Arquivo da categoria: cinema

A tragédia humana, em letras e imagens

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Dia 16 — O livro favorito que virou filme

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Desde que vi a lista de livros do desafio sabia qual seria este, mesmo suspeitando da obviedade. Mas foi um dos únicos filmes que mesmo assistindo depois de ter lido o livro não me decepcionou, e esse foi o meu critério. Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago virou filme nas mãos do cineasta brasileiro Fernando Meirelles e se tornou ainda mais especial para mim, embora a leitura tenha sido aterrorizante.

Todos nós criamos imagens e meio que uma versão cinematográfica mental para cada história que lemos. A visão do diretor combinada com a do roteirista dificilmente vai se aproximar dos filmes criados mentalmente por todos que leram a história, e por isso é comum a decepção com versões para o cinema de nossos livros favoritos. Mas Meirelles conseguiu se aproximar em muito do roteiro da obra de Saramago, que estava quase que roteirizada e por isso, na minha opinião, ficou tão próximo desse filme particular de cada um. Para ser sincera, a minha versão imaginária de Ensaio Sobre a Cegueira era mais violenta, mais perversa e cruel e na tela teria ficado intragável, insuportável de “digerir”.

Ensaio Sobre a Cegueira é um romance que conta a história de uma epidemia de cegueira, inexplicável, que se abate sobre um país. A “cegueira branca” – assim chamada porque as pessoas infectadas passam a ver apenas uma superfície leitosa – atinge primeiramente um homem no trânsito e, lentamente, espalha-se pelo país. Aos poucos, todos ficam cegos e à medida que os afetados pela epidemia são colocados em quarentena e os serviços do Estado começam a falhar, a trama segue a mulher do médico que atendeu o primeiro infectado, a única pessoa que não é afetada pela doença e mantém esse segredo dos demais. O desenrolar da história é um festival horrores e violência que só a natureza humana é capaz de proporcionar.

“Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso.”

Essa foi a reação de José Saramago logo após assistir a premier do filme ao lado de Meirelles:

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Vou eu discutir com Saramago?

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Baixe Ensaio Sobre a Cegueira em pdf.

Baixe a versão cinematográfica de Ensaio Sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles.

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No desafio 30 livros em um mês também estão a Luciana do Eu Sou a Graúna, a Tina do Pergunte ao Pixel, a Renata do As Agruras e as Delícias de Ser, a Rita do Estrada Anil, a Marília do Mulher Alternativa, a Grazi do Opiniões e Livros, a Mayara do Mayroses, a Cláudia do Nem Tão Óbvio Assim, a Juliana do Fina Flor, o Pádua Fernandes de O Palco e o Mundo e também a Renata do Chopinho Feminino. E tem mais a Fabiana Nascimento que posta em notas no seu perfil no Facebook. Mais alguém?

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Trinta anos sem Ian Curtis

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A história do rock é repleta de suicídios e/ou overdoses. Faz parte da cultura rock’n roll. Hoje, 18 de maio, fazem 30 anos que Ian Curtis se enforcou em casa, deprimido e pressionado pelo sucesso crescente de sua banda. O Joy Division mudou a cena do rock mundial e abriu espaço para o rock gótico, existencial do anos 80, no cenário pós-punk – o mundo pré-jurássico dos emos. A história de Curtis pode ser vista no filme Control (sinopse/comentário logo abaixo).
Leia mais sobre a vida de Ian Curtis e sua influência no rock aqui.
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Control
O filme, em preto e branco, conta a história de Ian Curtis, o vocalista da lendária banda inglesa Joy Division. Ele se matou aos 23 anos, em maio de 1980. Com apenas dois álbuns lançados, o Joy havia mudado a história da música com sua combinação pós punk, dark e letras pessoais, introspectivas apoiadas por um som rígido e cavernoso. Inspirado na obra “Touching from a Distance”, escrita por Deborah Curtis, viúva de Ian, o longa traz um retrato bastante pessoal do vocalista. Seu casamento precoce, o nascimento do filho, seus ataques epiléticos, incluindo um no palco, e a medicação que ele passou a tomar – frequentemente misturada com álcool –, somado a um caso extraconjugal e a fama, são os elementos que acabam levando-o a morte. Ian enforcou-se um dia antes do início da primeira turnê da banda pelos Estados Unidos.
A história do filme começa com o aperto de mãos entre o fotógrafo Anton Corbijn e os integrantes do Joy Division. Foi em 1979, numa estação de metrô em Londres, após seção de fotos de dez minutos que se tornou um dos ensaios fotográficos mais famosos do rock.
É o primeiro longa-metragem do holandês Anton Corbijn, após prestigiada carreira como fotógrafo e diretor de videoclipes, que tem em seu currículo U2, Nirvana, Depeche Mode e R.E.M. “É um filme sobre um garoto que tinha um sonho e tentou realizá-lo, mas termina num ponto em que ele se encontrava infeliz. É uma história de amor, com músicas boas”, explicou o diretor.
Clássicos como “Love will tear us apart”, “Atmosphere”, “She’s lost control” (que inspira o título do filme) e “Transmission” fazem parte da trilha sonora. Vencedor do prestigiado Camera D’Or do Festival de Cannes em 2007 (onde foi aplaudido de pé, em raro momento de unanimidade), ganhou também os prêmios de Melhor Performance de Ator Britânico para Sam Riley e Melhor Filme no Festival Internacional de Edimburgo.
Control humaniza o mito de Ian Curtis e constrói um retrato honesto e emocionante de uma das figuras mais lembradas na história do rock moderno. As cenas nas quais o Joy Division apresenta-se ao vivo são dos próprios atores tocando seus respectivos instrumentos, não há dublagem. Imperdível. Drama, 122 min.
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As Horas…

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“Examine por um momento uma mente comum em um dia comum. A mente recebe uma miríade de impressões – triviais, fantásticas, evanescentes, ou gravadas com a agudeza do aço. De todos os lados as impressões chegam, como uma chuva incessante de átomos; e quando caem, tomam a forma da vida de segunda-feira, terça-feira, e o modo desta chuva de impressões é diferente de outra; (…) A vida não é uma série de lampiões simetricamente arrumados; a vida é um halo luminoso, um envoltório semi-transparente que nos envolve do início da consciência até o fim.” (Virginia Woolf)
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Em 1923, Virginia Woolf (Nicole Kidman) está começando a escrever seu livro, “Mrs. Dalloway” (lançado em 1925) sob os cuidados de seus médicos e familiares no subúrbio de Londres. Em 1949, Laura Brown (Julianne Moore) está no subúrbio de Los Angeles tentando preparar um bolo para o aniversário de seu marido ao mesmo tempo em que está ocupada, lendo o livro escrito por Virginia. Nos dias atuais, Clarissa Vaughn (Meryl Streep) está em Nova York preparando uma festa para seu melhor amigo, um famoso autor que está morrendo de AIDS.
Sendo tomada em apenas um dia, as três histórias estão interligadas com o livro “Mrs. Dalloway”: uma personagem está escrevendo-o, outra está lendo e outra está vivendo a história, respectivamente. Mas o fio condutor é de fato a angústia, o sentimento de não pertencimento ao tempo e ao mundo em que essas três mulheres vivem e a idéia constante de suicídio.
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O diretor Stephen Daldry (do também elogiadíssimo Billy Elliott) pode ser considerado depois desse filme – nas palavras da própria Meryl Streep – um grande mestre da arte de transformar sentimentos e pensamentos em imagens. A trilha sonora, sempre incidental, se faz presente durante quase todo o filme, traduzindo também em sons os sentimentos mostrados nas imagens. O elenco conta ainda com Ed Harris, Jeff Daniels, Toni Collete e Claire Danes.
O roteiro é baseado no livro homônimo, vencedor do Prêmio Pulitzer e Prêmio PEN / Faulkner de Ficção de 1999, de Michael Cunningham, que tem esse nome numa clara homenagem a Virgínia Woolf, que cogitou titular Mrs Dalloway como As Horas. O filme foi tão bem comentado e premiado quanto o livro, com Nicole Kidman ganhando Oscar, Globo de Ouro e Bafta de Melhor Atriz. Além de outras dezenas de indicações incluindo melhor filme, atuações coadjuvantes, trilha sonora, roteiro, figurino e edição. O filme é tudo isso, sim. É mais. É acachapante, é denso e imperdível. Virou clássico. Drama, 114 min.
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Nós que aqui estamos, por vós esperamos

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O último post da série Fotografias famosas do séc. XX, O rebelde chinês contra os tanques, me provou (mais uma vez) que estamos sempre aprendendo e nunca saberemos tudo. Ao citar o rebelde chinês como “não identificado” e “estudante”, chamei a atenção de uma amiga, Ana Paula Penkala. Ana – inteligentíssima, professora, cinéfila e estudiosa de cinema – me avisou da gafe (mais uma!) e desse documentário, que ela está estudando para sua tese de doutorado e que identifica o rebelde chinês com nome, profissão, data de nascimento e morte.
Corrigi o post e confesso que fiquei chocada comigo mesma. Como não conhecia esse filme? O fato é que sequer havia ouvido falar dele antes. Sei que sou um tanto quanto distraída e desinformada, mas bati todos os meus recordes dessa vez. Mas ao invés de ficar me lamentando, estou socializando-o aqui e vou indicá-lo para todas as pessoas que conheço. É simplesmente genial.
Segue uma pequena sinopse. Para quem quiser e tiver espaço em disco para baixá-lo, aqui o link torrent. Para quem quiser apenas assisti-lo, segue abaixo da sinopse o filme em oito partes.
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Sinopse

O documentário brasileiro, de 1998, “Nós que aqui estamos, por vós esperamos” de Marcelo Masagão é uma leitura cinematográfica do livro A Era dos Extremos, de Eric Hobsbawm. O filme mostra, através de uma montagem de imagens do séc. XX e da música de Wim Mertens, todas as contradições e contrastres de um mundo que se envolve em dois grandes conflitos internacionais, banaliza a violência e coloca em campos opostos desenvolvimento tecnológico e existência humana.
Toda a esperança e loucura humana parecem caber nesse documentário de 73min, que tem como título o letreiro de um cemitério da cidade de Paraibuna, interior de São Paulo.
Ganhou como Melhor Montagem no Festival de Gramado e Melhor Filme, Roteiro e Montagem no Festival do Recife, ambos em 1999. Custou R$ 140 mil, sendo R$ 80 mil gastos apenas com direitos autorais de imagem e fragmentos de vídeos.
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Nós que aqui estamos, por vós esperamos

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Leia outras críticas e comentários sobre o filme: ZAZ CinemaCineReporter
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Ana Paula Penkala tem um blog chamado “oCinematographo“, que está lincado aqui no Pimenta com Limão desde o primeiro dia.
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Os cavaleiros que dizem “Ni”

Já fui muito atormentada na vida por causa desse filme: “Em busca do cálice sagrado”, do Monty Python. Sendo uma Ni, não é difícil imaginar o motivo. Na adolescência eram dois amigos, do movimento estudantil secundarista, Deise Nunes e Ernani Schimidt, que ficavam horas gritando, um em cada ouvido, “NiNiNiNiNiNiNiNiNiNiNi”. Insuportável. Por várias vezes quase fiquei de mal com eles. Como tenho cara de séria e fama de braba, além deles ninguém mais se atreveu a tanto. Mas sempre me perguntavam dos cavaleiros que dizem “Ni”.

Lembrei dessa história porque agora, novamente, vem a relação do diminutivo do meu nome com o filme. Tenho um amigo querido de São Paulo, Aritanã Malatesta, que se define como “AnarcoCineViajandão”. Ele é um dos cavaleiros que dizem “Ni”, adora Monty Python e eu o chamo de “cavaleiro delirante”. Falta ainda descobrir quem são os outros cavaleiros… Detalhe: No filme, “Ni” é como uma maldição pronunciada. Portanto, cuidado ao me chamar!

Blog do Aritanã Malatesta


Um lindo filme: Once

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Dia desses alguém me lembrou dessa música, “Falling Slowly”, que me lembrou do filme do qual é tema, “Once”, e sobre o qual já havia resenhado. Acabei baixando-o para assisti-lo de novo e de novo me encantei com sua beleza e simplicidade. Acabei baixando também a trilha sonora.

O filme é a história de uma amizade que nasce do acaso e navega por notas musicais. Ele é um talentoso músico que ganha a vida com seu violão nas ruas de Dublin, Irlanda. Ela, uma imigrante tcheca que anda pelas mesmas ruas, vendendo rosas para sustentar sua filha. Ele se sente inseguro para apresentar suas próprias canções e ela tem a música apenas como hobby. Eles se encontram por acaso e a paixão pela música os leva a viver uma experiência inesquecível. Aos poucos percebem que tem material para formar uma banda e gravar um disco. Pouco diálogo e muita sutileza, onde quase tudo é dito através das músicas.

O projeto do filme nasceu em 2005, em concerto do The Frames. O diretor, John Carney, encomendou ao líder da banda algumas canções para desenvolver o projeto. O resultado foi um roteiro de 60 páginas e 10 canções inéditas, incluindo “Falling Slowly”, vencedora do Oscar de Melhor Canção Original de 2008.

Markéta Irglová e Glen HansardBob Dylan gostou tanto de Once que convidou Glen Hansard e Markéta Irglová (protagonistas e compositores) a fazerem o show de abertura em parte de uma turnê mundial.

Uma pequena e independente produção irlandesa, com um orçamento de apenas 150 mil dólares, que ganhou o mundo no boca a boca e desbancou grandes produções. Ainda hoje é pouco conhecido, mas é um dos melhores filmes que já assisti tendo a música como tema central. Especialíssimo! (Drama, 85 min)


Lula do filme ou do livro?

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Uma das grandes polêmicas no mundo do cinema é a adaptação de obras literárias para as telas. Nesses casos, até hoje, nunca ouvi alguém dizer que tivesse gostado mais do filme do que do livro. Sempre o contrário. Com o filme sobre a vida de Lula, parece, não será diferente. Ao menos para quem teve acesso aos dois. Todos os comentários que havia lido até então, não davam conta dessa análise – comparar o filme ao livro no qual foi baseado. Compartilho aqui, a única crítica comparativa que encontrei. E confesso que depois de ler o texto abaixo, fiquei com mais vontade de ler o livro do que ver o filme.
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Lula, o filho do Barretão

Os homens são bem mais interessantes do que os heróis – ou os santos
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Eliane Brum
Época
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“Não quero que publiquem que eu sou santo. Não sou. Estou cansado que me carreguem no colo, que puxem meu saco. Não encontro textos sérios: ou inventam mentiras para me esculhambar, ou exageram em coisas que não existiram para me transformar num super-homem. Não sou nem uma coisa nem outra. Gostaria que você fizesse um texto ‘científico’ sobre mim, contando as coisas como elas são”.

clique na imagem para saber mais sobre o livro

Esta fala é de Luiz Inácio Lula da Silva e foi transcrita na introdução de sua biografia – Lula – o filho do Brasil (Perseu Abramo) –, escrita pela jornalista Denise Paraná. No surrado sofá vermelho do pequeno apartamento de Denise, então uma estudante vivendo com o dinheiro da bolsa de doutorado em História, na Universidade de São Paulo (USP), Lula contou a extraordinária história de sua vida em encontros que totalizaram cerca de cem horas de entrevistas, entre os anos de 1992 e 1994. Ao contá-la, pronunciou umas duas centenas de palavrões que foram limados da edição da Fundação Perseu Abramo, publicada no final de 2002, ano da primeira eleição presidencial vencida por Lula, depois de três derrotas. A primeira publicação da obra é de 1996.

A biografia, elaborada com os critérios da história oral e apresentada na forma de entrevistas com Lula e seus irmãos, é irretocável. Ao contar a história de Lula de 1945 a 1980, do nascimento no sertão pernambucano à liderança das greves no ABC paulista, Denise Paraná compreendeu que a riqueza do homem era sua complexidade. Foi respeitosa com todas as contradições do retirante sertanejo, operário e líder sindical que se tornaria o presidente mais popular da história recente do Brasil. Como o próprio Lula pediu, ao aceitar contar sua vida, o retrato traçado no livro é fascinante, mas decididamente não é nem o de um herói, muito menos de um santo.

Quando li a biografia, para cobrir a campanha de 2002, às vezes ri muito com Lula, às vezes chorei, em outras achei-o mau-caráter, em alguns parágrafos deu até raiva. Ao final da leitura consegui me aproximar das muitas verdades de Lula, um homem complexo e contraditório como são todos os homens. Ou, como diz Denise na primeira frase da introdução da obra: “Este é um livro sobre um homem controvertido”.

Ao assistir a Lula – o filho do Brasil, o filme, fui surpreendida por um outro Lula. Este me deu sono. Baseado na biografia de Denise Paraná, o filme usou fatos relatados no livro, retocou alguns momentos menos edificantes, mas perdeu o melhor da história: a humanidade do personagem. O Lula do filme é plano, unidimensional. Faz tudo certo sem tropeçar em nenhum conflito, nem mesmo um bem pequeno, em sua trajetória linear. Ao final, ficamos pensando (eu, pelo menos) que aquele cara da tela nunca chegaria a presidente da República. Não chegaria nem a liderar uma greve do ABC. O Lula do filme é raso como o açude seco em que o menino Lula bebia água com o gado.

A história de Lula e de sua família é uma grande história. Contém nela um naco da trajetória do Brasil. O pai migrou para São Paulo com a amante menor de idade, deixando no sertão a mãe grávida de Lula e outros seis filhos. Numa visita, ainda fez uma oitava filha antes de levar um dos meninos, Jaime, com ele para Santos. Dona Lindu vende tudo e vai para São Paulo atrás do marido porque este filho engana o pai, analfabeto, e escreve uma carta muito diferente da que ele ditou. Em Santos, ela tem gêmeos e perde os filhos sem nenhuma ajuda. Muito mais tarde, quando Lula está preso, dona Lindu morreria de câncer.

As irmãs de Lula trabalham como domésticas, um irmão tem doença de Chagas, outro é torturado pela ditadura militar. A primeira mulher de Lula morre no sétimo mês de gestação, junto com a criança, possivelmente por negligência médica. Quando é velada, o chão da casa em que viviam cede com o peso do caixão. O filme conta muitas dessas histórias, mas é uma narrativa sem densidade ou nuances. Não parece uma vida, mas fatos encadeados.

O Lula real era um menino tão tímido que não conseguia vender laranjas na infância por falta de coragem de gritar. O do filme é um vendedor com sacadas publicitárias. No filme, o casamento com Maria de Lourdes, a primeira mulher, é um conto de fadas proletário, com direito à perseguição no varal de roupas. Na vida, o casal voltou antes da lua de mel porque Lourdes só chorava. Quando o sogro de Marisa, taxista, conta a ele sobre sua nora, viúva, Lula estava saindo da casa da namorada, Miriam Cordeiro, e pensa: “Qualquer dia vou comer a nora desse velho”. No filme, ele apenas conta ao taxista, com voz embargada, que perdeu a mulher e o filho. E o taxista diz que também perdeu um filho e mostra a foto da viúva, Marisa, e do neto. O viúvo Lula do filme só chora. O da vida chora, mas depois quer “namorar todo dia e, de preferência, com pessoas diferentes”.

Continue lendo…

Veja no trailer oficial algumas das cenas a que Eliane Brum se refere em sua crítica:


Pingos de chuva continuam caindo em minha cabeça

Ontem à noite revi pela décima vez (acho) Butch Cassidy and the Sundance Kid, clássico do faroeste de 1969, com Paul Newman e Robert Redford. É deste filme a famosa cena do Newman andando de bicleta com Katharine Ross e depois fazendo piruetas ao som de “Raindrops Keep Falling on My Head” de B. J. Thomas, a música mais chiclete que já ouvi na vida. Certamente vou passar a semana inteira cantarolando-a. Mas se clicares no vídeo abaixo para assistir, não ficarei sozinha. Ela grudará na tua cabeça também!

(E cá entre nós, o Paul Newman está lindo na cena em que encara o touro e lhe atira um beijinho)


Identidade

Essa madrugada revi pela 479ª vez as cenas finais de “Diários de Motocicleta”, de Walter Salles. É claro que gosto do filme, não apenas por contar um pedaço menos conhecido da vida do Che, mas pela tamanha sensibilidade com que foi contada.

Perceber os momentos em que a lendária figura do guerrilheiro foi sendo talhada pelas injustiças sociais do continente é especial. Mas as cenas finais, a despedida do ainda “Fuser” do amigo Alberto Granado, a imagem atual de Granado na mesma base em Caracas (última cena do filme) de onde se despediu do amigo e que só reencontraria já como o Comandante Che, emocionam muito. Sobretudo as imagens – como que posadas para fotos – dos figurantes, tipos caracteristicamente latinoamericanos, sofridos, provavelmente muito parecidos com os vistos pelo jovem Ernesto e que marcaram sua alma, são para mim inquietantes. Falam diretamente à minha noção de identidade latina e de classe. Sensação de pertencimento, única.

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O cinema em 2009

342 filmes em sete minutos, uma excelente edição e temos a retrospectiva do que foi produzido pelas maiores companhias cinematográficas do mundo em 2009.

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A História Oficial

Ao ler a matéria publicada no post logo abaixo, lembrei-me imediatamente deste filme argentino, com o sugestivo nome de A História Oficial. Pois parece que o diretor Luis Puenzo conhecia muito bem a história que estava contando e estava certo em temer por sua segurança durante o período de preparação, filmagem e pós-produção do filme. Pelo visto, é mesmo a história oficial argentina. Acompanhem e comparem:
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No último ano da ditadura militar argentina, 1983, Alicia (Norma Aleandro) e seu marido Roberto (Héctor Alterio) vivem tranquilamente com sua filha adotiva, Gaby (Analia Castro), de cinco anos, em Buenos Aires. Alicia é professora de História e ignora por completo tanto a violência cometida pelos militares quanto o envolvimento de seu marido com a elite corrupta que sustenta e se beneficia do regime. Após o reencontro com uma velha amiga Ana (Chunchuna Villafañe), recém-chegada do exílio, Alicia começa a tomar conhecimento da crueldade do regime militar argentino, passando a questionar a chamada História Oficial ensinada por ela em sala de aula.

Entre os questionamentos de Alicia surgem dúvidas sobre os pais biológicos de Gaby, trazida recém-nascida para casa por Roberto. Ela inicia uma investigação que a leva a hospitais insalubres, à igreja frequentada pela família, onde se depara com o silêncio e omissão do padre e, finalmente, ao encontro com as Mães da Praça de Maio, onde se depara com a avó biológica de sua filha.

Filmado em 1985, logo após o final da ditadura, recebeu ao todo dezesseis prêmios. Desses, treze internacionais, incluindo Globo de Ouro e Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Prêmio do Júri e Melhor Atriz para Norma Aleandro no Festival de Cannes.

O diretor, Luis Puenzo (indicado a Melhor Diretor em Cannes e ao Oscar de Melhor Roteiro Original juntamente com Aída Bortnik), temia por sua segurança e pretendia filmar o longa em segredo, usando câmeras escondidas de 16 mm, mas o regime militar caiu pouco antes do roteiro ser concluído. O filme foi inteiramente rodado em Buenos Aires.

Destaque para a fotografia criativa de Felix Monti, que não envelheceu, e a trilha sonora envolvente de Atílio Stampone, com um tema que lembra, distantemente, um tango em contraposição a cantiga infantil de Maria Elena Walsh.

A História Oficial é um filme preciso, objetivo, cirúrgico. Nada é supérfluo, panfletário ou exagerado. Não há política explícita, não há cenas de torturas e nem militares fardados. Este é um roteiro feito para os atores, sustentado nas atuações espetaculares de Héctor Alterio e Norma Aleandro, os mesmos de O Filho da Noiva. Um filme real e emocionante. Drama, 112 min.

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A junta militar comandada pelo general Jorge Rafael Videla depôs a presidente Isabel Perón em 24 de março de 1976. Durante o governo militar, o parlamento foi dissolvido; sindicatos, partidos políticos e os governos das províncias foram banidos; e, naquilo que ficou conhecido como Guerra Suja, entre 9 e 30 mil “subversivos” desapareceram.

Como muitos artistas progressistas de seu país, a atriz Norma Aleandro foi obrigada a se exilar durante o regime militar. Primeiro foi para o Uruguai e mais tarde para a Espanha. Ela retornou logo após a queda do regime militar em 1983. Sobre sua personagem no filme, Norma Aleandro comentou que “a busca pessoal de Alícia é também a busca de minha nação pela verdade sobre nossa História. O filme é positivo no sentido de que demonstra que ela pode mudar sua vida apesar de tudo que vai perder”.

Disponibilizo aqui todo o filme, sem legendas e em treze partes. Mesmo para quem não entende muito bem espanhol, não é difícil acompanhar a história.

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Levante sua voz!

O curta-metragem de Pedro Ekman “Levante sua voz” é produzido pelo Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social, com o apoio da Fundação Friedrich Ebert Stiftung, sobre o direito à comunicação. A obra traz um retrato da concentração dos meios de comunicação existente no Brasil e a relação de poder produzida por essa concentração e o não exercício da comunicação pela ampla maioria da população.

De forma didática, o vídeo desmistifica o conceito de liberdade de expressão no Brasil, revelando que apenas 11 famílias controlam praticamente todas as concessões públicas para emissoras de rádio e televisão. Ao mesmo tempo, revela-se a perseguição às tentativas de furar esse bloqueio midiático, como é o caso das rádios comunitárias que, nos últimos anos, foram fechadas em número recorde.

“O maior desafio talvez seja justamente encontrar meios para furar a muralha de informação que o próprio oligopólio levantou ao seu redor para impedir qualquer crítica ao seu funcionamento. Para isso, acredito que temos que multiplicar os instrumentos de fala contra-hegemônica e encontrar linguagens que dialoguem com o maior número de pessoas possível” – declarou em entrevista o autor Pedro Ekman (roteirista, diretor e editor).

Confesso ter cultivado uma certa desconfiança inicial. As referências e o estilo lembram muito – muito mesmo – o Ilha das Flores de Jorge Furtado, do qual sou fã declarada e o próprio autor diz ter-se referenciado. Contudo, consegue ser único e inovador. A voz do narrador é do ator José Rubens Chachá. Assistam:

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O Mesmo Amor, a Mesma Chuva

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Na Argentina de 1980, Jorge (Ricardo Darín) é um jornalista que escreve contos românticos para uma revista. Ele é talentoso, uma promessa literária, mas receoso demais em mergulhar de vez no mundo da literatura. Numa noite tempestuosa, Jorge encontra Laura (Soledad Villamill), uma atriz que ganha a vida como garçonete, e fica fascinado ao vê-la na chuva. A seguir, ele assiste a um curta-metragem adaptado de um de seus contos onde Laura é a protagonista.

Eles se aproximam e vivem um romance durante um ano e meio. O namoro dos dois, que atravessa a Guerra das Malvinas, o fim da ditadura militar e o início do governo Alfonsín, se desgasta pela infidelidade dele e é rompido. No final dos anos 90, Jorge é um crítico de arte desiludido, corrompido, e Laura uma bem-sucedida produtora cultural e – como o próprio nome do filme entrega – eles se reencontram.

O roteiro acompanha a história dos protagonistas por vinte anos e vai mostrando com extrema habilidade as transformações que os fatos sociais, fracassos e realizações fazem na história de cada um. Tanto personagens como situações são críveis demais e poderiam fazer parte da vida de qualquer pessoa. Esse é, talvez, o maior mérito do cineasta Juan José Campanella: fazer poesia do banal, do corriqueiro, e nos transportar para dentro de seus filmes.

Foi lançado no Brasil apenas em vídeo e depois do filme posterior do diretor, O Filho da Noiva, 2001. É o primeiro filme da parceria do diretor com Ricardo Darín, que rendeu uma espécie de trilogia urbana, juntamente com o especialíssimo O Filho da Noiva e Clube da Lua (2004).

El Mismo Amor, la Misma Lluvia é uma história de amor sem fantasias, que mais parece uma história que vivemos ou vimos acontecer. Não há como não se emocionar. Sensibilidade ímpar sem deixar de criticar os fatos da história recente da Argentina. No tom exato, sem carregar nas tintas.

Comédia romântica, 116 min.


A polêmica sobre o filme de Lula

Depois de dois dias lendo matérias, crônicas, artigos e reportagens – de todo naipe – sobre o filme que conta trajetória do presidente Lula, e que nenhum dos críticos assistiu ainda, vou cumprir o meu papel de jornalista e mostrar o outro lado. Mostrar também o que pensam a respeito do filme pessoas favoráveis à Lula. Segue então uma pequena avaliação de José Dirceu e uma entrevista com o produtor de “Lula, o Filho do Brasil”, Luiz Carlos Barreto.

Deu a louca na imprensae

Blog do Zé Dirceu

Ainda falta mais de um mês para a estréia em circuito comercial nacional – dia 1º de janeiro – de “Lula, o Filho do Brasil”, e a mídia, que surtou já há um bom tempo a respeito (ainda antes de o filme estar concluído) continua enlouquecida em sua sanha contra a produção.

A Folha de S.Paulo chegou ao ponto de dedicar três páginas contra o filme, e não é na Ilustrada – seu caderno de arte, cultura e variedades – mas em seu caderno Brasil, o de noticiário de Política. Há trechos do material que são um verdadeiro amontoado de sandices.

Em uma das três páginas, cobra e relaciona trechos de  “Lula, o Filho do Brasil”, o livro da jornalista e escritora Denise Paraná que serviu de roteiro para o filme e que foram excluídos da obra cinematográfica. Mas não estamos todos cansados de saber que um filme normalmente tem muito menos fatos, e sintetiza o que o inspirou e lhe serviu de roteiro? Se a Folha queria um roteiro e filme diferente, porque não os encaminhou ao produtor Luiz Carlos Barreto e ao diretor, seu filho Fábio?

Para situar vocês em relação ao filme e ao festival de ataques que recebe, entrevistei hoje o produtor Luiz Carlos Barreto. Leia abaixo:

Como você avalia a polêmica em torno de “Lula, o filho do Brasil”?
Luiz Carlos Barreto – Como tudo no Brasil recentemente, as pessoas entraram numa polêmica precipitadamente. Não viram o filme e já pré-julgam, fazem uma censura prévia daquilo que ainda não conhecem. Nós fizemos apenas um filme, não um ato político.
Na realidade, os que se opõem ao presidente Lula estão querendo politizar esse filme. Essa é uma postura precipitada e leviana. De qualquer forma, é o direito democrático de cada um, do livre arbítrio, de cometer atitudes como essa. Vamos em frente. Enfim, o povo brasileiro é que dará o veredicto. Nossa intenção é fazer com o que o filme chegue até ele, a um número máximo de brasileiros.

foto divulgação do filme

O filme corresponde ao que vocês programaram inicialmente? Se você previsse a polêmica teria mudado o filme?

Luiz Carlos Barreto – O filme é exatamente o que nós queríamos. É o que essa história extraordinária poderia render. “Lula, o Filho do Brasil” não é nada mais do que um exemplo de vida. É uma saga, conta sobre uma família que soube mudar o destino que lhe estava reservado.
O nosso objetivo é mostrar como a persistência, a luta, a obstinação resulta em superação. É disso que trata esse filme: um exemplo de vida. Portanto, tenho certeza que milhões de brasileiros – e convido a todos para que prestigiem o filme – vão se identificar com essa história.
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Por que as empresas que bancaram a produção estão sendo tão criticadas neste caso, se já participaram de projetos idênticos sem que sofressem essa patrulha?
Luiz Carlos Barreto – Se nós tivéssemos usado recursos incentivados, seríamos criticados. Buscamos uma alternativa neste caso, com as empresas, e também somos (criticados). Como nós não usamos dinheiro incentivado – aliás, havia todo um patrulhamento nesse sentido – resolveram atacar as empresas que tem relação de prestação de serviços com o governo.
Ora, no Brasil, nenhuma empresa – da micro à multinacional – deixa de ter relações com o governo. Aqui e em qualquer país do mundo. Dizer que esta ou aquela, por ser empreiteira e tal… Elas são e vão continuar sendo empresas, sendo empreiteiras, existiam antes, existem agora, existirão depois do governo Lula, patrocinando, inclusive, outros filmes. Elas estarão aí.
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O presidente Lula já viu o filme?
Luiz Carlos Barreto –  Não. Sua mulher, dona Marisa Letícia, já viu semana passada, naquele avant première em Brasília. O presidente disse à imprensa que ela gostou. Lula irá vê-lo pela primeira vez neste sábado [amanhã, no Pavilhão Vera Cruz] em São Bernardo. Ele fez questão aguardar para ver o filme pronto.
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E os demais brasileiros quando verão “Lula, o Filho do Brasil”?
Luiz Carlos Barreto – A partir de 1º de janeiro, nos cinemas, em circuito comercial.
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Nota: Vou inserir aqui, links para críticas especializadas de cinema sobre o filme, contra e a favor. Comentarei sobre o filme apenas quando puder assisti-lo.

Tribunal oferece liberdade sob fiança a Polanski

BBC Brasil
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Roman Polanski foi preso em setembro em Zurique

Um tribunal da Suíça aceitou conceder liberdade sob pagamento de fiança ao diretor de cinema Roman Polanski, que está preso no país desde setembro, acusado de ter abusado sexualmente de uma menor nos Estados Unidos.

A concessão do direito de liberdade sob fiança, no entanto, será agora analisada pelo Ministério da Justiça da Suíça, que pode aceitar a decisão do tribunal ou apresentar recurso contra ela.
De acordo com a imprensa suíça, no entanto, a ministra da Justiça já teria afirmado que não veria motivo para apelar contra a decisão.
Fiança
A fiança foi fixada em US$ 4,5 milhões e, caso o diretor pague a quantia, ainda teria que permanecer em prisão domiciliar e sob monitoramento eletrônico em seu chalé nos Alpes, de acordo com a agência de notícias Associated Press.
A eventual concessão do direito a Polanski também não afetaria a decisão do governo suíço de extraditar ou não o cineasta francês de origem polonesa para os Estados Unidos.
Polanski está sendo buscado pela Justiça dos Estados Unidos desde 1978, quando fugiu do país após ter sido condenado por ter mantido relações sexuais com uma menina de 13 anos de idade, o que é ilegal no país.
O cineasta, que mora na França, foi preso em 26 de setembro, quando viajou para a Suíça para participar o Festival de Cinema de Zurique.