As palavras ainda me faltam. Por mais que as cace não consigo achar os termos exatos para definir tudo o que senti, tudo o que foi o show do Morrissey, ex-vocalista do lendário The Smiths, no último dia 7 de março em Belo Horizonte. Só quem esperou por quase 25 anos por um show que achou que nunca poderia assistir pode (pode, não quer dizer que consiga) chegar perto de imaginar o que foi.
Fui apresentada aos Smiths através de There Is A Light That Never Goes Out quando tinha 14 anos, nos idos de 1986, e foi essa música que me salvou da mediocridade cultural do senso comum. Isso pode parecer meio elitista e arrogante, mas é justo o contrário. Sou proletária, filha de proletários, e se dependesse do que a indústria cultural de massas oferece à minha classe jamais teria ouvido Smiths ou tido acesso a outro tipo de cultura que não a massificada e massificadora. Naquele tempo ou se comprava os discos ou não se ouvia nada diferente do que tocasse no rádio.
Quando fiquei sabendo dos shows do Morrissey no Brasil este ano nem me animei. Sabia que não era pra mim. Além de estar falida, sem casa — I never never want to go home/ Because I haven’t got one/ Anymore — e meio que em trânsito, não imaginava estar em nenhuma das três capitais contempladas para receber o show — Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.
Foi aí que a mágica começou a acontecer… Morrissey cancelou o show em Porto Alegre e anunciou Belo Horizonte no lugar. A grana que esperava receber (pela qual ainda espero) para poder sair de BH não caía nunca na conta (da Renata, né… porque eu sou tão marginal que nem conta em banco tenho) e eu fui adiando a partida, adiando… Um amigo de BH com quem não falava há alguns meses (ele estava sumido, passeando no subúrbio do senso comum — aquele mesmo do qual o Smiths me salvou), voltou a estabelecer contato e no meio de uma conversa boba ele me convidou para ir no show do Morrissey com ele — Take me out tonight/ Where there’s music and there’s people/ Who are young and alive. Juro que não levei a sério, embora ele costume ser assertivo e falar sério. Passaram uns dias e ele postou no meu mural no feicibúqui os ingressos já comprados. Meu queixo se esfacelou no chão e foi só aí que comecei a acreditar que iria mesmo realizar um sonho que de tão antigo nem alimentava mais.
Aí começaram os problemas… Quem nunca, né? De repente não sabia nem se teria onde ficar, dormir até o dia 7. Dias de agonia e por um triz não desisto de ir no show. Na última hora as coisas se resolveram (com a ajuda de três queridas amigas) e eu ficaria em BH o tempo exato de ir ao show, respirar, me recuperar e ir embora. Foi quase assim, exceto por algumas trapalhadas minhas, que se não existissem eu as inventaria ali na última hora.
O local do show é horrível e a acústica é um lixo, mas o Morrissey e sua banda superaram todos os problemas. Ele é um showman e sua banda consegue reproduzir no palco o que os Smiths faziam em estúdio. Isso eu não teria visto nem se tivesse ido a um show deles nos anos 80 — quem é dessa época deve lembrar da decepção que era ouvir algumas músicas com mais efeitos reproduzidas ao vivo –. Desde o início do show parecia estar flutuando, em outro mundo, que misturava tempo e espaço naquele momento ali.
Gosto da carreira do Morrissey após Smiths, ele conserva muito da sonoridade e da inquietação nas composições, aquele tom meio dark, depressivo dos anos 80. Mas mesmo curtindo demais o show todo eu esperava ansiosamente pela música mágica, e ele deixou a maioria das seis músicas que tocou do Smiths para o final (set list show BH).
No primeiro acorde de There Is A Light That Never Goes Out as lágrimas brotaram. Era um misto de alegria e tristeza, saudade e reencontro, vontade de sumir e explodir tudo-ao-mesmo-tempo-agora. Eu a chamo de “a música mágica” (tenho um playlist salvo no meu pc apenas com ela, repetida diversas vezes) porque é a música preferida do Calvin, a música que o acalma. Ele adora Smiths. Eu o ensinei a gostar. E foram muitas as nossas madrugadas cantando e dançando There Is A Light That Never Goes Out repetidamente (é… não é fácil nos aturar). Estou há tanto tempo longe do Calvin que a saudade me rasga e tê-lo de volta nesse momento foi mágico. Teve uma hora que fechei os olhos e o consegui imaginar ali comigo, cantando e dançando. Só por isso o show inteiro já valeria — Take me out tonight/ Take me anywhere/ I don’t care, I don’t care, I don’t care/ Just driving in your car/ I never never want to go home/ Because I haven’t got one.
Saí de Belo Horizonte flutuando (mesmo com todos os percalços depois), nessa vibe que ainda não saiu de mim. Domingo, além de assistir pela web ao vivo ao show de São Paulo, consegui baixar um dos shows que Morrissey fez no Chile e mesmo sendo outro set list ainda não consegui parar de ouvir, porque There is a light that never goes out… There is a light that never goes out… There is a light that never goes out…
O meu amigo de BH não faz ideia — e mesmo que tente explicar jamais conseguirei — do bem que me fez. Sim, “to die by your side/ well, the pleasure and the privilege is mine“, senhores Erik e Morrissey. 🙂
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PS: No final da música mágica, sexta música nesse show do Chile, ele vai até perto da plateia e abraça uma fã. Morri de inveja!!!