre nós. Momentos críticos são também períodos de depuração, onde os titubeantes se tornam agentes de manobra do fascismo, vacilantes se tornam inquisidores e denunciantes, e ingênuos se transformam em gasolina nessa fogueira. Mais do que isso: Sempre haverá o dedo apontado para alguns esquerdistas dizendo que não é o momento de criticar, que é preciso união ou estaremos colaborando com o inimigo.

A questão é que calar a crítica, o pensamento crítico, é a onda fascista nos atingindo e influenciando. O pensamento crítico é o sangue da esquerda. Sem ele não existimos, não somos capazes de ler a conjuntura e nos posicionarmos nela do lado correto. É quando calamos a crítica, o pensamento dissonante, que colaboramos com o inimigo e nos perdemos no caminho. É onde estamos agora, perdidos. Mais do que união é preciso que todas as vozes dissonantes se ergam contra o inimigo comum, que pode estar inclusive entre nós. Será apenas com todas as vozes críticas ativas falando juntas que teremos o caminho apontado para trilharmos.

É o caminho que nos define.

É preciso se levantar contra toda e qualquer arbitrariedade. Não, não é de hoje que lutadores são vítimas do Estado (pretos e pobres principalmente), mas é quando as arbitrariedades chegam aos formadores de opinião, à elite intelectual (odeio essa expressão, vou usá-la apenas como identificação) e lideranças de movimentos sociais que percebemos o quanto estamos todos em risco. Muitos de nós alertamos a partir de 2013 que o fascismo iria crescer, que a repressão e perseguição não se resumiria aos anarquistas, autonomistas e black blocs. A esquerda partidária se perdeu quando 1) não se solidarizou com os 23 presos do Rio, com os meninos que confessaram (provavelmente forçados) o atentado que vitimou o cinegrafista Santiago Andrade da TV Bandeirantes na peça jurídica mais absurda que já tinha visto até então, com a Sininho transformada em inimiga número um do Estado (por favor, né?), com o Rafael Braga Vieira condenado e preso por porte de desinfetante e ainda 2) ergueu a voz para condenar a Tática Black Bloc, a mesma que estava evitando que professores, estudantes e sindicalistas apanhassem da PM nas ruas em protestos legítimos reprimidos como se estivéssemos numa ditadura. Perdemos o bonde da história, esquecemos de que lado e contra quem lutamos.

Agora, veja só, estamos de novo nas ruas lutando pela porra do Estado, aquele mesmo que é instrumento do inimigo para nos oprimir, para que as regras válidas até aqui (mesmo que ignoradas contra nós) não sejam suspensas. Estamos aí defendendo os vacilões, titubeantes e ingênuos que ontem negaram sua defesa a outros lutadores da esquerda porque sabemos que é a moral que nos difere dos inimigos, e não os vacilos, titubeações e ingenuidades de alguns. Sabemos que pagamos com a vida quando da suspensão da legalidade e dos direitos civis. Esqueceremos os vacilos? OBVIAMENTE NÃO. Mas isso não nos impedirá de lutar por qualquer oprimido que esteja em risco diante do Estado e do inimigo.

Isso tudo para dizer que o discurso de esquerda, aquele que reivindica nosso nobre objetivo e nossa luta, sempre foi criminalizado. Não começou hoje. Ou alguém esqueceu a investida contra o MST no início dos anos 00? A questão é quando isso é motivo para levantarmos do sofá e irmos para a rua e quando não. Se a condenação de um negro inocente por porte de desinfetante ou a prisão e processo contra 23 autonomistas que estavam lutando, antes de nós, contra o fascismo não é motivo para ir à rua, fatalmente teremos que ir à rua por nós mesmos depois. Se der tempo, claro.

Entendeu o que nos diferencia e o que nos une? Bueno, se nem o Trotsky com o primoroso A moral deles e a nossa  conseguiu, não seria eu, né? Mas fica a tentativa. E o alerta do Brecht*.

 

p.s.: Mesmo que o PT consiga capitanear os vermelhos (ou anti verde-amarelos) que foram às ruas  em apoio ao governo e evitem o pessegamento de Dilma, isso não encerra a onda fascista. Muito pelo contrário. E serão os lutadores sociais, e não as lideranças, que pagarão esse pato, e que enfrentarão a fúria e histeria dos fascistas nas ruas _com o apoio do Estado, é bom lembrar.

p.s.2: Qualquer que seja o desfecho dessa conjuntura, serão os oprimidos que levarão a pior, disso não há dúvida.


A esquerda e as eleições 2014

Oi. Vocês vêm sempre aqui? Pois, é. Nem eu. Só venho quando estou sufocando pelas palavras. Então, segue mais uma análise política, das minhas, em tom de desabafo, meio visceral. #TejeAvisado

luta

Tá osso aturar os debates políticos dessa eleição, estão infinitamente piores e mais rasteiros que os de 2010. Mas como tem muita gente próxima falando em patrulha e sobre a existência de cagação de regra sobre ser ou não esquerda e sobre quem é esquerda em contrapartida com suas opções eleitorais manifestas, se fazem necessários alguns esclarecimentos.

Define-se politicamente como esquerda quem é anticapitalista. Ponto. Infelizmente não é necessário nada além disso, nem ser antimachista como gostariam as feministas de esquerda, nem antirracista como gostariam os negros e negras de esquerda, nem a luta por direitos humanos e anti-homotransfobia como gostariam LGBTs e nem mesmo marxista, como gostariam os marxistas ortodoxos. Sim, os marxistas ortodoxos seriam os únicos que lamentariam, porque para os marxistas no geral basta ser anticapitalista e estar organizado na luta pela libertação do proletariado.

Particularmente gostaria que ser antimachista, antirracista e anti-homotransfobia E marxista fosse condição para ser esquerda. Seria tudo bem mais fácil. Mas não é, então bóra seguir na luta pela conscientização dos anticapitalistas que não existe secundarização ou hierarquização de lutas e se travarmos as lutas todas paralelamente engrossa mais o caldo e mais forte seremos para derrotar o capital. Afinal, o capital se estrutura em opressões — a opressão de uma classe sobre outra, de uma raça sobre outras, de um gênero sobre outros.

Ser anticapitalista já é coisa pra caralho! Significa ser contra o neoliberalismo, contra neodesenvolvimentismo que está acabando com as chances de sobrevivência no planeta (embora a experiência soviética tenha sido e seja considerada ainda como anticapitalista), a favor da reforma agrária (embora essa seja uma bandeira tradicionalmente liberal e social-democrata), estar do lado dos trabalhadores em suas lutas e organizações, contra a globalização da economia, contra a especulação financeira, contra banqueiros, contra o agronegócio, contra a matança do povo negro, contra o trabalho escravo… e por aí vai.

Significa, portanto, que ser esquerda te coloca fatalmente contra as governos e candidaturas que defendam ou estejam aliados com o capital, os empresários, o agronegócio e que não falem em reforma agrária. De modos que, no cenário de 2014 sobram poucas opções.

Tenho vários amigos que ainda defendem Dilma e o PT, amigos que gostam (desde 2010) e apostam em Marina, amigos que votarão nas poucas opções de esquerda — Luciana, Iasi, Zé Maria ou Pimenta — no primeiro turno e anularão no segundo turno, amigos que aguardarão a decisão do seu partido no segundo turno e a seguirão (sim, isso ainda existe), amigos que anularão nos dois turnos e amigos que como eu sequer irão às urnas. Respeito todos tanto quanto respeito o meu direito de me abster conscientemente do processo. Felizmente não tenho amigos que votarão em Aécio, porque aí já seria vandalismo. Mas tenho amigos que votarão em Eduardo Jorge, e, não, o PV não é anticapitalista, embora o candidato seja doidão, engraçado, divertido e tals.

Qual é o problema, então? O problema amigues é ser esquerda — não apenas os partidos, sindicatos e outras entidades, mas principalmente as pessoas que compõem essas organizações –, ativista, influenciar pessoas a sua volta com sua opinião/posição (sou do tempo, nem tão distante assim, em que as pessoas esperavam seus expoentes mais próximos tomarem partido desse ou daquele candidato para saberem/decidirem para lado iriam) e defender irresponsavelmente uma candidatura de direita, neoliberal. Isso confunde os trabalhadores e demais oprimidos induzindo-os ao erro de acreditar em quem não está comprometido com suas lutas e libertação. É grave. Considero além de omisso e covarde, canalhice. A esquerda não tem esse direito, salvo o faça também enganada. Não é o caso. Há informações de sobra e o quadro é mais cristalino que água pura.

Não se trata de patrulha do pensamento ou do voto de ninguém. Trata-se de cobrar a responsabilidade que a esquerda tem nesse processo. Quer apoiar neoliberal que vai ferrar com o ambiente, vai continuar não fazendo a reforma agrária e manterá os mais miseráveis amarrados com uma esmola que não garante condições dignas de vida e nem cidadania plena a ninguém, nem fará uma revolução na educação e muito menos dará acesso pleno à saúde a todos? Beleza, amigue. É teu direito. Só não se diga mais de esquerda porque não és. Cantar essa pedra não é patrulhar ninguém, é só dizer a verdade, o que estou fazendo questão nesse momento.

Não tenho ilusão alguma que votar no Pimenta, Luciana, Zé Maria ou Iasi e/ou ainda anular ou se abster vá alterar a conjuntura eleitoral. Desculpa, mas estou cagando pra isso. Não me sinto responsável pela escolha errada dos outros. O que considero um erro irreparável para a esquerda é matar o seu capital, o seu alimento — a confiança da classe trabalhadora e demais oprimidos. Porque o esquecimento do brasileiro só se dá com quem é distante, com o deputado ou senador em que votou, mas ele não se repete com a pessoa próxima que o convenceu/induziu/influenciou a votar no político canalha que esqueceu as promessas que fez. O capital da esquerda é a confiança que tem os oprimidos que ela estará sempre firme em sua defesa, incansável, perene, persistente.

Bater no peito reivindicando o direito pessoal e inalienável do voto é bem fácil quando quem pagará a conta pela sua escolha errada serão os mesmos de sempre, inclusive o ambiente que perde sua capacidade de autorrecuperação a cada dia e caminha para o inevitável. Mais do que isso, é uma opção ideológica. E é com isso que estou me debatendo.

Dizer isso não é eu definir quem é esquerda (essa definição já existe), é apontar a contradição e cobrar a responsabilidade que temos. Não ouso apontar nenhuma candidatura para quem se influencia por minhas opiniões e posturas porque não acredito no processo, nessa democracia de apertar botãozinho numa urna duas vezes a cada dois anos e ajo de acordo com a minha consciência.

Minha tarefa nessa eleição enquanto esquerda é denunciar as candidaturas de direita e neoliberais. Critico o que tenho que criticar nas candidaturas de esquerda, mas JAMAIS me verão batendo ou desqualificando uma candidatura de esquerda para favorecer uma de direita. Não me importo se minha posição não influencia no resultado final da eleição, porque política é bem mais que eleição e a luta de classes se dá é no dia a dia.

Desde o ano passado que penso e falo em voltar a me organizar num partido, e esse desejo vem da constatação da luta política estar cada vez mais desigual e injusta para os trabalhadores, que contam com cada vez menos camaradas de fé em sua defesa. Não sei se encontrarei um partido que me contemple, só sei que é preciso organizar a luta para enfrentar o capital — o protagonista e o grande vencedor dessa disputa eleitoral, da qual a única certeza que tenho é já estar na oposição. #BeijoMeUnfola

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O Gilson também escreveu a respeito hoje.


Onde você guarda o seu machismo?


De novo uma polêmica entre homens tidos como politicamente corretos e de esquerda versus as feministas (sempre elas!) para nos lembrar — a nós, feministas — que a nossa autonomia, respeito e liberdade será conquistada apenas por nós mesmas com, no máximo, o apoio solidário e/ou crítico (bem mais provável) de nossos companheiros e camaradas homens, e — a nós, esquerda — que ou abraçamos de verdade a luta emancipatória das mulheres como bandeira ou nunca teremos autonomia e emancipação de classe.

Rir de nós mesmos e de nossas contradições é saudável e nos ajuda a sobreviver neste mundo, mas concordar com desrespeito e o reforço dos estereótipos não é humor. E quem é quem tem a medida do preconceito? Quem determina até onde é humor e quando passa para desrespeito? São os brancos(as) quem têm a medida do racismo nas piadas racistas? São os héteros(as) quem têm a medida da homofobia nas piadas homofóbicas? São os homens que têm a medida do machismo nas piadas machistas? Não, óbvio. Quem sofre o preconceito, quem é discriminado é que está mais habilitado a delimitar o que é humor e até onde é possível rir de si e suas características. E é justo que seja assim.

É cômodo para os homens da chamada esquerda estarem ao lado das feministas nos casos recentes que envolveram o “humorista” Rafinha Bastos — amamentação e estupro –, uma vez que ele não é esquerda. No caso do Luis Nassif, idem, e quase todos os chamados “progressistas” (odeio esse termo, mas já que se auto denominam assim, vá lá) tentaram atenuar sua atitude no caso das “feminazi” e ficaram as feministas — na verdade apenas algumas delas como quase sempre — como as radicais, patrulheiras, as que enxovalham a honra de um homem respeitável por causa de um mero escorregão (ironia mode on). No caso do crítico de cinema Pablo Villaça, que rolou nesse final de semana, de novo são as feministas as radicais, chatas e sem senso de humor que não entendem uma piada “normal” e atacam o pobre homem que só estava brincando. Ô, dó!

O que vi acontecer foi de novo a reunião dos machos em torno do “companheiro” (termo usado aqui para explicitar a solidariedade masculina, entre gêneros) que caiu nas garras das demoníacas feministas que fizeram nada além do que evidenciar o que ele mesmo estava dizendo. Os tuítes do Pablo Villaça foram escritos por ele, ninguém o obrigou a raciocinar daquela forma e articular aquelas frases carregadas de machismo. De que adianta ele ter escrito textos antimachistas antes (dizem que escreveu, eu nunca li) se não aprendeu nada e a motivação para escrever tais textos não serviram para mudar seu comportamento? Mas o que realmente me preocupa é ver homens que se dizem esquerda embarcando no jogo de vítima do cara. Bastou chamar de feminista radical para ganhar razão, como se nós precisássemos ser de um determinado jeito ou nos comportarmos de maneira pré-aprovada pelos homens para termos algum tipo de respeito ou consideração por nossa luta.

Cabe a pergunta: Basta se dizer antimachista para ser? O que faz alguém ser antimachista, antihomofóbico e antirracista são suas atitudes cotidianas no combate ao que seria natural, a produção e a reprodução dos preconceitos existentes na sociedade em que estamos inseridos. É preciso, sim, autovigilância e quando esta falha sobra o papel de chato(a), de patrulheiro(a) do comportamento politicamente correto para nós que sofremos o preconceito e sabemos onde é que o calo aperta. E como esse calo aperta e dói! Ou basta se dizer de esquerda para estar a salvo da produção e reprodução dos preconceitos presentes na sociedade? Onde a esquerda guarda (guarda?) o seu machismo? Onde VOCÊ guarda o seu machismo?

A imensa diferença desse nosso tempo para dez, vinte anos atrás é que hoje as piadinhas ditas antigamente nos bares, nas conversas de corredor por fora dos discursos oficiais dos valorosos companheiros da esquerda, é a existência da web e suas redes sociais. Elas viraram os corredores e bares da atualidade e aquilo que é dito num tuíte não seria, obviamente, elaborado num texto (discurso) do blog ou publicado no artigo. E é aqui que a coisa pega, porque esses bares e corredores atuais reverberam, tem eco, e a palavra escrita tem um peso imensamente maior do que a falada. Um tuíte é capaz de revelar aquele teu preconceitosinho que estava escondido, abafado, lá no fundinho do teu ser. Detalhe: E mesmo que você decida apagá-lo depois que percebeu o escorregão, alguém pode tê-lo salvo e te lembrará dele para o resto da vida.

Cansada demais dessa esquerda torpe, machista, homofóbica, racista que vive se negando para poder continuar se dizendo esquerda. Não estou cansada das pessoas, mas do comportamento. Somos todos humanos e passíveis do erro. Aliás, dizem que a capacidade mais intrínseca do ser humano é o erro e o que nos diferencia (o que pode nos diferenciar) é o que fazemos com nossos erros. O erro maior do Pablo Villaça não foi a piada idiota que ele reproduziu, mas o que ele fez quando foi criticado por ela, quando o seu “escorregão” foi identificado e evidenciado.

E sabem por que é tão difícil perceber que o Pablo Villaça foi machista e sua reação foi abominável? Porque reconhecer isso é reconhecer o próprio machismo, reconhecer que achou graça na piadinha idiota e machista que ele divulgou e é se reconhecer também machista. “Ôpa! Eu, machista??? Nãããooo. Eu sou de esquerda!” — Oi?

Fica aí o conselho da Lola Aronovich :: “Todo mundo escorrega e é machista às vezes. Acontece. Mas se alguém te critica por isso, saiba ouvir. Reflita. Peça desculpas.” Seria muito mais producente para a luta da esquerda se pudéssemos parar de gastar tempo e energia em lembrar os nossos camaradas e companheiros que um dos pilares de sustentação da opressão de classe é a opressão de gênero. Seria mais producente também que os nossos camaradas e companheiros revertessem a energia que gastam tentando nos transformar nas vilãs das suas histórias e manifestações misóginas em autovigilância do próprio machismo.

Numa brincadeira carregada de ironia, a Carina Prates tuitou sobre “o feminismo ideal” (leia de baixo para cima):

E ainda acrescentou:

E ainda dizem que não temos humor…

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O jornalismo deles e o “nosso”

Faz tempo que leio, ouço, vejo críticas à grande imprensa brasileira. Aliás, desde que me entendo por gente, antes mesmo de ser jornalista. De uns tempos para cá, essas críticas vêm acompanhadas de um apelido. Na época em que essa grande imprensa começou a dar voz a um pequeno grupo que sugeria o Fora Lula, no início de 2007 (portanto logo após a eleição que o reconduziu à presidência), o jornalista Paulo Henrique Amorim passou a chamar a grande imprensa de PiG (assim com o i minúsculo para identificar com iG, de onde foi demitido em 2008), Partido da Imprensa Golpista. Nesse post do blog Maria Frô tem uma explicação melhor e mais detalhada sobre o que é PIG, como surgiu, quem usa a expressão e que tipo de prática jornalística caracteriza.

Com o advento das redes sociais que permitem transmissão de informação como Facebook e Twitter, o conceito do PIG foi tomando corpo e espaço e reverberando. A blogosfera e a chamada imprensa alternativa seriam conceitualmente a antítese do PIG. Conceitualmente. E eu digo seriam porque na prática não são.

Entre as práticas condenáveis do chamado PIG estão a manipulação da informação, manchetes que distorcem o conteúdo das matérias, enfoques privilegiando um dos lados da notícia (e sempre o mesmo lado, a classe dominante e os chamados governos de direita) e em alguns casos o total silêncio, como se o fato simplesmente não estivesse existindo.

Desde sempre discuto o papel do jornalista de esquerda. Como se contrapor a grande imprensa e aos grandes monopólios e ainda sobreviver exercendo dignamente a profissão? Tarefa complicada. Quinta coluna declarada desde sempre e jornalista formada há 13 anos, ainda não encontrei a fórmula. Vendo minha força de trabalho como qualquer trabalhador, produzindo textos em série, em sua ampla maioria fúteis, para ter o direito de blogar e exercer meu jornalismo livre e marginal. É isso ou trabalhar para o PIG, como faz PHA e muitos dos blogueiros críticos ao “jornalixo” ou “jornalismo canalha“. Não me imponho a tarefa de me contrapor a grande imprensa. Não tenho estrutura para isso. Sequer tenho câmera fotográfica para exercer o tal “jornalismo cidadão”, mas não me furto de dar minha opinião em assuntos que considero importantes.

Desde a última eleição para presidente – uma das mais violentas e atípicas da história –, vi de um lado a grande imprensa pesando sua balança para o candidato tucano e a blogosfera e a imprensa alternativa (salvo honrosas exceções) pesando sua balança para a candidatura petista.

Trezentos blogueiros se reuniram em São Paulo em agosto do ano passado com uma estrutura nunca antes imaginada para blogueiros alternativos, com a clara e confessa intenção de organizar o contraponto à campanha da grande imprensa na defesa do governo e de sua candidata (Blogueiros Progressistas ou blogprog). Abro um parênteses aqui para dizer que esse fato me incomodou demais. Além de ser um encontro bem pequeno burguês, onde blogueiros marginais que contam moedas para pagar sua conexão não tinham condições de estar, ser de esquerda e não votar em Dilma era considerado crime capital.

Continuarei tomando meu café na caneca do PIG e mostrando a bunda pro povinho da patrulha, da etiqueta governista revolution*

A partir daí começou a patrulha na blogosfera e nas redes. Quem criticasse o governo (perfeito!), Lula (deus!), ou Dilma (santa!) era acusado de ser tucano, de colaborar com a oposição e ou de ser “a esquerda que a direita gosta”. A ordem era ‘defenda o governo acima de qualquer coisa, incluindo a sua consciência crítica‘. O comportamento dessa ‘brigada’ identificada como “onda vermelha” era evangelizador, fundamentalista, e essa ‘guerra santa’ ficou tão violenta que cortei relações com umas 300 pessoas (nem todos blogprog) e deixei de ler blogues que acompanhava há muito tempo. Mais do que isso. Perdi o respeito que nutria por esses cidadãos e profissionais. Até tentei voltar a acompanhar boa parte deles, mas o estrago já estava feito. Eles não perderam o vício da patrulha e estão mesmo vendados, cegos.

No último período surgiu o slogan “O PIG esconde, a gente mostra”, num esforço de cumprir o papel que a grande imprensa se nega – perseguir a verdade com ceticismo e inteligência –, passaram a divulgar notícias que, segundo eles, o PIG não divulga por ser contra seus interesses. Isso na teoria. Numa manhã dessas, um amigo tão cético quanto eu se deu ao trabalho de conferir sete das manchetes citadas no tal slogan. Segundo ele, TODAS estavam publicadas na Folha de São Paulo (vilã mor do PIG junto com a Veja). Ele ainda alfinetou ao final: “Vocês mentem!” Não lembro de alguém tê-lo contestado, mas o slogan segue a pleno vapor mostrando matérias que teoricamente o PIG esconde. Mas a Folha publica.

O jornalismo praticado pela maioria dos blogprog e por boa parte da imprensa alternativa é igual ao da grande imprensa. Só mudam os personagens a serem defendidos e atacados. Quero aqui fazer uma ressalva sobre um grande portal, o Vermelho do PCdoB, que por ser veículo de um partido político tem a licença natural de ser ideológico. Quem vai ao vermelho buscar informação, sabe de antemão o viés da notícia. A isso se chama isenção jornalística. Incluo nessa ressalva os blogues que estampam a foto da atual presidenta e aos que tentam honestamente manter a isenção. Aos demais, aconselharia uma leitura que me acompanha desde guria: “A moral deles e a nossa” – León Trotsky. Acrescento que não basta se dizer diferente. É preciso se constituir como diferente nas práticas diárias (se pudessem ler também o conceito de práxis em Gramsci, seria bom) . Reproduzir o péssimo exemplo de jornalismo do PIG só o reforça. E aí cabe a pergunta: Quem é de fato a esquerda que a direita gosta?

Todo socialista sabe (está nos relatos da primeira revolução socialista, a russa) que governo ainda no sistema capitalista é um jogo em disputa, precisa ser tensionado à esquerda porque a direita e a grande imprensa estão combatendo diariamente. Isso na hipótese de termos de fato um governo de esquerda. Atualmente isso é apenas uma crença de militantes fundamentalistas desvairados que querem provar sua hipótese a qualquer custo, engolindo Sarneys, Collors, Calheiros, Cabrals, Kassabs e toda sorte de sapos, cobras e outros animais peçonhentos que enfiam nas suas goelas e nas de outrem.

Crítica e auto crítica são fundamentais para manter o prumo, para se manter no caminho certo. Se for apenas um jogo de poder e de se manter nele, tirem as máscaras e parem de usar os termos esquerda, socialista, cidadania, verdade e, inclusive, o PIG. Transformar seus blogues em panfletos de propaganda governista não revela altruísmo ou ativismo abnegado. Apenas levanta suspeitas quanto à manutenção monetária desses veículos. Tal e qual com a grande imprensa, onde quem anuncia é bem tratado na notícia. O problema é que nos blogues e na imprensa alternativa não há anúncios. Quanto mais obscura essa relação, menos crédito dou às defesas inflamadas que tenho lido ultimamente.

Blogueiros gostam de bater no peito e dizer que não abrem espaço para anúncios porque se profissionalizar – ninguém anunciaria em blogues que não sejam atualizados periodicamente – perderiam a característica informal, marginal e porque não se vendem. Ok. Mas vender a consciência crítica tudo bem? A que preço? Ativistas experientes podem mesmo ficar tão cegos e alienados assim?

Atualmente há uma campanha na internet pedindo a saída da ministra da Cultura Ana de Hollanda. Na linha de frente dessa campanha estão velhos camaradas e até ex-funcionários da campanha à presidência de Dilma. A primeira atitude de alguns blogueiros, antes de verificar os argumentos desses seus velhos camaradas, foi tentar desqualificá-los, descontextualizar as críticas e defender o governo – e aqui há um equívoco, porque defender o governo Dilma nesse momento pode passar justamente por pedir a substituição de Ana de Hollanda –. Ou é muita miopia política ou talvez a tese hipotética de financiamento governista de alguns blogues não seja infundada. Vejam bem, eu disse “alguns blogues”. Existem centenas de pequenos blogueiros que fazem a defesa do governo Dilma na base do “amor”. Mundo injusto esse, não?

Só uma constatação: O que se faz na maioria dos blogues e da imprensa alternativa deste país é tão anti-jornalismo quanto o que se faz na grande imprensa. É o roto falando do esfarrapado. Talvez por isso a grande imprensa não se sinta ameaçada pelo blogprog. Ser de direita não é necessariamente ser burro ou cego, né? Tal e qual ser de esquerda não garante neurônios ágeis, razão ou ética.
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Sujestão de leitura: Sobre ser jornalista…
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* A etiqueta governista revolution é a definição para a brigada virtual de militantes sempre prontos a defender o governo petista, não importando qual a crítica ou argumento. Mesmo defendendo um governo que não pode ser classificado como esquerda, eles se sentem vanguarda da revolução socialista, que não aconteceu no Brasil (é bom lembrar). O termo é proposital e debochadamente contraditório, autoria da publicitária cearense Mayara Rocha.
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Ano novo, lutas velhas!

Anteontem li alguém dizendo que ano novo é uma mera definição de calendário. Apesar de todo simbolismo, é apenas um dia depois do outro com uma noite no meio. O ano pode ser novo, a década também, mas as lutas são velhas. Algumas muito mais velhas que eu (acredite se quiser!!! <—- ainda sob impacto da crise provocada pelo último aniversário).
Tanto assim que a revoltada aqui segue se debatendo em embates (bem chatos) sobre feminismo, a esquerda, a grande imprensa, a posse da primeira mulher presidente (presidentA) no Brasil, ódio de classe, hipocrisia sobre aborto, preconceitos em geral e discriminações para todos os gostos.
Confesso estar bem cansada de fingir que acredito no feminismo dos meus camaradas da esquerda, e no último embate pelo menos consegui derrubar uma máscara (viva!). Homem feminista (sic) dizendo “é uma questão de estratégia política – é mais ‘inteligente’ unir forças e derrotar o inimigo comum para depois brigar entre si“, afirmando que o machismo da direita e da grande imprensa é mais nocivo, maior e pior que o machismo da esquerda, é a mais nova versão para o velho chavão da esquerda “primeiro libertaremos os trabalhadores da opressão de classe e depois uniremos forças para libertarmos as mulheres da sua opressão específica”. Primeiro a macro política (leia-se política de homem, importante), depois as lutas menores, específicas (leia-se política de mulheres, negros, jovens, deficientes, ambientalistas…) Conhecemos bem essa balela. Conversa para boi dormir (ou enganar a vaca).
A história já provou que [1] a luta das mulheres é prioritária porque a opressão de gênero é o pilar fundamental de sustentação do capitalismo e da opressão de classe, não à toa surgiu junto com a ‘invenção’ da propriedade privada, e [2] nas experiências de ruptura do capitalismo e tentativas de derrotar a opressão de classe, a luta pela libertação das mulheres ficou em segundo plano, não por ser secundária mas porque assim foi determinado pelos líderes camaradas homens das tais revoluções socialistas que nunca cumpriram suas promessas de depois dar atenção a nossa causa e opressão.

Novas Perspectivas – “Em Leipzig, na antiga Alemanha Oriental, surgem indícios que apontam um novo caminho para a sociedade. Nada de capitalismo ou socialismo, senhoras e senhores. O futuro é isso aí.” 28/09/2010. Do blog Memórias do muro, da jornalista Ariane Mondo

Quantos embates mais teremos que travar para provar que não há socialismo nem liberdade sem feminismo? Poxa! Se não aprenderam com as experiências históricas, vão aprender como, quando? Cansa ficar repetindo os mesmos chavões ano após ano. E quando, de tempos em tempos, temos alguma vitória, somos obrigadas a travar uma luta extra de manutenção dessa conquista ou retrocedemos (vide caso da violência contra mulher e feminicídios).
Quem decide qual luta deve ser priorizada, trincheira ocupada ou inimigo a ser combatido primeiro, somos nós mesmas. Não precisamos de orientação nem de comando. Alguém ousa ficar ditando regra ao MST, movimento negro, ambientalista, LGBTs? A esquerda não ousa orientar ou comandar nem mesmo o movimento estudantil, composto em sua amplíssima maioria por jovens e que muitas vezes repetem erros já vividos por militantes mais experientes. Sua autonomia é respeitada e assim está correto.
Ao movimento feminista tem sempre um homem (vide participações e comentários em blogs feministas) dizendo que estamos sendo radicais, que se formos por ali ou por aqui perderemos apoio à nossa causa ou espantaremos apoiadores e tentando nos dizer qual linha do feminismo e/ou pensadora feminista é a mais certa. Oi? Um sincero “VTNC” aos homens pseudo feministas sabichões de plantão. Vão cuidar de suas vidas e suas lutas. Do movimento feminista cuidamos nós, mulheres feministas. Respeitem nossa autonomia e escolhas e nos apóiem como fazem com os demais movimentos. Ou nossa luta não é justa?
Nosso inimigo é um só, o machismo. Seja machismo de direita, esquerda, de homens, mulheres, gays, jovens, negros, na grande imprensa ou blogosfera ou na sociedade como um todo, será combatido da mesma forma e no tempo que surgirem.
As lutas travadas hoje são velhas, seculares, assim como é velha a minha revolta e indignação. Mas um ano e uma década novinhos em folha renovam forças e disposição para lutar e para os “novos” embates. Que venham os machistas todos. Minhas mangas estão arregaçadas e meus punhos erguidos.
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Pronto, desabafei!
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Obrigada, camaradas!

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Dilma Rousseff, na lente de Carlos Latuff

Finalmente acabou a pior eleição que já acompanhei. E olha que vivi intensamente a de 1989, a campeã em baixaria até então.
O mais marcante da rede de boatos e mentiras dessa eleição foi a existência das mídias sociais e o seu uso como arma para a divulgação dos absurdos inventados para espalhar o pânico e o terror. Até as empresas de telefonia foram envolvidas, principalmente celular (e é preciso investigar como se deu esse envolvimento pela Polícia Federal), com trotes ameaçadores do tipo: “Se você votar na Dilma, terá sua linha telefônica cancelada” ou “sua casa será invadida” e o tom terrorista ao final “sabemos como te encontrar”. Igual aos trotes de falso sequestro emitidos dos presídios tentando extorquir dinheiro das vítimas.
Chamo a atenção para os spams (algo que surgiu junto com a internet), e aos quais in-com-pe-ten-te-men-te a campanha de Dilma se deu ao trabalho de responder no caso do aborto e que fez com que a candidata, agora presidenta eleita, assumisse publicamente o compromisso de não tomar a iniciativa de alterar a legislação sobre aborto durante o seu mandato. E danem-se as mulheres que seguirão morrendo vítimas de abortos mal feitos e clandestinos país afora. Espero sinceramente que a bancada feminista do Congresso tome essa iniciativa. Afinal, Dilma (pelo menos isso) não se comprometeu em vetar uma lei que regulamente o tema vinda do Legislativo.
Mas nem mesmo toda a baixaria impressa pelo PSDB e pela direita raivosa desse país e reverberada pela grande imprensa nessa eleição conseguiu transformar Dilma numa candidata de esquerda. Nem o PT é mais um partido de esquerda. Nada em seu programa de governo ou em suas propostas pode ser classificado como sendo bandeiras esquerdistas. Alguém pode retrucar lembrando do compromisso principal assumido por Dilma – em seu primeiro pronunciamento como presidenta eleita -, a erradicação da pobreza. Não se iludam. É impossível erradicar a pobreza no capitalismo. Tudo o que o governo Lula fez nesse sentido comparado aos lucros dos banqueiros e empresários não passou de migalhas. Distribuir renda é outra coisa. Avançamos, sim. O Brasil de hoje – tal como previ em 2002 – é infinitamente melhor que o Brasil de FHC e do PSDB. Jamais cometeria o erro histórico de comparar Dilma à Serra, mas seus partidos disputam as bandeiras da social democracia. Um com respeito aos movimentos sociais e o outro se utilizando do aparelho repressor do Estado para inibir oposição e com total apoio da grande imprensa. Mas nós, cidadãos, estamos muito longe (muito mesmo) de sermos todos iguais – diante da lei ou de quem quer que seja – como garante apenas na teoria a nossa constituição.
Quero salientar que o fato mais significativo dessa eleição, que é termos a primeira mulher na presidência do Brasil em 510 anos, foi habilmente anulado pelos setores mais retrógrados e reacionários do país durante a campanha. Da mesma forma como hoje, na prática, pouco representa (a não ser simbolicamente) para os negros dos EUA e do mundo ter Barack Obama ocupando o cargo mais importante do planeta. E eu lamento isso profundamente. Queria mesmo estar comemorando o feito de termos elegido uma mulher, mas ainda é cedo para saber se Dilma se comportará diferente de um homem em seu lugar.
Por fim, quero agradecer aos companheiros de luta, de esquerda, que abraçaram essa campanha como se Dilma representasse mesmo a derrota da direita e da grande imprensa. Vocês estarão lado a lado comigo nas críticas às políticas governamentais adotadas nos próximos quatro anos, porque o PT não compra nenhuma grande briga e o PMDB ganhou no futuro governo Dilma muito mais espaço. Aliás, desde o governo Sarney – e eles nunca mais saíram do poder (Collor/Itamar, FHC, Lula) -, esse será o governo em que terão mais espaço. Mas é evidente que reconheço que será muito melhor criticar e levantar bandeiras no governo de Dilma Rousseff. Desejo que sua eleição como presidenta siga refletindo e influenciando outros países da América Latina.
A política de Estado continua a mesma e nos encontraremos nas lutas pelos avanços na legislação sobre aborto e pelo fim da violência contra a mulher, pela reforma agrária, pela abertura dos arquivos da ditadura militar e pela punição aos torturadores, pelo fim do desmatamento na Amazônia, por um amplo programa de educação popular, por saúde pública, … A luta de verdade, da vida real, nunca acaba enquanto houver opressão e oprimidos.
Obrigada, camaradas! Eu pude ser fiel e leal à minha consciência e votar nulo no primeiro e segundo turnos dessa eleição, porque vocês toparam enfrentar a guerra suja desse arremedo de democracia que vivemos. Eu não tive estômago para tudo isso.


Contradições…

A foto acima é da marcha de abertura do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre anteontem, 25, foi registrada pelo amigo Pedalante e por ele enviada num e-mail. Um pouco antes de receber a foto ontem (26), fiquei sabendo pelo tuíter especial da Zero Hora de cobertura do FSM (@FSM_ZH) que houve “tentativas de abuso sexual” no Acampamento Internacional da Juventude. Retuitei. Logo depois, o perfil da Marcha Mundial das Mulheres (@marchamulheres) envia tuíte perguntando: “de novo? sempre acontece isso nos acampamentos =( ”

Um pouco mais tarde, o perfil @FSM_ZH relata que para encontrar um papel jogado no chão no mesmo Acampamento Internacional da Juventude, precisou andar mais de vinte minutos e destaca isso como sendo um “ótimo exemplo”. E é mesmo! Mas não é contraditório? Essa juventude, que incorporou um novo comportamento com relação ao planeta – que é uma preocupação ralativamente nova para a esquerda, ainda não assimilou um novo comportamento com relação às mulheres. Não é de se estranhar que mesmo com uma lei específica para coibir a violência contra a mulher, os casos só aumentem. É lamentável que essa juventude, dita de esquerda e revolucionária, não tenha com as mulheres os mesmos cuidados que tem com o planeta.

Quando é que as mulheres deixarão de serem vistas como coisas, como simples objeto do desejo masculino? E por que só li essa informação na chamada grande imprensa ou mídia burguesa – expressão mais frequente nos discursos da esquerda? Por que os jornalistas da chamada imprensa alternativa, de esquerda, da blogosfera, não fizeram a denúncia?

Como resposta a todas essas perguntas me aproprio do slogan da Marcha Mundial das Mulheres para dizer que “seguiremos em marcha até que todas sejamos livres”. Esse “outro mundo” tão propagado pelo FSM, só será possível ser construído quando as mulheres forem livres, donas de seus corpos e sexualidade. A mudança começa no dia a dia, no comportamento de cada um.


Nota: Segundo as informações do repórter Paulo Germano (acampado) e repassadas ao @FSM_ZH, todos os envolvidos no caso foram expulsos do acampamento.