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Aborto legal, livre e gratuito já!

Hoje é o Dia Latino-Americano pela Legalização do Aborto na América Latina e Caribe e a divulgação dos primeiros textos suscitaram discussões e polêmicas antigas sobre a questão. Mas mesmo toda a argumentação pró-vida (apenas do feto) não consegue responder por que a grande maioria das mulheres que morre em decorrência de abortos mal feitos (é a terceira causa de morte de mulheres no Brasil) são pobres e negras.

O fato do aborto ser ilegal no Brasil não impede que ele seja praticado. A diferença é que as mulheres com melhores condições financeiras o fazem com toda a segurança e amparo médico em clínicas sofisticadas que nunca são denunciadas e as mulheres pobres o fazem ou em “açougues” (clínicas clandestinas sem nenhuma condição de higiene) frequentemente denunciados ou em casa, com agulhas de tricô e citotec.

A mesma sociedade que condena o aborto não dá nenhuma assistência à maternidade e a Amanda Vieira escreveu um texto muito interessante abordando esse aspecto da opção pela maternidade:

“…o debate sobre o aborto precisa passar por uma séria reflexão do que significa a maternidade e o desejo de ser mãe. Como é que a sociedade tem preparado as nossas mulheres para isso? Será que nós, mulheres, estamos recebendo o suporte necessário? Nem me refiro a questão financeira, que também é importante, mas em relação ao psíquico: será que a sociedade está despertando o desejo de ser mãe nas mulheres ou estamos enlouquecendo a mulherada com tantas obrigações?

(…) Também acredito que descriminalizar o aborto e legalizar a prática é uma forma de monitorá-lo, de conversar mais com essas mulheres, de saber o que está acontecendo, de efetivamente ajudar a reduzir mortes de mulheres jovens e pobres por esse Brasil.”

É preciso decidir: ou se é favor da maternidade ou não. Mais do que um problema de gênero (e não deveria ser, já que a reprodução é obra de homens e mulheres), a criminalização do aborto é um problema de classe e de raça. São as mulheres pobres, trabalhadoras e mais as negras que sofrem com as consequências de abortos mal feitos ou por serem obrigadas a levar adiante uma gravidez indesejada.

Se no momento da concepção a sociedade está preocupadíssima com a vida do feto, lava suas mãos depois que esse feto nasce e ganha uma cor, uma raça e uma classe. Pró-vida de quem, então, moralistas? Hipocrisia define essa sociedade que sempre condena as mulheres pobres e em sua ampla maioria negras à culpa, à marginalidade e a péssimas condições de vida que tem como pano de fundo a normatização da sexualidade da mulher e a culpa e pune pelo prazer.

Alguns dados:

  • quase 2 milhões de abortos são realizados por ano no Brasil, sendo que 95% deles em situação de risco
  • quase 800 mil internações nos serviços de saúde por abortos mal feitos
  • quase 6 mil mulheres morrem por ano em decorrência desses abortos mal feitos
  • 1 em cada 5 mulheres já interrompeu uma gravidez ao longo da vida por vontade própria
  • é possível engravidar mesmo tomando anticoncepcional

Por fim:

“A questão do aborto está mal posta. Não é verdade que alguns sejam a favor e outros contrários a ele. Todos são contra esse tipo de solução, principalmente os milhões de mulheres que se submetem a ela anualmente por não enxergarem alternativa. É lógico que o ideal seria instruí-las para jamais engravidarem sem desejá-lo, mas a natureza humana é mais complexa: até médicas ginecologistas ficam grávidas sem querer.

Não há princípios morais ou filosóficos que justifiquem o sofrimento e morte de tantas meninas e mães de famílias de baixa renda no Brasil. É fácil proibir o abortamento, enquanto esperamos o consenso de todos os brasileiros a respeito do instante em que a alma se instala num agrupamento de células embrionárias, quando quem está morrendo são as filhas dos outros. Os legisladores precisam abandonar a imobilidade e encarar o aborto como um problema grave de saúde pública, que exige solução urgente.” (Drauzio Varella, A questão do aborto)

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Aborto legal, livre e gratuito já, porque é um direito da mulher.

Esse post faz parte da Blogagem Coletiva Pela Descriminalização e Legalização do Aborto convocada pelas Blogueiras Feministas para esse 28 de setembro de 2011. Leiam todos os posts da blogagem lá.

Deixo ainda como sugestão o texto da Lis Lemos, Acordei com vontade de fazer um aborto.

No final do dia escrevi por encomenda um texto avaliação da ação desse 28 de setembro de 2011 pela legalização do aborto e os espaços de debate e silêncio que encontramos. Está no Jornalismo B, em “Legalização do aborto é debatida na web e silenciada na grande mídia“.

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Estamos apenas começando

Blogagem coletiva do Blogueiras Feministas pelos cinco anos da Lei Maria da Penha

Ontem, 7 de agosto, a Lei Maria da Penha completou cinco anos e o Blogueiras Feministas convocou para hoje uma blogagem coletiva sobre a lei, aplicação, funcionalidade, eficácia e a luta pelo fim da violência contra mulher.

Depois de mais de 25 anos da criação das delegacias especializadas para os crimes de gênero, sentíamos (nós, do movimento feminista) que faltava amparo legal para combater, prevenir e coibir a violência contra mulher. A Lei Maria da Penha veio para ser instrumento de punição mais rigorosa e exemplar aos agressores e assassinos de mulheres.

Mas assim como após a criação das delegacias sentimos que faltavam outros instrumentos e assim surgiram os albergues para mulheres vítimas de violência e em situação de risco de vida e a própria Lei Maria da Penha, após a criação da Lei e passados esses cinco anos de sua aplicação, sentimos que ainda falta muito para coibir, prevenir e combater a violência doméstica, de gênero.

Foram pensadas as Varas Crimimais de Violência Doméstica que geraram alguma polêmica no próprio movimento feminista, se fortaleceriam ou enfraqueceriam a Lei Maria da Penha. Mas o que tenho percebido (e é impressão mesmo, não tenho dados ou pesquisa que comprove isso) é que a Lei Maria da Penha aflorou o machismo do judiciário. Muitos juízes que antes até decidiam em favor das mulheres por opção ou convicção diante dos casos e na interpretação do código usado, passaram a questionar a Lei Maria da Penha como que numa rebelião jurídica por terem agora uma Lei que os obriga de certa forma a uma interpretação que antes consideravam um favor, uma concessão particular.

Se alguém souber de dados, reportagens com esse enfoque, colaborem informando. Faço depois uma correção no post com acréscimos e links. Estou escrevendo a partir de minhas impressões pessoais meio que como um desabafo de uma feminista após 20 anos de ativismo no combate à violência contra mulher.

Temos todos os veículos e recursos para atender as mulheres vítimas de violência em cada etapa desse triste e trágico processo, claro que em alguns lugares nem posto (etapa anterior à delegacia especializada) policial para mulheres temos, nem albergues (ou casa abrigo), nem funcionários da saúde treinados, nem Varas especializadas ou promotores(as) sensibilizados ou mesmo conhecimento da Lei que está completando cinco anos. Mas nos lugares onde temos todos os serviços possíveis e disponíveis, a violência continua.

Quero dizer com isso que não é pela falta da estrutura do Estado com serviços e recursos que a violência contra mulher perdura e se perpetua. O movimento feminista ficou anos à fio lutando e brigando para ter serviços de atendimento para cuidar e tratar das vítimas, no entanto não atingimos o objetivo de diminuir os índices de violência. O máximo que conseguimos foi aumentar o índice de denúncias, que continuamos estimando em apenas 40% da violência ocorrida. E detalhe: Nos últimos anos vimos novamente o número de feminicídios crescer assustadoramente, inclusive entre adolescentes e jovens.

Minha reflexão hoje é também uma auto crítica. Precisamos focar na prevenção à violência contra mulher, ou seja, no combate a sua causa: o machismo. Precisamos de uma educação antimachista, antissexista, numa cultura de paz e não violência. Creio que chegamos ao ponto mais pedregoso de nossa estrada e é como se estivéssemos apenas començando. À luta, gurias e gurizes. Como diria Beto Guedes: “vamos precisar de todo mundo, um mais um é sempre mais que dois”.

Continue lendo a respeito:

Blogueiras Feministas

Como especialistas avaliam os cinco anos da Lei Maria da Penha

Dados sobre a Violência contra as Mulheres

Lei Maria da Penha citada como exemplo em relatório da ONU

Vídeo – Programa Profissão Repórter: Violência Doméstica: Parte 1 e Parte 2.

Entrevista – Maria da Penha avalia a aplicação da lei que leva o seu nome

Vídeo – Programa Conexão Repórter: Quando o medo dorme ao lado: Parte 1 – Parte 2 –Parte 3 e Parte 4

Reportagem – Maria da Penha, a mulher que sobreviveu à tentativa de assassinato pelo marido e virou nome de lei

Só para mulheres – O sujeito de direito sob proteção da Lei Maria da Penha é a mulher, discordando da abrangência para homossexuais homens. Texto de Debora Diniz

Notícia – Criada para mulheres, Lei Maria da Penha também ajuda homens. No Rio e no Rio Grande do Sul, juízes decidiram aplicar a lei para relações homossexuais. No Mato Grosso, homem conseguiu se proteger da ex-mulher.