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Gravado no coração

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Dia 28 — Um livro que você pode citar de cor

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Acho que não sei citar um livro de cor. Lembro de trechos inteiros de Cartas a um Jovem Poeta do Rilke, de A Moral Deles e a Nossa ou A Revolução Permanente de Trotsky, de Felicidade Clandestina da Cecília, de Memórias do Fogo ou d’O Livro dos Abraços do Galeano, de Mrs. Dalloway da Virginia e de muitos outros livros especiais para mim. Mas a única coisa que sei de cor mesmo é um poema do jornalista, poeta e teatrólogo pelotense Francisco Lobo da Costa, chamado Na Cela.

E como eu sou muito óbvia, já o recitei diversas vezes e em alguns casos mais graves o mandei escrito de próprio punho. Sanidade? Não trabalhamos.

Lobo da Costa viveu na Pelotas rica do período das charqueadas em que a cidade respirava cultura por todos os poros. Francisco, de classe média, muito inteligente e boêmio, era suportado pela elite pelotense nos saraus muito comuns em todos os salões e salas das famílias tradicionais de toda a região. Ele se apaixonou por uma jovem abastada, Saturnina Elvira, e dedicou a ela muitos de seus poemas. Inclusive esse que sei de cor, e que eu acho o mais lindo de todos.

Na Cela

Talvez tua leias meus versos
Ao longe, onde quer que estejas
E neles de manso vejas
Uns traços de quem chorou
Como do fúnebre arbusto
No triste e medroso galho
Treme uma gota de orvalho
Depois que a noite passou
Talvez tu leias e saibas
Do meu infortúnio a mágoa
E os olhos bem rasos d’água
Te fiquem por compaixão
E procures no silêncio
Da tua tristonha herdade
Abafar uma saudade
Que nasce do coração!
Mas, se soubesse que a parca
Roçou-me a fronte já fria
Uma lágrima sombria
Deixa dos olhos rolar
Mas não fales – não blasfemes
Contra os rigores da sorte
Pois bem sabes só a morte
Nos podia separar.

Conheci a história de Lobo da Costa numa peça de teatro quando tinha 16 anos na antiga Escola Técnica Federal de Pelotas, dirigida por Valter Sobreiro Junior, chamada “Em Nome de Francisco“. E as coincidências dessa vida são tantas que anos mais tarde, o filho mais velho do Valter que era ator e que interpretou Lobo da Costa nessa peça casou com a minha melhor amiga, Fernanda, e eu sou madrinha do filho dos dois — hoje um baita guri, com 16 anos.

Lobo da Costa foi encontrado morto aos 34 anos por um carroceiro numa sarjeta de Pelotas, nu, na manhã de 19 de junho de 1888 (inverno), depois de fugir da Santa Casa de Pelotas onde estava internado. Viveu seus últimos três anos entre hospitais e bares.

Coisas de Satolep.

Leia aqui outro poema de Lobo da Costa, “Adeus“.

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No desafio 30 livros em um mês a Renata do As Agruras e as Delícias de Ser, a Marília do Mulher Alternativa, a Grazi do Opiniões e Livros, a Mayara do Mayroses, a Cláudia do Nem Tão Óbvio Assim, a Juliana do Fina Flor, a Renata do Chopinho Feminino, a Júlia do Uma Noite Catherine Suspirou Borboletas e o Eduardo do Crônicas de Escola. E tem mais a Fabiana que posta em notas no seu perfil no Facebook.

A Luciana do Eu Sou a Graúna, a Tina do Pergunte ao Pixel, a Rita do Estrada Anil e o Pádua Fernandes de O Palco e o Mundo já terminaram o desafio.

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Aprendendo a escrever

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Dia 19 — O livro de não ficção favorito

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Em torno de 80% dos livros que li na vida foram não ficção. O problema é entre todos escolher o melhor, o favorito. Mas posso apontar um que marcou especialmente.

Como já disse, sou muito óbvia e isso está ficando cada dia mais evidente no meu gosto literário. São poucos os jornalistas que tem gosto pela leitura e escrita que não tem A Sangue Frio de Truman Capote em suas estantes e memórias.

Me refiro não só ao novo estilo literário inaugurado, mas ao estímulo que essa obra de Capote é a todos os jornalistas que sonham (mesmo que secretamente) em se tornarem escritores. Ele provou que é possível escrever um romance não ficcional, baseado em fatos reais — precisamente e minuciosamente baseado em fatos reais.

Em 1959 o casal Herb e Bonnie Clutter vivia com os dois filhos mais novos, Kenyon e Nancy, ainda adolescentes, na pequena cidade de Helcomb no interior do estado do Kansas, EUA. Os quatro foram amarrados e amordaçados (Herb também teve a garganta cortada) e mortos a tiros de espingarda.

A brutalidade do crime impressiou tanto Capote que ele imediatamente começou a tentar convencer a revista The New Yorker a lhe enviar ao local para cobrir o impacto do crime sobre a pequena cidade e sua população. Para investigar e colher as informações e depoimentos que precisaria, levou junto sua amiga de infância Harper Lee. Eles chegaram a cidade um mês após o crime.

Quando os assassinos são capturados, julgados e condenados à morte, Capote passou a visitá-los na prisão e o que começou como um artigo de revista transforma-se no projeto de um livro que consumiu cinco anos e meio da vida de Capote. Ele chegou a pagar um advogado de defesa para recorrer das acusações e manter os réus vivos apenas para continuar escrevendo sua história.

Richard Hickock e Perry Smith (os criminosos) foram enforcados em 14 de abril de 1965 e em setembro o quarto capítulo In Cold Blood (título original) foi publicado e fez a The New Yorker bater recorde de vendas. Só em janeiro de 1966 o romance foi publicado em formato de livro.

O resultado não é apenas a obra-prima de Capote mas um dos melhores livros que já li, que, além de criar um gênero de literatura inteiramente novo fez dele o mais famoso escritor dos Estados Unidos.

Só li A Sangue Frio depois de formada, bem no finalzinho do século passado. Me achava incapaz de escrever uma crônica e colocar meus sentimentos num texto ou de contar qualquer outra história de uma forma que emocionasse as pessoas. Me resumia a relatos, reportagens de fatos onde tentava me manter o mais invisível possível atrás das palavras. Foi Truman Capote quem começou a mudar isso em mim.

Baixe daqui A Sangue Frio em pdf.

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No desafio 30 livros em um mês a Renata do As Agruras e as Delícias de Ser, a Marília do Mulher Alternativa, a Grazi do Opiniões e Livros, a Mayara do Mayroses, a Cláudia do Nem Tão Óbvio Assim, a Juliana do Fina Flor, o Pádua Fernandes de O Palco e o Mundo, a Renata do Chopinho Feminino, a Júlia do Uma Noite Catherine Suspirou Borboletas e o Eduardo do Crônicas de Escola. E tem mais a Fabiana que posta em notas no seu perfil no Facebook.

A Luciana do Eu Sou a Graúna, a Tina do Pergunte ao Pixel e a Rita do Estrada Anil já terminaram o desafio.

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Adaptando para continuar

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Dia 18 — Um livro que ninguém esperaria que você gostasse
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Dia 18 — Um livro que é uma cidade
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Juro que tentei achar o livro que ninguém esperaria ou imaginaria que eu gostasse, mas foi tão difícil que nem eu consegui imaginar qual seria. Fiz pesquisa, perguntei, mas não adianta, sou óbvia demais e quando não gosto de algum livro sequer termino de lê-lo. Largo mesmo. Foi tão complicado que travei no desafio e fiquei sem postar desde o dia 20 de setembro.

Mas não há de ser nada. Encontrei a salvação na lista adaptada do Pádua Fernandes e vou substituir esse item e mais outros três.

O livro que é uma cidade é um lugar imaginário e saiu da mente surreal e genial de Gabriel García Márquez. Me refiro a Macondo, retratada no romance Cem Anos de Solidão e que foi meu primeiro contato com o realismo mágico (ou fantástico), estilo que García Márquez ajudou a difundir mundo afora. A história fala de revoluções e fantasmas, incesto, corrupção e loucura, tudo tratado com naturalidade como se fizesse parte da vida. E faz.

Macondo é uma cidade mítica e foi a cidade dos descendentes de seu fundador, José Arcadio Buendía, durante um século. Uma aldeia aparentemente pacata em que vivem trezentas pessoas. Buendía a construiu na sua juventude, quando com seus homens, mulheres, crianças e animais, atravessaram a serra procurando uma saída para conquistar o mar. Após vinte e seis meses de luta, desistiram e fundaram a fictícia Macondo no lugar onde José Arcadio Buendía havia sonhado com uma cidade em que as casas tinham paredes de espelho.

“Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo.”

Assim começa Cem Anos de Solidão e vai até o surgimento do telefone. E tem ainda verdadeiros absurdos como um comboio carregado de cadáveres, uma população que toda junta perde a memória, mulheres que se trancam por décadas numa casa escura e homens que arrastam atrás de si um cortejo de borboletas amarelas.

Macondo foi baseada na cidade da Aracataca, onde García Márquez viveu parte da sua infância. Era o nome de um bananal que se localizava nas imediações da cidade e no dialeto Bantu significa “banana”.

Cem Anos de Solidão é uma das obras fundamentais da literatura latino-americana moderna e a considerada a obra mais importante da língua espanhola depois de Don Quixote.

Em 1966, García Márquez teve o momento de inspiração para escrever este romance que já o atormentava há mais de uma década. Largou o emprego, deixou o sustento da casa e dos filhos a cargo da mulher Mercedes e isolou-se por dezoito meses, trabalhando diariamente por mais de oito horas. No ano seguinte, publicou Cem Anos de Solidão. Quinze anos depois, já mundialmente famoso, diante da Academia Sueca e de quatrocentos convidados durante a entrega do Nobel de Literatura em 1982, pronunciou o discurso “A Solidão da América Latina”, questionando os estereótipos com que os latino-americanos eram vistos na Europa e a falta de atenção dos países ricos ao continente.

Não é fácil ler García Márquez, principalmente Cem Anos de Solidão. É amor ou repulsa à primeira leitura. Eu, amei!

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Baixe daqui Cem Anos de Solidão em pdf.

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No desafio 30 livros em um mês a Renata do As Agruras e as Delícias de Ser, a Marília do Mulher Alternativa, a Grazi do Opiniões e Livros, a Mayara do Mayroses, a Cláudia do Nem Tão Óbvio Assim, a Juliana do Fina Flor, o Pádua Fernandes de O Palco e o Mundo, a Renata do Chopinho Feminino, a Júlia do Uma Noite Catherine Suspirou Borboletas e o Eduardo do Crônicas de Escola. E tem mais a Fabiana que posta em notas no seu perfil no Facebook.

A Luciana do Eu Sou a Graúna, a Tina do Pergunte ao Pixel e a Rita do Estrada Anil já terminaram o desafio.

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A tragédia humana, em letras e imagens

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Dia 16 — O livro favorito que virou filme

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Desde que vi a lista de livros do desafio sabia qual seria este, mesmo suspeitando da obviedade. Mas foi um dos únicos filmes que mesmo assistindo depois de ter lido o livro não me decepcionou, e esse foi o meu critério. Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago virou filme nas mãos do cineasta brasileiro Fernando Meirelles e se tornou ainda mais especial para mim, embora a leitura tenha sido aterrorizante.

Todos nós criamos imagens e meio que uma versão cinematográfica mental para cada história que lemos. A visão do diretor combinada com a do roteirista dificilmente vai se aproximar dos filmes criados mentalmente por todos que leram a história, e por isso é comum a decepção com versões para o cinema de nossos livros favoritos. Mas Meirelles conseguiu se aproximar em muito do roteiro da obra de Saramago, que estava quase que roteirizada e por isso, na minha opinião, ficou tão próximo desse filme particular de cada um. Para ser sincera, a minha versão imaginária de Ensaio Sobre a Cegueira era mais violenta, mais perversa e cruel e na tela teria ficado intragável, insuportável de “digerir”.

Ensaio Sobre a Cegueira é um romance que conta a história de uma epidemia de cegueira, inexplicável, que se abate sobre um país. A “cegueira branca” – assim chamada porque as pessoas infectadas passam a ver apenas uma superfície leitosa – atinge primeiramente um homem no trânsito e, lentamente, espalha-se pelo país. Aos poucos, todos ficam cegos e à medida que os afetados pela epidemia são colocados em quarentena e os serviços do Estado começam a falhar, a trama segue a mulher do médico que atendeu o primeiro infectado, a única pessoa que não é afetada pela doença e mantém esse segredo dos demais. O desenrolar da história é um festival horrores e violência que só a natureza humana é capaz de proporcionar.

“Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso.”

Essa foi a reação de José Saramago logo após assistir a premier do filme ao lado de Meirelles:

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Vou eu discutir com Saramago?

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Baixe Ensaio Sobre a Cegueira em pdf.

Baixe a versão cinematográfica de Ensaio Sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles.

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No desafio 30 livros em um mês também estão a Luciana do Eu Sou a Graúna, a Tina do Pergunte ao Pixel, a Renata do As Agruras e as Delícias de Ser, a Rita do Estrada Anil, a Marília do Mulher Alternativa, a Grazi do Opiniões e Livros, a Mayara do Mayroses, a Cláudia do Nem Tão Óbvio Assim, a Juliana do Fina Flor, o Pádua Fernandes de O Palco e o Mundo e também a Renata do Chopinho Feminino. E tem mais a Fabiana Nascimento que posta em notas no seu perfil no Facebook. Mais alguém?

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Das memórias que não tenho, ainda, e que parecem tão minhas

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Dia 15 — O livro favorito dos feriados e folgas

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O meu livro favorito dos feriados e folgas e de qualquer tempo livre que tenho é a trilogia Memória do Fogo de Eduardo Galeano — Nascimentos, As Caras e as Máscaras e O Século do Vento. O primeiro, Nascimentos, o tinha numa versão impressa comigo até bem pouquinho tempo atrás. Mas quando estive em Brasília para participar do 2º BlogProg o deixei com a Amanda Vieira para que ela o entregasse para o querido amigo Dandi Marques de presente, com a capa toda “customizada” pelo Calvin (hehehe).

Já publiquei alguns trechos deles aqui no Pimenta, como O Tempo, As Estrelas e Pachamama e ainda publicarei muitos outros mais sempre que estiver relendo-os. Antes de conhecer a América Latina ao vivo, em todas as suas cores, sons, sabores e pessoas (o que farei em breve) a conheci pelas palavras de Galeano nesses três livros mágicos em que ele conta de um ponto de vista da resistência cultural à dominação a história dos últimos 500 anos das três Américas através de contos e lendas.  Não à toa ele é o meu autor favorito.

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1918
Montañas de Morelos

Tierra arrasada, tierra viva

Los cerdos, las vacas, las gallinas, ¿son zapatistas? ¿Y los jarros y las ollas y las cazuelas? Las tropas del gobierno han exterminado a la mitad de la población de Morelos, en estos años de obstinada guerra campesina y se han llevado todo. Sólo piedras y tallos carbonizados se ven en los campos; algún resto de casa, alguna mujer tirando de un arado. De los hombres, quien no está muerto o desterrado, anda fuera de la ley.
Pero la guerra sigue. La guerra seguirá mientras siga el maíz brotando en rincones secretos de las montañas y mientras sigan centelleando los ojos del jefe Zapata.

(Memória do Fogo, O Século do Vento)

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O Relógios dos Sabores

Tom a leiteira, às sete, nasce o barulho de Lima. Com cheiro de santidade chega, atrás, a vendedora de tisanas.
Às oito passa o vendedor de requeijão.
Às nove, outra voz oferece doce de canela.
Às dez, os tamales, pamonhas salgadas, procuram bocas para alegrar.
Às onze é hora de melões e doces de coco e milho tostado.
Ao meio-dia, passeiam pelas ruas as bananas e romãs, os abacaxis, as frutas-de-conde leitosas e de veludo verde, os abacates prometendo polpa suave.
À uma, chegam os bolinhos de mel quente.
Às duas, a doceira anuncia picarones, bolos que convidam à gula, e atrás dela vem a canjica com canela e não há boca que esqueça.
Às três aparece o vendedor de anticuchos, pedacinhos de coração de boi no espeto, seguido pelos vendedores de mel e açúcar.
Às quatro, a pimenteira vende guisados e fogos.
Cinco horas é a hora do cebiche, peixe cru curtido em limão.
Às seis, nozes.
Às sete, a papinha de milho que ficou no ponto depois de ter sido exposta ao tempo nos telhados.
Às oito, os sorvetes de muitos sabores e muitas cores abrem de par em par, rajadas frescas, as portas da noite.

(Memória do Fogo, As Caras e As Máscaras)

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O Luzeiro

A lua, mãe encurvada, pediu a seu filho:
– Não sei por onde anda teu pai. Leve a ele notícias minhas.
Partiu o filho em busca do mais intenso dos fogos.
Não o encontrou ao meio-dia, onde o sol bebe seu vinho e dança com suas mulheres ao som dos atabaques. Buscou-o nos horizontes e na região dos mortos. Em nenhuma de suas quatro casas estava o sol dos povos tarascos.
O luzeiro continua perseguindo seu pai pelo céu. Sempre chega demasiado cedo ou demasiado tarde.

(Memória do Fogo, Nascimentos)

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Baixe daqui Memória do Fogo, Nascimentos, As Caras e As Máscaras e O Século do Vento (em espanhol) ou compre o box com os três volumes numa caixa especial aqui, por R$ 66,00 (aceito de presente também, rá!!!).

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Estão participando do desafio 30 livros em um mês a Luciana do Eu Sou a Graúna, a Tina do Pergunte ao Pixel, a Renata do As Agruras e as Delícias de Ser, a Rita do Estrada Anil, a Marília do Mulher Alternativa, a Grazi do Opiniões e Livros, a Mayara do Mayroses, a Cláudia do Nem Tão Óbvio Assim, a Juliana do Fina Flor, o Pádua Fernandes de O Palco e o Mundo e também a Renata do Chopinho Feminino. E tem mais a Fabiana Nascimento que posta em notas no seu perfil no Facebook. Mais alguém?

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O livro mais lido, o mais querido e o que me faz lembrar muitas coisas, pessoas e épocas

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Dia 13 — Um livro que te faz lembrar de alguma coisa, um dia

Dia 14 — Um livro que te faz lembrar de alguém

Dia 23 — O livro que você leu mais vezes durante toda a vida

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Não estou fazendo combo e nem burlando o desafio porque me atrasei, é que não há diferença entre o livro dos dias 13, 14 e 23. O livro que me faz lembrar de um dia, uma época, alguma coisa e de alguém, e o livro que mais vezes li na vida é o mesmo. Ele é também o meu livro de cabeceira, o livro que mais vezes dei de presente e o mais querido. Foi uma decisão difícil não o citar no primeiro dia e só não o fiz porque sabia que haveria um dia como esse, triplo, especial. Foram pelo menos trinta exemplares presenteados. Toda vez que o comprava de novo para tê-lo sempre comigo, de novo o presenteava. E assim foram tantas vezes que parei de contar no 25º.

Que livro tão especial é esse pra mim? Cartas a Um Jovem Poeta do tcheco Rainer Maria Rilke. O último exemplar impresso que tive mandei para um amigo de João Pessoa em 2005. E esse último ficou mais tempo comigo justamente porque era emprestado. Que feio, né? Presenteei um livro que não era meu… Achei mais útil compartilhar o Rilke com quem ainda não o conhecia. Pronto, falei.

Cartas a Um Jovem Poeta me foi apresentado por uma amiga muito querida em meados de 1992 e em meio a um turbilhão de coisas que aconteciam ao mesmo tempo na minha vida, o contato com Rilke me fez parar no tempo e no espaço. Sabem aquelas cenas no cinema em que um personagem pára e o mundo segue no seu entorno num efeito meio mágico? Era isso que acontecia naqueles dias de primavera turbulentos cada vez que eu lia aquelas cartas. Desde então, cada vez que encontrava alguém com sensibilidade acentuada, falava do livro e se percebia o interesse — e sempre havia porque eu falava com tanta empolgação que até um insensível iria querer conferir –, o presenteava.

Cartas a Um jovem Poeta reúne as respostas de Rilke a um leitor de suas poesias, Franz Kappus, um jovem de 18 anos que desejava ser escritor e escreveu pedindo-lhe conselhos. Rilke trocou com ele várias cartas (entre fevereiro de 1903 e novembro de 1904 e uma última em dezembro de 1908) e ao invés de falar-lhe em teorias, regras ou práticas da escrita, se concentrou no mundo interior do ser humano por trás da caneta (pena ou teclas) e de onde deve brotar o escritor. Essa viagem de introspecção, de ensimesmação que Rilke propõe a Kappus é tão profunda e intensa que o livro acaba se tornando um elogio à solidão. Atrever-se a escrever só depois desse contato consigo mesmo e de se sentir parte da natureza, quando o ato de escrever se tornasse imprenscindível, visceral. Não é lindo isso? Aliás, o Rilke é conhecido como o poeta da solidão justamente por esse livro. E essa viagem de introspecção proposta por ele serve para qualquer pessoa, mesmo aquelas que não desejam um dia escrever.

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“Não se deixe enganar em sua solidão só porque há algo no senhor que deseja sair dela. Justamente esse desejo o ajudará, caso o senhor o utilize com calma e ponderação, como um instrumento para estender sua solidão por um território mais vasto. As pessoas (com o auxílio de convenções) resolveram tudo da maneira mais fácil e pelo lado mais fácil da facilidade; contudo é evidente que precisamos nos aferrar ao que é difícil; tudo o que vive se aferra ao difícil, tudo na natureza cresce e se defende a seu modo e se constitui em algo próprio a partir de si, procurando existir a qualquer preço e contra toda resistência. Sabemos muito pouco, mas que temos de nos aferrar ao difícil é uma certeza que não nos abandonará. É bom ser solitário, pois a solidão é difícil; o fato de uma coisa ser difícil tem de ser mais um motivo para fazê-la.

Amar também é bom: pois o amor é difícil. Ter amor, de uma pessoa por outra, talvez seja a coisa mais difícil que nos foi dada, a mais extrema, a derradeira prova e provação, o trabalho para o qual qualquer outro trabalho é apenas uma preparação. Por isso as pessoas jovens, iniciantes em tudo, ainda não podem amar: precisam aprender o amor. Com todo o seu ser, com todas as forças reunidas em seu coração solitário, receoso e acelerado, os jovens precisam aprender a amar. Mas o tempo de aprendizado é sempre um longo período de exclusão, de modo que o amor é por muito tempo, ao longo da vida, solidão, isolamento intenso e profundo para quem ama. A princípio o amor não é nada do que se chama ser absorvido, entregar-se e se unir com uma outra pessoa. (Pois o que seria uma união do que não é esclarecido, do inacabado, do desordenado?) O amor constitui uma oportunidade sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo, tornar-se um mundo, tornar-se um mundo para si mesmo por causa de uma outra pessoa; é uma grande exigência para o indivíduo, uma exigência irrestrita, algo que o destaca e o convoca para longe. Apenas neste sentido, como tarefa de trabalhar em si mesmos (“escutar e bater dia e noite”), as pessoas jovens deveriam fazer uso do amor que lhes é dado. A absorção e a entrega e todo tipo de comunhão não são para eles (que ainda precisam economizar e acumular por muito tempo); a comunhão é o passo final, talvez uma meta para a qual a vida humana quase não seja o bastante.”

(Trecho da carta de 14 de maio de 1904)

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Impossível não perceber nas palavras de Rilke um profundo respeito e carinho por seus leitores, não à toa as cartas trocadas com um leitor se tornou seu livro mais conhecido. Cartas a Um Jovem Poeta não é bom por ser conhecido, ele é o livro mais conhecido justamente por ser muito bom.

Ele me lembra amigos muito especiais, pessoas sensíveis com quem tive longas conversas que me marcaram profundamente em diferentes épocas da vida, um amor do tempo da faculdade que ainda guardo com muito carinho (Uia! Pronto, confessei.) e é a minha mais terna e profunda ligação com um livro. Não faço a menor ideia de quantas vezes o li.

Rilke ainda aparecerá pelo menos mais uma vez nesse desafio. 🙂

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Baixe aqui Cartas a Um Jovem Poeta em pdf. Mas aconselho a comprá-lo para tê-lo sempre a mão. A edição normal custa em média R$ 20, 00 e a edição de bolso entre R$ 8,00 e R$ 12,00. A tradução é de Cecília Meireles.

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Estão participando do desafio 30 livros em um mês a Luciana do Eu Sou a Graúna, a Tina do Pergunte ao Pixel, a Renata do As Agruras e as Delícias de Ser, a Rita do Estrada Anil, a Marília do Mulher Alternativa, a Grazi do Opiniões e Livros, a Mayara do Mayroses, a Cláudia do Nem Tão Óbvio Assim, a Juliana do Fina Flor e o Pádua Fernandes de O Palco e o Mundo. E tem mais a Fabiana Nascimento que posta em notas no seu perfil no Facebook. É um jeito outro de conhecer as pessoas através dos livros que as encantaram e encantam. Acompanhe nossa brincadeira.

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