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Cuca dos pampas

A saudade de casa me vem não só pela umidade que me falta no nariz ao respirar, no frio ao anoitecer para dormir, mas também pelo ouvido na falta dos ‘ésses’ todos pronunciados, do tu ao invés de você (ou “ocê”) e do falar cantado dos gaúchos que eu amo. A saudade está presente principalmente no sabor, ou melhor, na falta do sabor. Nunca mais o amargo do chimarrão acompanhado da prosa, nunca mais o salgado do churrasco — e nem tentem argumentar que se assa carne no resto do país porque é no máximo isso, assar carne — com o sangue escorrendo (é agora que a turma clorofilada  fã de alface sai correndo)… e, por fim, saudade do doce da cuca.

De todas as saudades a mais fácil de resolver é a da cuca. Só fazer, né? Buenas, mas só me decidi a fazer a tal da cuca hoje, depois de quatro meses rasgada, dilacerada por essas ausências e outras ainda mais prementes.

O nome é uma adaptação da palavra alemã kuchen, que significa bolo, e dizem que a receita de cuca como conhecemos no pampa gaúcho surgiu de uma adaptação que os imigrantes alemães foram obrigados a fazer, substituindo ingredientes que não existiam no Brasil no final do século XIX. Cuca para os gaúchos descendentes de alemães é um pão doce com recheio e cobertura de farofa. Bom demais!!!

Segue a receita, a que eu faço. Coloca numa vasilha grande três xícaras de farinha e deixa mais uma do lado de reserva, para o caso de precisar mais, e lembre-se que daqui a pouco as mãos estarão melecadas na massa. Cave um buraco no meio da farinha e despeje o conteúdo de um pacote de fermento biológico seco granulado (10g), cubra o fermento no centro da farinha com uma colher de sopa de açúcar e despeje um pouquinho de leite morno, mais para quente. Cubra com um pano de prato e deixe fermentar por 15 minutos. Depois acrescente uma xícara de açúcar, uma colher rasa de chá de sal, dois ovos (não gelados), duas colheres de sopa de manteiga, leite morno (mais para quente) para amassar.

Não tem jeito, tens que colocar a mão na meleca, digo, na massa. Tem que ficar pegajosa mas firme. Caso tenha ficado muito mole, acrescente um pouco mais da farinha reservada até acertar o ponto — vais ter quer descobrir qual é. Amassa bastante, como quem tenta se livrar da massa que está grudada na mão. Quando estiver bem homogênea e teu braço estiver cansado, vá desgrudando a massa da mão com a ajuda de uma colher. Cubra com o pano de prato e deixe dobrar de tamanho. Demora em torno de 1 hora.
Enquanto esperas a massa crescer, faça a farofa. Uma xícara de farinha, uma xícara de açúcar e duas colheres de manteiga. De novo terás que enfiar a mão na massa até os três ingredientes estarem completamente misturados. Reserve a farofa e escolha o recheio. Pode ser abacaxi, pêssego, goiabada, banana ou até chocolate. Corte em pedaços pequenos e reserve.

Unte uma forma retangular média com margarina e farinha. Distribua a massa na forma e não importa ficar bem baixinha porque a massa triplica de tamanho. Distribua os pedacinhos do recheio. Eu escolhi goiabada porque estava com saudade do sabor mais tradicional. Por fim, cubra com a farofa. Aconselho aquecer o forno de leve e deixar a massa lá, descansando para crescer. Em mais ou menos 1 hora terá dobrado ou triplicado de tamanho. Ligue o forno em 250ºC e asse até dourar (de leve) a farofa. Verifique com um palito se a massa está seca bem no meio e… Está pronta!

Caso decida fazer a cuca sem recheio, coma com chimia ou linguiça — Coisas de gaúchos descendentes de alemães e dos que aprenderam a gostar dessa mistureba de doce com salgado. Tri-bom!!!

Para acompanhar, sirva acompanhada dessa música, de café e da saudade:

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ps: Estranha essa coisa da saudade que vai correndo a gente… Acabou que postei uma receita alemã justo hoje, 18 de novembro, dia do aniversário da minha avó Carolina. Filha de um alemão e uma polonesa, nasceu em 1920 e foi criada na praia de São Lourenço do Sul, onde minha mãe também nasceu.  😦


Panquecas malignas

O segredo dessa receita de panquecas não está no recheio e sim na massa. O recheio, vou deixar duas dicas, mas pode ser ao gosto do freguês — ou melhor, do comilão/comilona.

Nunca tenho as medidas exatas e para quem não está acostumado/a a cozinhar pode ser muito chato, mas veja por outro lado. Se não tiveres em casa a quantidade exata que diz a receita não te sentirás impedido de fazê-la. Neáh?

Se fores cozinhar para duas pessoas coloque mais ou menos meio litro de leite no liquidificador (qualquer leite, pode ser também de soja), dois ovos (para quem é vegano, elimine os ovos da receita e reze para dar certo porque eu nunca testei), farinha de trigo (pode substituir pela orgânica), sal à gosto ou uma colher de chá cheia, um pouco de queijo parmesão ralado (aquela sobra da geladeira ou até 25gr.) Atenção aqui: muito queijo ralado vai pesar demais no sabor e deixar as panquecas muito mole na hora de enrolá-las ainda quente ou ainda grudar tudo na frigideira.

Para os veganos, que não usarão queijo ralado, sugiro usar algum tempero de sua preferência para dar um toque especial no sabor, que pode ser um pouco de espinafre ou cenoura cozidos.

Depois de bater, verifique a consistência. Não pode estar nem muito grossa e nem muito fina. Que ponto é esse? Se vire. Demorei também para aprender e chegar ao ponto da massa que eu gostava mais. Aí é só ir colocando um fio de óleo ou azeite numa frigideira antiaderente, deixá-la aquecer bem sem (queimar o óleo) e despejar uma concha cheia de massa. Tem que distribuir a massa igualmente por todo o fundo da frigideira, deixe dourar um lado e com uma espátula de silicone vire e deixe dourar o outro lado (o tempo do segundo lado é metade do primeiro, porque a massa já estará seca). Vá colocando as massas de panqueca fritas num prato raso e repita a operação até acabar a massa crua.

Se o recheio for mais elaborado, precisa ser preparado antes da massa. Essa receita foi feita com frango assado desfiado e refogado com muita cebola, pimentão, tomate cortados em tiras, sal, pimenta, alho amassado, um pouco de molho de mostarda e muito óregano. Enrole as panquecas com uma colherada generosa de recheio e vá acomodando no prato onde será servido. Misture um pouco do recheio com muito creme de leite e jogue por cima das panquecas e ainda dê um toque com um molho verde (surrupiado de um boteco de sanduíches de Ovorizonte na calada da noite que, suspeitamos, seja feito de um pouco de maionese, creme de leite, salsa e cebolinha e pepino fresco).

Alternativa de recheio 1) é queijo mussarela enrolado com óregano e depois enrolado na massa da panqueca com molho feito de queijo mussarela e parmesão batido com creme de leite (precisa gratinar um pouquinho antes de servir) e; 2) palmito temperado com salsa e cebolinha com molho de ervas.

panquecas malignas com molho de frango e creme de leite e mais o molho verde

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Se preferir sirva com arroz branco ou integral e a salada de sua preferência.

Fotos (celular) da provadora oficial das panquecas, Renata Lima.

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Nhoque do Azar

Quando era criança dizia que não gostava de nhoque. Na verdade gostava, mas apenas do nhoque que a minha avó fazia e como não gostava de nenhum outro para não ter que passar por aqueles constrangimentos de dizer que gosta de algo e depois ter que comer obrigada, passei a dizer — e a acreditar — que não gostava de nhoque.

Apenas há uns dez anos atrás experimentei fazer e deu certo. Fui seguindo a receita, que não tinha, guiada pelas lembranças passo a passo como que num ritual. Descasquei as batatas, cortei em pedaços grandes e coloquei numa panela com água e sal para cozinhar. Depois de cozidas num ponto depois da batata para salada de maionese, escorri e amassei. Deixei esfriando. Não sabia se deveria deixar esfriar completamente ou poderia acrescentar a farinha com a batata ainda morna.

Acabou que acrescentei farinha na batata ainda morna, reservei eu fui desfiar o frango que já tinha cozinhado ensopado num molho básico de cebola, alho, muito tomate, pimentão, orégano, pimenta, dois ou três tabletes de caldo de frango, manjericão, alecrim e/ou louro. Detalhe: Joga tudo na panela ao mesmo tempo com um fio de azeite e o frango cru em pedaços e cobre com água fria. Dá certo até mesmo com o frango ainda congelado.

Depois de pronto, retira o frango para esfriar e poder desfiar. Nesse dia me distraí desfiando o frango — tem certas atividades rotineiras que fazem o pensamento divagar e desfiar frango é uma dessas pra mim, assim como lavar banheiro — e a massa do nhoque gelou e meio que desandou. Como não tinha certeza da quantidade de farinha, fui acrescentando aos poucos e sentindo a consistência da massa na mão para enrolar e fazer os “travesseirinhos”.

Antes de começar a enrolar a massa, coloque uma panela no fogo com água e sal. Quando ferver baixe o fogo e vá terminar a massa. Pega uma bola de massa com diâmetro equivalente ao de um CD e para enrolar na tábua e cortar precisa ir untando a tábua e as mãos com farinha, e ao enrolar na tábua (como se fosse um rolinho de massa de modelar) a massa não pode estar se quebrando. Se quebrar, desmancha e acrescenta mais um pouco de farinha e faz tudo de novo.

Depois de enrolado, corte em pedaços pequenos. Ajeite os travesseirinhos um a um com a ponta dos dedos selando completamente. É assim: Tu tens um quadradinho de batata sobre a tábua untada de farinha. Vá apertando levemente cada um de seus lados com a ponta do dedo indicador. No final tens um travesseirinho gordinho. É, nhoque dá trabalho e não dá para fazê-lo sobre a pressão do relógio.

Depois de prontos os travesseirinhos, jogue-os em grupos dentro da água fervente já em fogo baixo (com cuidado para não saltar água quente para todos os lados). Os travesseirinhos inicialmente afundam e quando estão cozidos sobem e ficam boiando na superfície. Retire-os com cuidado com uma escumadeira, deixe um tempinho no escorredor de massas e já coloque direto nos pratos, em porções individuais. Vai por mim, se esfriarem cozidos e sem molho ficam colados. Caso aconteça, basta aquecer no vapor para que descolem.

Pode substituir o molho de frango por um de três ou quatro queijos. Um fio de azeite numa panela para refogar um cebola ralada (ou picada bem miudinha) com meio litro de leite batido no liquidificador com os queijos escolhidos, uma colher de amido de milho e 200ml de creme de leite, uma pitada de sal e outra de pimenta. Acerte o sal depois de pronto. Se ficar muito grosso é só colocar mais um pouquinho de leite.

Sirva polvilhado com queijo parmesão ralado. Para acompanhar, vinho tinto seco (escolha um mais encorpado).

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Por que nhoque do azar? Azar da dieta depois de tanto se empanturrar com o nhoque, azar dos vizinhos que ficarão apenas com o cheiro, azar de quem for lavar a louça e limpar o pandemônio que fica a cozinha… E azar principalmente do/a convidado/a de honra — hehehehe (risadinha maligna) — que estará  enfeitiçado/a para TO-DO O SEMPRE. Ahhhh… E porque comunista não conta com a sorte. Rá!!!

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Bolo de banana com banana

Separe as gemas das claras de quatro ovos. Reserve as claras. Numa tijela coloque as quatro gemas, três xícaras de açúcar e duas colheres de sopa bem cheias – generosas mesmo – de margarina (tanto faz ter sal ou não, a que tiveres em casa). Bate muito (muito mesmo) até ficar um creme homogêneo e esbranquiçado (na batedeira ou na mão). Acrescenta três xícaras de farinha de trigo.
Bata no liquidificador de quatro a seis bananas prata com pouco leite – tem que ficar um creme grosso. Vá incorporando na massa junto com a farinha. Verifique se a massa está consistente. Se estiver muito mole, acrescente mais um pouco de farinha e açúcar, na mesma proporção. Bata as claras em neve – na batedeira ou com um garfo. Incorpore as claras em neve à massa devagar, em movimentos circulares e permitindo a inclusão de ar. Acrescente duas colheres de sopa rasas de fermento químico e misture devagar, sem bater.
Jogue a massa numa forma redonda (sem furo no meio) untada com margarina e farinha e ajeite a massa para preencher a forma por igual. Vá cortando bananas em tiras e cobrindo a massa. Quando estiver toda coberta, polvilhe com bastante açúcar e canela em pó. Leve ao forno pré-aquecido (250º) por mais ou menos 60 minutos. Dica: Não abra o forno para espiar antes de completar 40 minutos de cozimento. Se tiver dúvida se está assado ou não, enfie um palito e teste nos dedos se a umidade é a natural do bolo ou se ainda há massa crua. Fica mais fácil desenformar se a forma tiver fundo falso.

Foto: Thiago Beleza

Opções: Se preferir substitua a farinha de trigo normal pela farinha integral fina ou farinha de trigo orgânica. Pode substituir o açúcar refinado da massa por açúcar orgânico e o açúcar com canela da cobertura por açúcar mascavo.

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Minha coluna de culinária

A partir de hoje, esta é a coluna de culinária do Pimenta com Limão. Um espaço para compartilhar as minhas receitas e o meu modo de fazer receitas tradicionais. Para quem tem curiosidade sobre o que os comunistas comem, acompanhem. Garanto que vamos muito além das criancinhas. Rá!!!  😉