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Das memórias que não tenho, ainda, e que parecem tão minhas

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Dia 15 — O livro favorito dos feriados e folgas

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O meu livro favorito dos feriados e folgas e de qualquer tempo livre que tenho é a trilogia Memória do Fogo de Eduardo Galeano — Nascimentos, As Caras e as Máscaras e O Século do Vento. O primeiro, Nascimentos, o tinha numa versão impressa comigo até bem pouquinho tempo atrás. Mas quando estive em Brasília para participar do 2º BlogProg o deixei com a Amanda Vieira para que ela o entregasse para o querido amigo Dandi Marques de presente, com a capa toda “customizada” pelo Calvin (hehehe).

Já publiquei alguns trechos deles aqui no Pimenta, como O Tempo, As Estrelas e Pachamama e ainda publicarei muitos outros mais sempre que estiver relendo-os. Antes de conhecer a América Latina ao vivo, em todas as suas cores, sons, sabores e pessoas (o que farei em breve) a conheci pelas palavras de Galeano nesses três livros mágicos em que ele conta de um ponto de vista da resistência cultural à dominação a história dos últimos 500 anos das três Américas através de contos e lendas.  Não à toa ele é o meu autor favorito.

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1918
Montañas de Morelos

Tierra arrasada, tierra viva

Los cerdos, las vacas, las gallinas, ¿son zapatistas? ¿Y los jarros y las ollas y las cazuelas? Las tropas del gobierno han exterminado a la mitad de la población de Morelos, en estos años de obstinada guerra campesina y se han llevado todo. Sólo piedras y tallos carbonizados se ven en los campos; algún resto de casa, alguna mujer tirando de un arado. De los hombres, quien no está muerto o desterrado, anda fuera de la ley.
Pero la guerra sigue. La guerra seguirá mientras siga el maíz brotando en rincones secretos de las montañas y mientras sigan centelleando los ojos del jefe Zapata.

(Memória do Fogo, O Século do Vento)

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O Relógios dos Sabores

Tom a leiteira, às sete, nasce o barulho de Lima. Com cheiro de santidade chega, atrás, a vendedora de tisanas.
Às oito passa o vendedor de requeijão.
Às nove, outra voz oferece doce de canela.
Às dez, os tamales, pamonhas salgadas, procuram bocas para alegrar.
Às onze é hora de melões e doces de coco e milho tostado.
Ao meio-dia, passeiam pelas ruas as bananas e romãs, os abacaxis, as frutas-de-conde leitosas e de veludo verde, os abacates prometendo polpa suave.
À uma, chegam os bolinhos de mel quente.
Às duas, a doceira anuncia picarones, bolos que convidam à gula, e atrás dela vem a canjica com canela e não há boca que esqueça.
Às três aparece o vendedor de anticuchos, pedacinhos de coração de boi no espeto, seguido pelos vendedores de mel e açúcar.
Às quatro, a pimenteira vende guisados e fogos.
Cinco horas é a hora do cebiche, peixe cru curtido em limão.
Às seis, nozes.
Às sete, a papinha de milho que ficou no ponto depois de ter sido exposta ao tempo nos telhados.
Às oito, os sorvetes de muitos sabores e muitas cores abrem de par em par, rajadas frescas, as portas da noite.

(Memória do Fogo, As Caras e As Máscaras)

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O Luzeiro

A lua, mãe encurvada, pediu a seu filho:
– Não sei por onde anda teu pai. Leve a ele notícias minhas.
Partiu o filho em busca do mais intenso dos fogos.
Não o encontrou ao meio-dia, onde o sol bebe seu vinho e dança com suas mulheres ao som dos atabaques. Buscou-o nos horizontes e na região dos mortos. Em nenhuma de suas quatro casas estava o sol dos povos tarascos.
O luzeiro continua perseguindo seu pai pelo céu. Sempre chega demasiado cedo ou demasiado tarde.

(Memória do Fogo, Nascimentos)

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Baixe daqui Memória do Fogo, Nascimentos, As Caras e As Máscaras e O Século do Vento (em espanhol) ou compre o box com os três volumes numa caixa especial aqui, por R$ 66,00 (aceito de presente também, rá!!!).

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Estão participando do desafio 30 livros em um mês a Luciana do Eu Sou a Graúna, a Tina do Pergunte ao Pixel, a Renata do As Agruras e as Delícias de Ser, a Rita do Estrada Anil, a Marília do Mulher Alternativa, a Grazi do Opiniões e Livros, a Mayara do Mayroses, a Cláudia do Nem Tão Óbvio Assim, a Juliana do Fina Flor, o Pádua Fernandes de O Palco e o Mundo e também a Renata do Chopinho Feminino. E tem mais a Fabiana Nascimento que posta em notas no seu perfil no Facebook. Mais alguém?

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Dentre todos, escolho aquele que me abraça

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Dia 06 — Um livro do seu autor favorito
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Parecia difícil saber qual o meu autor favorito e escolher apenas um livro, achei até que teria que seguir o exemplo subversivo da bandoleira Luciana, a Graúna, e citar vários autores e vários livros. Mas bastou inverter a pergunta e me perguntar de qual escritor já li mais livros para vir a resposta em uníssono de todas as partes que me compõe: Eduardo Galeano. O livro preferido? Óbvio, aquele que traz o nome mais poético de todos e que faz juz à emoção causada: O Livro dos Abraços.

Galeano é o autor que leio tudo que me aparece pela frente, entrevista, comentário, notícia sobre novo livro no jornal, no site, assisto todos os vídeos… Enfim, acompanho de perto.

Todos os livros dele que já li, li mais de uma vez. Infelizmente não li todos, me faltam os dois últimos (dica certeira para me presentear). Já li O Livro dos Abraços algumas vezes (três ou quatro), bem menos do que gostaria porque agora só o tenho em pdf na tela do computador e este é um livro que gosto de ler à moda antiga, pegando, folheando, sentindo e todo, de uma vez só. Me sinto envolvida por ele, absorvida,  abraçada por cada frase, palavra, fragmento… Ler Galeano é mágico!

Se um dia encontrar Don Eduardo Galeano “casualmente” no Café Brasileiro em Montevidéu farei questão de lhe abraçar (se ele permitir, claro — “a pretensiosa!”) e agradecer por todos os seus livros, mas especialmente por este.

‎”Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.” — trecho de O Mundo, pág. 11.

“Não nos provoca riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto de seu vôo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos e suspiros, vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho nisso, porque nascer é uma alegria que dói. Pequena morte, chamam na França a culminação do abraço, que ao quebrar-nos faz por juntar-nos, e perdendo-nos faz por nos encontrar e acabando conosco nos principia. Pequena morte, dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce.”A pequena morte, pág. 54.

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Baixe aqui O Livro dos Abraços em pdf.

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Também estão participando da brincadeira a Luciana do Eu Sou a Graúna, a Tina do Pergunte ao Pixel, a Renata do As Agruras e as Delícias de Ser, a Rita do Estrada Anil, a Marília do Mulher Alternativa, a Grazi do Opiniões e Livros, a Mayara do Mayroses e a Cláudia do Nem Tão Óbvio Assim. E tem mais a Fabiana Nascimento que posta em notas no seu perfil no Facebook. Mais alguém?

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A Pachamama


No planalto andino, mama é a Virgem e mama é a terra e o tempo.
Fica zangada a terra, a mãe terra, a Pachamama, se alguém bebe sem lhe oferecer. Quando ela sente muita sede, quebra a botija e derrama o que está lá dentro.
A ela se oferece a placenta do recém-nascido, enterrando-a entre as flores, para que a criança viva; e para que o amor viva, os amantes enterram cachos de cabelos.
A deusa terra recolhe nos braços os cansados e os maltrapilhos que dela brotaram, e se abre para lhes dar refúgio no fim da viagem. Lá embaixo da terra, os mortos florescem.
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Do livro Memórias do Fogo, As Caras E As Máscaras de Eduardo Galeano
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#Locos por ti, America!
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O tempo

O tempo dos maias nasceu e teve nome quando não existia o céu e a terra ainda não tinha despertado.
Os dias partiram do oriente e começaram a caminhar.
O primeiro dia tirou de suas entranhas o céu e a terra.
O segundo dia fez a escada por onde a chuva desce.
Obras do terceiro foram os ciclos do mar e da terra e a multidão das coisas.
Por desejo do quarto dia, a terra e o céu se inclinaram e puderam encontrar-se.
O quinto dia decidiu que todos trabalhassem.
Do sexto saiu a primeira luz.
Nos lugares onde não havia nada, o sétimo dia pôs terra.
O oitavo cravou na terra suas mãos e seus pés.
O nono dia criou os mundos inferiores.
O décimo dia destinou aos mundos inferiores quem tem veneno na alma.
Dentro do sol, o décimo primeiro dia modelou a pedra e a árvore.
Foi o décimo segundo quem fez o vento. Soprou vento e chamou-o de espírito, porque não havia morte dentro dele.
O décimo terceiro molhou a terra e com barro modelou um corpo como o nosso.
Assim se recorda, em Yucatán.
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Do livro Memórias do Fogo, Nascimentos de Eduardo Galeano
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Locos por ti, America!
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* Porque voltei a sentir a mão pesada do tempo interferindo no meu tempo particular…
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O Mundo

Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.— O mundo é isso — revelou —. Um montão de gente, um mar de fogueirinhas. Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.
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D’O Livro dos Abraços, de Eduardo Galeano

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Locos Por Ti, America!


Hasta siempre, Che!

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Che Guevara, o militante revolucionário que se tornou símbolo da luta pelo socialismo na América Latina e no mundo, completa (porque permanece vivo) hoje, segunda-feira, 82 anos de nascimento.
Ernesto Guevara de la Serna nasceu oficialmente (*) em 14 de junho de 1928, em Rosário, na Argentina, e foi o primeiro dos cinco filhos de Ernesto Lynch e Celia de la Serna y Llosa. Nasceu argentino mas se tornou cidadão de todo este continente e, mesmo contra sua vontade, mito da luta revolucionária.
Minha homenagem em fotografia, versos, música, filme e discurso.
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A fotografia mais famosa do sec. XX, talvez de toda a História
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O famoso retrato de Che Guevara, intitulado Guerrillero Heróico, foi tirado por Alberto Korda em 5 de março de 1960 em Havana, Cuba durante um memorial dedicado às vítimas da explosão de La Coubre. A fotografia só foi publicada sete anos mais tarde. De acordo com Korda, Guevara demonstrava “imobilidade absoluta”, “raiva” e “dor” no momento em que a fotografia foi tirada e que seu retrato capturou todo “caráter, firmeza, estoicismo e determinação” que Guevara possuía. Guevara tinha 31 anos na época da fotografia.
De acordo com o Instituto-Faculdade de Arte de Maryland (Maryland Institute College of Art), o retrato de Guevara é “a mais famosa fotografia do mundo e um símbolo doséculo XX”. O Victoria and Albert Museum declarou ser “a imagem mais reproduzida da história da fotografia”. Jonathan Green, diretor do Museu de Fotografia da Universidade da Califórnia em Riverside, afirmou que “a imagem de Korda se transformou num idioma ao redor do mundo, se transformou num símbolo alfa-numérico, num hieróglifo, um símbolo instantâneo. Ela reaparece misteriosamente sempre que há um conflito. Não há nada na história que funcione desse jeito.”
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“Che Heróico” na versão em lego do artista plástico britânico Mike Stimpson


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O NASCEDOR
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Por que será que o Che
Tem este perigoso costume
De seguir sempre renascendo?
Quanto mais o insultam,
O manipulam
O atraiçoam
Mais ele renasce.
Ele é o mais renascedor de todos!
Não será por que Che
Dizia o que pensava e fazia o que dizia?
Não será por isso que segue sendo
tão extraordinário,
Num mundo onde palavras
e atos tão raramente se encontram?
E quando se encontram
raramente se saúdam
Por que não se reconhecem?
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Poema de Eduardo Galeano em homenagem Che.
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Hasta Siempre
Vienes quemando la brisa
con soles de primavera
para plantar la bandera
con la luz de tu sonrisa.
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Aquí se queda la clara,
la entrañable transparencia,
de tu querida presencia
Comandante Che Guevara.
(Soledad Bravo)
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Diários de Motocicleta
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O filme de Walter Salles relata o periodo menos conhecido da vida de Che, os momentos em que a lendária figura do guerrilheiro foi sendo talhada pelas injustiças sociais do continentes. Essas são as cenas finais do filme, a despedida do ainda “Fuser” do amigo Alberto Granado, e onde parece que Che já havia feito sua opção pelo povo oprimido.
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A fala do Comandante
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Esse discurso do Che, sobre organização da execução de projetos do governo cubano, dá uma ideia de sua personalidade e suas posturas.
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(*)  A biografia de Jon Lee Anderson registra o depoimento da mãe de Che, Celia Guevara, dizendo que sua data real de nascimento é 14 de maio, e que seu registro demorou propositalmente um mês em acordo com o marido porque ela teria casado grávida.
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As estrelas

Tocando a flauta declara-se amor ou anuncia-se o regresso dos caçadores. Ao som da flauta, os índios walwai convocam seus convidados. Para os tukano, a flauta chora; e para os kalina, fala, porque quem grita é trombeta.
Nas margens do rio Negro, a flauta garante o poder dos varões. Estão escondidas as flautas sagradas e a mulher que as vê merece a morte.
Em tempos muito remotos, quando as mulheres possuíam as flautas sagradas, os homens carregavam lenha e água e preparavam o pão de mandioca.
Contam os homens que o sol indignou ao ver que as mulheres reinavam no mundo. O sol desceu à selva e fecundou uma das virgens, deslizando sucos de folhas entre suas pernas. Assim nasceu Jurupari.
Jurupari roubou as flautas sagradas e entregou-as aos homens. Ensinou-lhes a ocultá-las e defendê-las e a celebrar festas e rituais sem mulheres. Contou-lhes, além disso, os segredos que deveriam transmitir ao ouvido de seus filhos varões.
Quando a mãe de Jurupari descobriu o esconderijo das flautas sagradas, ele condenou-a à morte; e de seus pedacinhos fez as estrelas do céu.
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Do livro Memória do Fogo, Nacimentos de Eduardo Galeano
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Locos por ti, America!
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