agora é só o queijo mesmo

queijo

fazia tempo que não comia queijo. muito tempo. as pessoas ficavam me dizendo “tem que comer queijo, não pode se entregar, não pode viver sem queijo”. e eu me esquivando. não sentia vontade. até pensava na possibilidade de forçar um tiquinho a minha barra e comer queijo mesmo sem vontade, mas cada vez que tentava era um desastre. e o queijo foi ficando cada dia mais distante.

semana passada comecei a sentir vontade de comer queijo, assim, “do nada”. combinei pra hoje. acordei cansada, já na negativa, mas fui deixando o dia correr. se tudo estivesse ok no horário combinado, hoje seria o dia de comer queijo de novo.

comi. foi bom. mas estou exausta. pensa que alguém a minha volta entendeu o tanto e o porquê da minha exaustão? “ah, se comeu queijo, comesse goiabada também”. respiro fundo e tento evitar os pensamentos de nunca mais comer queijo novamente.

poxa… respeita. uma coisa de cada vez. ok queijo com goiabada, mas a goiabada agora não.

ainda não.

agora é só o queijo mesmo.


e veio o dia 21…

não foi uma noite fácil. mas um combo de relaxante muscular e analgésico específico para enxaqueca mais um chazinho calmante me fizeram capotar enfiada debaixo do edredom a pedido da madrugada gélida de Satolep.

infelizmente não deu para esquecer. e nem é possível escrever a respeito ainda. mas… deu para decidir algumas coisas: nunca mais colaborarei com as violências sofridas e nunca mais me sujeitarei a fazer o que não quero, àquilo que até o corpo trava em negativa concordando com o cérebro. nunca mais!

vem aí um longo período de mudanças, que só deve encerrar no final de 2017, e vou aproveitar esse período para criar um ambiente mais dócil e amável para mim. afinal, lar é pra isso. né?

é impossível escrever ou produzir qualquer outra coisa onde é preciso lutar para garantir minutos de silêncio e paz ou para atividades que estimulem o pensamento e a criatividade.

enfim… é inverno. tempo de acumular energias para o desabrochar das flores. e é isso que vou fazer.

preciso de meias de lã.

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atropelamento e fuga

o dia hoje foi tão horrível, tão violento… me atropelou de um jeito… e me deixou lá esmigalhadinha no chão. e o único abrigo que encontrei foi justamente onde menos esperava.

está tão difícil até de lembrar _dirá tentar lidar com_ que minha única saída será fingir que não aconteceu. e assim será.

porém, foram tão raras as vezes que me senti no colo da minha mãe nesses quase 46 anos de vida que de hoje escolhi guardar só isso, a sua percepção e cuidado quando tudo era aspereza, agressão e horror.

no mais… vem ni mim 21 de junho!

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minha noite com Bob

essa noite eu trepei com Robert Redford. “Bob”, foi assim que me pediu que o chamasse. sim, foi sonho. mas não interessa…EU TREPEI COM ROBERT REDFORD!

minha amiga Iaiá estava com problemas. era introspectiva demais e pouco falava da vida pessoal. numa sexta à noitinha sobramos só eu e ela da galera do trabalho no boteco, e ela parecia aflita. perguntei o que era e ela me disse que teria que passar o final de semana com o pai. já não era mais criança nem adolescente, mas fazia parte da terapia dos dois a reaproximação. ele já tinha outra família, uma madrasta oficial e outros dois ou três irmãos também já adultos.

Iaiá ligou para o pai e perguntou se poderia levar uma amiga, para o caso desse primeiro reencontro nesse formato ser mais difícil e tals. ele concordou. fomos direto do bar. e eis que o pai da Iaiá era ninguém mais ninguém menos do que ROBERT REDFORD! trombetas soaram dentro da minha cabeça. suava frio. coração disparado. como assim, eu estava diante de Robert Redford????????????????????

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por dentro estava num triplo twist carpado em looping, por fora totalmente paralisada. passado o susto, apresenta, cumprimentos, aperta a mão, meio abraça, finge que está tudo bem. respira. afasta. mostra a casa, os quartos de hóspede onde ficaremos, tenta nos deixar à vontade. pai e filha vão conversar em reservado, enquanto eu vou tomar um banho e tentar _veja bem, TENTAR_ me recuperar e resistir à ideia de pegar o celular e dar a notícia no tuíter.

jantar, sobremesa, vinho depois, música, Iaiá se recolhe, ele também. eu fico, né? quedê sono? quando finalmente me acalmo e penso em me recolher ele reaparece dizendo não conseguir dormir, que é um problema recorrente a insônia, notívago… eu também. engatamos um papo bom, daqueles que não para nunca mais, e começamos a rir e a chegar perto… e dicapoco ele me pede para chamá-lo apenas de “Bob”. eu chamo, né? vemmmmmmmmmmmm… veio.

desculpa, é i-m-p-o-s-s-í-v-e-l descrever a trepada. tal e qual em Proposta Indecente deixarei apenas a sugestão de como foi. não existem palavras para isso. acordei muito tarde no dia seguinte, perdi o almoço e achei que a Iaiá já estava melhor ambientada e decidi deixá-la só com esse pedaço da família e seguir os passos de sua terapia. Bob me acompanhou até a porta. eu flutuava.

no caminho para casa fui perseguida por bandidos irlandeses, máfia mexicana, fui parar num xópim, atiraram em mim, tentaram me empurrar escada abaixo, no poço do elevador…não interessa. apenas flutuava. EU TREPEI COM ROBERT REDFORD!

não sabia como ia contar isso pra minha amiga, podia ferrar a terapia e a reaproximação dela com o pai, estava me sentindo péssima [?????????????????]…não interessa. EU TREPEI COM ROBERT REDFORD!!!

foi só um sonho, sim, eu sei. mas, né… NÃO INTERESSA. e desculpa se pareço chata, pedante e repetitiva, mas… EU TREPEI COM ROBERT REDFORD!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

para. respira. com calma… obrigada, Iaiá! minha noite com Bob foi inesquecível. ❤


o que não fui

queria ter um mínimo de ânimo e disposição para me aventurar em algum projeto profissional. qualquer um. um que desse sentido a minha vida e a minha escolha pelo jornalismo. qualquer um que fizesse voltar a respirar a jornalista que morava em mim, em algum lugar, escondida. tão escondida que pode até ter ido embora e nem percebi…

jornalistas são contadores de histórias e alguns, os bons, guardiões da memória. e um dos vícios da profissão eu adquiri: contar o tempo. olhar pra trás pensando em fatos relevantes, datas, etc. daí que olhando para a minha própria história me dei conta que faltam poucos meses para completar 20 anos de formada. vinte anos. e doeu perceber. até pensei em perguntar a jornalistas amigos onde estavam quando completaram 20 anos de exercício da profissão, em que veículo, em que situação na vida, se estavam felizes, satisfeitos e talecoisa. mas… pra que fuçar ainda mais essa ferida, né?

há 20 anos eu finjo para mim mesmo que sou jornalista para não reconhecer que fracassei no meu único grande sonho e projeto individual. [respira fundo, seca as lágrimas] basta! é chegada a hora de assumir que não deu, e tentar lidar com isso da melhor maneira possível. pelo menos não precisarei passar por aquela cena dramática de rasgar o diploma, rá!, ele não vale mais nada faz tempo. vai ficar guardado amarelando como comprovante do que não vivi.

confesso que ainda não sei bem o que responder quando me perguntarem “profissão”, “o que tu faz”. ao menos não me sentirei mais uma fraude como quando verbalizava a resposta anterior.

então… ensaiando: sou Niara de Oliveira, pelotense, torcedora xavante, tenho 45 anos e ainda não sei muito bem o que vou ser. só sei o que não fui: jornalista.

fim


cheguei aos 45. ê.

meu bolo de níver feito pela mamis (pêssego, chantilly e chocolate)

meu bolo de níver feito pela mamis (pêssego, chantilly e chocolate)

Completando 45 anos com aquela cara (exageraaaaaada) e ânimo de 90, resmungando muito e achando que a vida foi cruel demais comigo. E achando que estava pouco, mandou mais. Esse ano só quero esquecer. Não consegui viajar e rever pessoas queridas, mergulhei na depressão de novo e no comecinho de dezembro fui demitida. Eu estaria reclamando do mesmo jeito mesmo sem tudo isso, cêis sabem, mas parece que 2016 resolveu me dar motivo para reclamar. Então… pronto, reclamei.

Dizem que 2017 é ano “um”, ano de recomeços, de iniciar novos projetos, embarcar em novas aventuras. Pois, bem. Estou sendo forçada a recomeçar. E vou. Tenho um companheiro paciente, generoso e doce (pelo menos comigo) que faz ‘de um tudo’ para tornar minha vida melhor. Pena que nem ele, nem o desejo dos amigues queridos, nem a lindeza e amor do Parque Jurassí sejam suficientes para me trazer à tona hoje. Daí que vou ficar mais um tantinho mergulhada nessas águas turvas. Desculpa. Daqui a pouco eu volto.

Afinal acredito no poetinha, “a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não“.

Mas antes, para não perder a vibe da reclamação, deixa eu dar na cara de 2016 porque ele fez por merecer…

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A história é para ser mudada

O aniversário do AI-5 e seus reflexos e sombras na democracia

Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência.” – Jarbas Passarinho, na reunião que decidiu os termos do Ato Institucional n.º 5 se dirigindo ao então presidente, o general Arthur da Costa e Silva

A gente vive a comparar tudo, inclusive épocas e fatos. Embora para a esquerda uma frase sobre a repetição da história viva ressoando e sendo repetida, ela é mito. A história não se repete. Mudam as pessoas, seus ânimos e consciências social e política, as condições, a conjuntura, as posições no tabuleiro. A observação de Marx fala sobre o uso teatral de referências positivas ou mitos do imaginário popular para enganar o povo. De novo: a história não se repete.

Temos falado, escutado, escrito e lido muito sobre golpe e as comparações deste com o outro de 64. Só que aquele foi um golpe no amplo sentido da expressão. Teve tanque na rua, presidente deposto, regime deposto, democracia e direitos constitucionais suprimidos. Esse de agora foi um golpe institucional, “branco”, usando (ou deturpando, como preferirem) os meios da própria democracia. Não é a primeira vez, e nem será a última, que a democracia é usada contra o povo, contra seus direitos, vontade, legitimidade.

Hoje é aniversário da instituição da ditadura em sua face mais dura e perversa no Brasil. Daí que com a votação da PEC 55 (ex-PEC 241) em segundo turno no Senado Federal não faltou quem a comparasse ao decreto do AI-5 naquele fatídico 13 de dezembro de 1968. Mas percebam, por favor, que há 48 anos o Congresso foi fechado, qualquer reunião com mais de duas pessoas numa esquina à noite poderia terminar em prisão e tortura, Habeas Corpus foi cancelado. Se a prisão não fosse registrada havia uma imensa possibilidade do preso ou presa nunca mais ser visto. Nessa toada, milhares de opositores (ou não) à ditadura estavam sendo caçados, torturados, assassinados e desaparecidos.

Veio a anistia, voltaram os exilados, veio a abertura, eleições diretas, constituinte, mas a tortura e o desaparecimento permaneceram, institucionalizados como prática das polícias, e nem com a promulgação da Constituição Federal em 1988 com todas as garantias de Direitos Humanos isso mudou. Para usufruir e reivindicar direitos humanos é preciso primeiro ser reconhecido como humano, e essa é uma realidade ainda muito distante para pretos, mulheres e LGBTs pobres. E claro que a linha tênue que define quais humanos são de fato e de direito humanos é a classe social. Se não temos centros especializados de tortura é porque é melhor não ter um local específico para isso, mesmo sabendo que quase toda delegacia ou unidade policial deste país tem uma salinha para interrogatórios reservados. Já dizia o Marcelo Yuka que “todo camburão tem um pouco de navio negreiro“. Se os desaparecidos da democracia vão se amontoando no esquecimento é porque esquecemos também dos desaparecidos da ditadura.

Não tenho dúvidas que os ataques a direitos duramente conquistados nos últimos 30 anos, e alguns até bem mais antigos além da atual falta de pudor em defender a volta da ditadura, tem uma ligação íntima com a impunidade dos crimes cometidos pelo Estado contra seus cidadãos durante da ditadura civil-militar (vou continuar usando esse termo porque, embora o poder fosse exercido pelas Forças Armadas, havia apoio e participação civil no núcleo central da ditadura 1964-1985). As pessoas sequer sabem o que de fato aconteceu durante a ditadura e, infelizmente, todo o trabalho da Comissão Nacional da Verdade, concluído há dois anos, foi solenemente ignorado. O atual governo, fruto de uma gambiarra na democracia, vem dia a dia desestruturando todo o trabalho e esforços em prol da justiça de transição. Não somos mais apenas o país mais atrasado nesse campo, somos empecilho para os outros países do cone sul, também vítimas de golpes militares, que abriram seus arquivos, reviram suas leis de anistia e estão punindo torturadores e assassinos.

Sim, há várias violações aos direitos constitucionais e democráticos que atentam contra a liberdade de expressão, manifestação e organização. Mas, pasmem!, elas foram aprovadas em lei dentro do trâmite do nosso regime “democrático”. A naturalização com que as polícias reprimem apenas as manifestações de trabalhadores e estudantes de esquerda e/ou contrários ao status quo é só o derrubar das máscaras. Com exceção de um breve período entre a abertura em 1985 e meados da década de 90, sempre convivemos com a repressão policial na rua. E mesmo nesse período de trégua, regionalmente a polícia sempre esteve aí para bater.

E é por isso que precisamos continuar lutando pela abertura dos arquivos secretos da ditadura militar, pela busca dos corpos e restos mortais dos desaparecidos políticos e pela revisão da Lei da Anistia para que se possa processar e punir criminalmente as violações de direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro entre 1964 e 1979) e pela manutenção de direitos conquistados a tão duras penas e perdas.

Talvez o 13 de dezembro de 1968 nunca tenha acabado. Talvez a tal abertura e a própria constituição de 1988 tenham sido apenas farsas encenadas dentro daquilo que denunciava Marx. Fato é que democracia não é ausência de conflito e muito menos ausência de repressão. E quem precisa de uma ditadura quando se tem uma democracia que a representa tão bem, né? Fato é que em sabendo que a história não se repete ela está aí para ser mudada e revolucionada, para quando pudermos e quisermos.

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*texto para a mobilização #desarquivandoBR


O dia em que ajudei Zimmermann a fugir do Brasil

Rogério Zimmermann (foto: Jonathan Silva / Grêmio Esportivo Brasil)

Rogério Zimmermann (foto: Jonathan Silva / Grêmio Esportivo Brasil)

Rogério Zimmermann é um estrangeiro que vivia em exílio político no Brasil, e trabalhava como treinador de futebol no meu Grêmio Esportivo Brasil aqui em Pelotas, sul do Rio Grande. País de origem dele? Não lembro. Mas lembro que éramos muito amigos, ele morava no Estádio Bento Freitas e eu tinha acesso liberado às dependências todas do estádio. Outras mulheres também tinham, não era um privilégio exclusivo meu.

Logo após a façanha de levar o Xavante à série A do Brasileirão _no terceiro acesso consecutivo dentre as divisões do campeonato, fato único e histórico e que o elevara ao posto de maior ídolo do clube em todos os tempos, mesmo sem ter marcado diretamente nenhum gol_, meu amigo Rogério me chamou para um papo meio clandestino, certificando-se de que não havia nenhum aparelho ou dispositivo eletrônico por perto que pudesse registrar a conversa. Rogério parecia meio persecutório, apesar da imensa auto-confiança que é sua marca registrada.

Nessa conversa me fez um pedido inusitado: ajudá-lo a fugir do Brasil _o Grêmio Esportivo_ e ir para seu país de origem rever sua família _por algum motivo nesse momento ele poderia voltar. Sou xavante doente desde os 18 anos, não é segredo para ninguém. Mas também não é segredo que sou capaz de passar por cima de paixões e ideologias em busca de justiça, principalmente para amigos. Sei bem pelo relato de amigos próximos o que é viver em exílio, despatriado… Não exitei. O plano de fuga do amigo Rogério foi executado rapidamente. No dia da confraternização da equipe, direção e torcida pelo acesso à série A no Bento Freitas partiríamos, logo depois da festa no centro do gramado.

Não sei dirigir, daí escolhi uma amiga boa no volante para nos ajudar na empreitada. Que amiga? Não lembro. Só lembro que era fotógrafa, e da apreensão na saída do carro em meio à torcida ali pela João Pessoa. Ninguém poderia perceber a presença do ídolo no carro, ou não sairíamos. Ufa, conseguimos! Partiu estrada. No meu plano tínhamos que evitar o aeroporto Salgado Filho onde Rogério poderia ser reconhecido por algum torcedor ou jornalista. Longas horas de estrada, parando em pequenos e discretos restaurantes até chegar em São Paulo. Já em Guarulhos, num hotelzinho razoavelmente próximo ao aeroporto, Rogério cochichou em meu ouvido o número da nossa reserva no voo. Tinha uma senha também. Mas pra que senha? Embarcaríamos os três, com um plano falso da gravação de um documentário no país de Zimmermann.

Lembro que o cochicho de Rogério com a informação me incomodou. Há quase dois dias não tomava banho e o incômodo de estar cheirando mal me impediu de decorar o número da reserva. Rogério já respirava aliviado, confiante que tudo daria certo. Parte da agonia resolvida: consegui tomar banho. Trocamos informações sobre o melhor jeito de arrumar a mala e guardar objetos que não poderiam quebrar, o que seria bagagem de mão, etc. Fechamos as malas, cada um tinha uma pequena e partimos para o aeroporto com uma razoável folga de horário. Ainda tínhamos uma última tarefa antes de embarcar.

Já no aeroporto, check-in feito e na sala de embarque aguardando o voo fomos cumprir a última etapa do plano: a gravação da despedida de Zimmermann para a torcida xavante. Gravei, editei no notebook sentada no chão mesmo e subi no youtube. Deixei o vídeo privado até a primeira conexão já fora do país para publicar e divulgar nas redes. Acordei no momento em que me assustava com o número de visualizações crescendo por segundo.

Ca-ra-ca! Nunca tinha tido um sonho tão maluco. De qualquer forma não custa pedir: NÃO NOS ABANDONE, AMIGO ROGÉRIO!

#FicaZimmermann


Escolhendo as saudades

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Queria dizer que sinto saudade de todos os amigos e amigas que não vejo há anos. Estaria mentindo. Quase sempre quando os vejo na rua, no pouco que saio de casa, ou em fotos desfilando nas redes sociais fico feliz e nas fotos curto discretamente, meio que para dizer “te vi, gostei de te ver, que bom que estás bem, bom saber de ti”. Mas fica por aí.

Dia desses uma amiga muito querida e que foi muito presente na minha vida até, sei lá, meus 26 ou 27 anos, publicou uma foto nova. Está linda chegando aos 40 anos e eu só consegui curtir com esse significado: “te vi”, “que bom te ver”. Poderia ter dito “saudades tuas”, como alguém escreveu pra mim essa semana e me fez sorrir, mas imediatamente me ocorreu: será que vai gostar de ler que sinto saudade dela? ou vai só pensar “ah, não… a Niara não!”?

Entenderam o drama? Quando a gente tem esse tipo de dúvida sobre amizade é porque já foi, não é mais. E é claro que sinto saudade, esse é praticamente meu segundo nome _embora o registro teime em avisar Luiza_, mas a saudade é outra. Tenho saudade de mim naquele tempo, com aquela pessoa naquele tempo. Agora somos praticamente estranhas. Teria que apresentar tudo de novo, conhecer e estar disposta a conhecer tudo de novo e a reconhecer o que sobrou daquela outra pessoa nessa… e, não, não estou disposta. Tem lembranças que trazem junto dores, o amargo de erros cometidos ou de acertos com pessoas erradas, erros com pessoas erradas…

Minha indisposição tem a ver com a decisão de não mais arrastar as correntes do rancor e dessas dores e amargos. Consegui me livrar delas. Mas esquecer… esquecer é outra coisa. Não sei esquecer. E daquilo que não sei fazer mas quero e me esforço para aprender está a seleção das saudades a sentir. Tem saudade boa, gostinho de quero mais, aquece o coração e faz sorrir. Fico só com essas, [porque não sou] obrigada.

Beijo para aqueles e aquelas que não são dúvidas na minha vida. ♥


O dia em que encontrei Janis Joplin

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Na primavera de 2012 eu morava no Rio de Janeiro e trabalhava em Niterói. Num dia de semana comum peguei a barca ali na Praça XV para ir trabalhar _era o meio mais rápido de chegar. Dia ventoso, sol entre nuvens e de temperatura agradável estava devagar, sem pressa, e podia deixar o povo mais apressado passar na minha frente no desembarque na Praça Arariboia.

Sempre ando observando o chão e o horizonte concomitantemente, e quando olho o chão observo também os pés e os sapatos das pessoas. Passa por mim uma mulher com “pés de colona” _unhas grandes e sujas, calcanhares rachados e sujos_ numa sandália de couro bem desgastada pelo uso. Vou subindo, observando a pessoa toda. Vestido riponga, casaco leve de batique. Cabelão bem grisalho, solto, limpo, nem liso e nem crespo e um pouco embaraçado. Oclão redondo lente rosa escuro. Viro o rosto pro outro lado com sua imagem gravada nos olhos. Mas aí, bateu. A imagem vista ali correspondia a uma imagem antiga da memória.

Pensei: essa mulher parece a Janis Joplin. Uau! Olhei de novo, observei um pouco mais e fiz uma conta rápida de cabeça para saber se a idade que aquela mulher aparentava ter correspondia com a idade que Janis teria se não tivesse morrido de overdose em 4 de outubro de 1970. Correspondia. Janis teria 69 anos completos e aquela mulher aparentava ter exatamente isso. Pensei de novo: é a Janis! A essas alturas eu já estava seguindo-a com o passo mais apressado, indo inclusive na direção contrária a que deveria seguir, com a mão já esticada no ar para lhe tocar.

Estávamos diante do Arariboia e olhei pra ele ali no alto questionando-lhe: “Poxa, como assim? A Janis aqui em Niterói e ninguém percebeu? Quantas vezes ela passou aqui diante da tua tanguinha, Ara? Em que direção ela vai, diz aí? Com que frequência vai ao Rio de Janeiro? Será que vai a Saquarema visitar Serguei? Será que eles continuam aquele romance nunca comprovado?”. Arariboia me fez um sinal discreto para que me calasse e deixasse Janis em paz, em sua vidinha pacata e anônima. Consenti. E a mão esticada no ar desistiu de tocar seu ombro no instante derradeiro.

Deixei-a assim. Janis Joplin continua tranquila lá em Niterói, e guardo com carinho na memória o dia em que a encontrei ali no desembarque das barcas, do outro lado da poça.

#JanisNãoMorreu #4out


Uma aposta para a Niara

Sobre sonhos e fracassos.

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Desde que me entendo por gente (aka faço planos e sonho com o futuro) queria ser jornalista. E mesmo com o ativismo político mais intenso na adolescência que me atrasou um pouquinho, mesmo lá perdida em meio às desilusões políticas e amorosas e efervescência típica da idade, essa era a única certeza: um dia eu seria jornalista.

Esse ser jornalista não cabia no concluir a faculdade ou receber o diploma nem mesmo obter o registro profissional (essa parte, ok, check), ele se espalhava em sonhos do exercício da profissão, em reportagens investigativas perigosas denunciando injustiças, em textos escritos em meio à pressão do relógio e as lágrimas face às dores descobertas. Referia-se fundamentalmente a fazer diferença no mundo, a encontrar as pessoas e com esse exercício profissional transformar suas vidas. Um fazer do trabalho vida, da profissão revolução, de mim mundo.

Óbvio que não consegui. Meu fracasso se assenta em outro, o de ser mãe. E esse segundo me veio por imposição desse mundo machista, não foi sonhado nem querido. Veio e pronto. Tenho tranquilidade hoje de reconhecer que meus fracassos não dependiam apenas de esforço, do querer, de levantar e pegar, fazer. Fiz o que foi possível. Dei o meu melhor. Como ainda estou longe da aposentadoria e nem dei a vida por encerrada, guardei um pouquinho do meu melhor e dos meus sonhos. Alguns são apenas farrapos de outros sonhos maiores, e logo saberei se serão contraditórios êxitos ou costumeiros fracassos (me aguardem).

Sempre achei que era preciso sonhar grande para que qualquer conquista na perspectiva do que foi sonhado fosse uma conquista considerável. Hoje sei que de alguns sonhos não sobram nada, nem a lembrança diante da dureza dos dias e da luta pela sobrevivência. Daí que estou sonhando menor, não para garantir conquista _não há garantias no viver, só riscos_ mas para ficar mais simples de realizar. Para, talvez, constranger um tiquinho o universo em me sacanear tanto e me dar alguma vitória, por menor que seja.

Foi pensando em sonhos e vida profissional e na rotina que cheguei a conclusão que seria bem mais feliz se pudesse mudar para uma casa ampla com vista pra uma lagoa, rio ou mar _alguma água_ e pudesse viver de cozinhar, plantar uma hortinha, um pomar, fazer trabalhos manuais e blogar sobre o dia a dia, as tristezas e alegrias, o mexer nas panelas, alguma artezinha, uma ervinha cultivada aqui, uma fotografia acolá e no meio de tudo escrever. Muito escrever.

Para garantir esse meu pequeno sonho só preciso ganhar na loteria. Alguém aí quer contribuir com um bilhete?

Ou apenas autocomiseração. 

 


Essa tortura tem que acabar

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Não admito, em hipótese alguma, a desumanização de quem quer que seja. Não faço isso porque sou boazinha, não sou, o faço por princípio pessoal e em respeito a um princípio da esquerda, do que significa ser esquerda. Já falei aqui sobre os estudos do historiador mais do que graduado e especializado na América Latina e em suas ditaduras Enrique Serra Padrós, que o expediente do desaparecimento político surgiu na ditadura de Franco contra os comunistas espanhóis. Desde lá, segundo Padrós, esse expediente vem se espalhando mundo afora. É uma marca cruel na História do Séc. XX e, pasmem, ele só é cometido contra os comunistas e outras ideologias contrahegemônicas.

Nossos algozes e inimigos não se contentam em nos perseguir, encarcerar, torturar e matar. Eles precisam também apagar nossa existência, porque é na memória que está a resistência. Nossas histórias e bravuras não estão nos livros tradicionais de história. É preciso escavar, pesquisar muito, como fez o jornalista Mário Magalhães por onze anos para concluir como quem monta um quebra-cabeças a história do revolucionário Carlos Marighella _espero que um trabalho parecido um dia seja feito sobre Luís Carlos Prestes. Não custa nada sonhar, né?_. A biografia do guerrilheiro Marighella é precisa, preciosa e deveria estar em todas as escolas do país. Não está e nem tenho esperanças que algum dia esteja.

Faz parte do modus operandi da direita nos apagar, nos relegar ao esquecimento. Embora não nos esqueçam, pelo visto, em momento algum. Dedicam suas vidas ao ódio que sentem por nós. Do nosso lado, além de nos defendermos de tanto ódio, precisamos combater sua política nefasta e predatória não apenas de gente mas também do planeta. Mais do que isso, precisamos AMAR. Nos amarmos e amar a todos os oprimidos, essa gente que _diferente de nós, comunistas_ não tem preparo nenhum ou armas para se defender de tanto ódio.

Durante a ditadura que iniciava há 52 anos no Brasil, inúmeros “inocentes” (inocente não é a palavra correta, porque ser comunista não é ser culpado de nenhum crime, é bom frisar) foram torturados porque denunciados como comunistas, ou porque ousaram pensar, discordar, não cumprir ordens e regras absurdas. Muitas dessas pessoas compõe o que a Renata Lins chama de ‘as pequenas histórias dentro da grande história’, porque assim é a história dela e de sua família nos tempos obscuros e perversos da ditadura. Como a história dela tiveram milhares de outras. Pessoas que tiveram suas vidas desviadas, quando não perdidas, de seu curso pela truculência e ódio dessa direita que na piração de combater a “ditadura comunista que matará, cerceará liberdades e retirará direitos” instalam as suas ditaduras que matam, cerceiam liberdades e retiram direitos. Porque, né? Contra comunista pode.

No episódio criminoso de Bolsonaro ontem dedicando seu voto a um torturador _ao qual se refere como “herói” por ter matado e torturado comunistas_, porque ele seria “o terror de Dilma”, o nada nobre deputado federal reincidiu num crime, o da tortura revivida, continuada para as vítimas de Ustra. Esse biltre já foi protagonista de inúmeras defesas da tortura, extermínio de desaparecimento de comunistas. Em 2005, durante depoimento de José Genoino na CPI do Mensalão, Bolsonaro levou como convidado para a sessão o coronel Lício Marciel, responsável pela prisão de Genoino na década de 70 no Araguaia. Sob protesto, o deputado e o coronel acabaram deixando o plenário. Ontem, com exceção de Jean Wyllys, nem protesto teve.

E são inúmeros e desacorçoantes os relatos de apoio  à Bolsonaro. Diante do argumento de que a ditadura torturou crianças há quem diga “se foram torturadas não eram tão inocentes assim”.

Pausa para a náusea, vômito, revolta… respira. Continua…

Não existe meia democracia. Ou temos democracia plena ou não temos. E democracia plena, para ser digna do nome, é para todo mundo, inclusive para os comunistas, os não comunistas, os anarquistas, os black blocs, os índios, os pretos, as mulheres, lgbts… todo mundo! Não é possível numa democracia que um deputado legitimamente eleito defenda a violação de direitos humanos e crimes contra a vida e a dignidade humana em pleno parlamento e fique por isso mesmo. Pior: que a imprensa ainda o entreviste no dia seguinte e trate o ocorrido como “matéria”. PIOR: condene o deputado Jean Wyllys que cuspiu em Bolsonaro num claro descontrole diante de tanto escárnio e ofensa. A imprensa é cúmplice da ditadura. Foi logo após o golpe em 64, durante a ditadura e é agora. PIOR? SIM. Embora não pareça, há um código de ética profissional dos jornalistas que deveria impedir que a defesa de Ustra feita por Bolsonaro virasse “matéria”.

Não imagino o que seja conviver com essa criatura. Eu, se tivesse que dividir o mesmo espaço com Bolsonaro vomitaria nele toda vez que o encontrasse, não por rebeldia mas por falta de um estômago mais forte mesmo. Sei que Jean, assim como eu, não admite a desumanização de ninguém, nem mesmo de Bolsonaro, e deve ter se arrependido do que fez (não que seja obrigado a se arrepender, viu?). Mas, convenhamos, cuspir em alguém é nada diante do crime cometido por Bolsonaro ontem. Crime repetido, digo de novo.

Ao tentar continuar a tortura de Dilma _e não é porque ela se aliou aos seus algozes em algum momento que mereça ser torturada, porque NINGUÉM MERECE SER TORTURADO_, Bolsonaro o fez também para centenas de outras vítimas do torturador Ustra. Bete Mendes, Amelinha Teles e tantas outras que sentiram na pele a mão do covarde Ustra. Não à toa todas mulheres. Não à toa os casos mais denunciados sejam os dessas mulheres. Embora doa na carne e na alma, elas se reinventaram, seguiram com suas vidas e luta, não ficaram presas na tortura daquele desgraçado que Bolsonaro fez questão de lembrar ontem. Dentre elas, centenas de outras mulheres, anônimas, ‘as pequenas histórias dentro da grande história’ que foi resistir à ditadura no Brasil.

Uma delas, mãe de uma amiga querida, ao ouvir a declaração de Bolsonaro chorou, fechou o computador por onde assistia à sessão de ontem da Câmara dos Deputados e foi ler, recolhida em sua dor. E confesso que de todo o horror e náusea que sinto desde ontem, foi essa história que me arrebentou. Estou descompensada desde então. 😥

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É preciso dar um basta nessa situação. E teremos nós mesmos fazer cessar essa dor para essas pessoas. Já não fomos capazes de fazer suas histórias, grandes ou pequenas, virem à tona; nem fazer abrir dos arquivos secretos da ditadura; nem rever a Lei da Anistia que permitiria a punição dos torturadores e nem tornar crime apologia à ditadura. Já basta o torturador Brilhante Ustra ter morrido impune por seus crimes. Não pode, NÃO PODE ser homenageado como se herói fosse. NÃO É. Ustra é um criminoso covarde e assim a História o deveria registrar.

Minha proposta, e acredito que dela meus camaradas de luta do #desarquivandoBR compartilharão, é que encaminhemos à OAB, ao STF, à OEA, ao Papa, ao raio que nos parta, propostas de responsabilização de Bolsonaro por seus crimes. Ele não pode continuar a tortura desse jeito, em cadeia nacional de televisão como se nada fosse. Porque, né… se não formos capazes de deter Bolsonaro jamais teremos força ou moral para fazer parar a tortura, assassinato e desaparecimento nas cadeias democráticas do Brasil.

Disse a Míriam Leitão hoje em sua coluna no Jornal O Globo, e eu concordo:

“A democracia tem mesmo que conviver com quem a ameaça, como o deputado Jair Bolsonaro? O que ele defende e proclama fere cláusulas pétreas. Um dos seus ideais ameaça o pilar básico da Constituição, que é a democracia. Ele usa a democracia para conspirar contra ela abertamente e sob a cobertura de um mandato. Ele exaltou em seu voto a tortura, que é um crime hediondo, e fez, inclusive, o elogio à figura do mais emblemático dos torturadores do regime militar, Carlos Alberto Brilhante Ulstra.

Há quem considere que a democracia é um regime tão tolerante que convive até com quem queira acabar com ela. Será? A democracia brasileira precisa ser defendida pelos pares do deputado Jair Bolsonaro. O voto dele é apologia de dois crimes, fere duplamente a Constituição. Por que não sofre um processo de cassação pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados? O Supremo Tribunal Federal, em cujo foro ele está, deveria ser consultado sobre como agir nestes casos em que um político com prerrogativa de foro usa a sua imunidade para ameaçar explicitamente o país com a defesa do fim da democracia e fazer a apologia de um crime hediondo.”

Comentem aqui, me ajudem a sistematizar essa proposta. Essa tortura tem que acabar. Proponham também como responsabilizar repórteres e veículos segundo o código de ética profissional nesse caso.

Desculpem-me se o texto ficou confuso e longo, mas é difícil escrever engasgada e com os olhos marejados. A dor do outro dói em mim mais forte. Foi assim que me forjei esquerda, foi assim que me soube comunista.

 


A esquerda e a criminalização da luta

“Ferdinand Lassalle em seu drama Franz von Sickingen
faz um de seus personagens dizer:

Não indiques apenas o fim,
mas mostra também o caminho
porque o fim e o caminho
tão unidos estão
que um muda com o outro
e com ele se move
– e cada novo caminho
revela um novo fim.
(trecho de A moral deles e a nossa – Trotsky, Leon)

Liberdade Guiando o Povo_Eugene Delacroix

Liberdade guiando o povo…, de Eugene Delacroix

Não nascemos ontem. Nos dois sentidos de não nascer ontem. Estamos, a esquerda, há muito tempo na luta e não pagamos de otário. Sabemos o que nos espera. O inimigo contra o qual lutamos é o mais vil e perverso e usa todas as armas, incluindo preferencialmente as desonestas. O inimigo da esquerda é desleal. E o que nos diferencia dele não é e não pode ser apenas o objetivo final e nem o discurso, sob pena de nos desconstituirmos e sermos aniquilados ainda durante a luta. Sim, nosso objetivo é nobre, o mais nobre de todos, mas não é suficiente. O que nos diferencia do inimigo é a nossa moral, são os meios pelos quais chegaremos ao nosso nobre objetivo, são as armas que usamos no dia a dia da luta.

É quando esquecemos da moral que nos diferencia do nosso inimigo que passamos a colaborar com a direita, e não quando exercitamos o pensamento crítico, o caminho mais certo na trilha até o nosso nobre objetivo. Sim, o caminho da crítica e autocrítica é penoso e pedregoso para a esquerda, mas não há outro, porque o inimigo age dentro de nós, ele conta com nossos sentimentos individualistas e egoístas, com o processo de reificação (quando achamos que superamos a opressão por sermos conscientes de nossa classe e condição) e, principalmente, com nossas divisões internas.

Há momentos mais complicados da conjuntura. Estamos em um deles. É quando precisamos lutar contra as opressões todas reforçadas pelo fascismo. O fascismo se alimenta da histeria coletiva, e já sobram listas de “comunistas” a serem combatidos (acho que a palavra que gostariam de usar seria “eliminados”) e não tarda o momento de livros proibidos e queimados em escolas e praças. É preciso atenção e vigilância constante, principalmente entre nós. Momentos críticos são também períodos de depuração, onde os titubeantes se tornam agentes de manobra do fascismo, vacilantes se tornam inquisidores e denunciantes, e ingênuos se transformam em gasolina nessa fogueira. Mais do que isso: Sempre haverá o dedo apontado para alguns esquerdistas dizendo que não é o momento de criticar, que é preciso união ou estaremos colaborando com o inimigo.

A questão é que calar a crítica, o pensamento crítico, é a onda fascista nos atingindo e influenciando. O pensamento crítico é o sangue da esquerda. Sem ele não existimos, não somos capazes de ler a conjuntura e nos posicionarmos nela do lado correto. É quando calamos a crítica, o pensamento dissonante, que colaboramos com o inimigo e nos perdemos no caminho. É onde estamos agora, perdidos. Mais do que união é preciso que todas as vozes dissonantes se ergam contra o inimigo comum, que pode estar inclusive entre nós. Será apenas com todas as vozes críticas ativas falando juntas que teremos o caminho apontado para trilharmos.

É o caminho que nos define.

É preciso se levantar contra toda e qualquer arbitrariedade. Não, não é de hoje que lutadores são vítimas do Estado (pretos e pobres principalmente), mas é quando as arbitrariedades chegam aos formadores de opinião, à elite intelectual (odeio essa expressão, vou usá-la apenas como identificação) e lideranças de movimentos sociais que percebemos o quanto estamos todos em risco. Muitos de nós alertamos a partir de 2013 que o fascismo iria crescer, que a repressão e perseguição não se resumiria aos anarquistas, autonomistas e black blocs. A esquerda partidária se perdeu quando 1) não se solidarizou com os 23 presos do Rio, com os meninos que confessaram (provavelmente forçados) o atentado que vitimou o cinegrafista Santiago Andrade da TV Bandeirantes na peça jurídica mais absurda que já tinha visto até então, com a Sininho transformada em inimiga número um do Estado (por favor, né?), com o Rafael Braga Vieira condenado e preso por porte de desinfetante e ainda 2) ergueu a voz para condenar a Tática Black Bloc, a mesma que estava evitando que professores, estudantes e sindicalistas apanhassem da PM nas ruas em protestos legítimos reprimidos como se estivéssemos numa ditadura. Perdemos o bonde da história, esquecemos de que lado e contra quem lutamos.

Agora, veja só, estamos de novo nas ruas lutando pela porra do Estado, aquele mesmo que é instrumento do inimigo para nos oprimir, para que as regras válidas até aqui (mesmo que ignoradas contra nós) não sejam suspensas. Estamos aí defendendo os vacilões, titubeantes e ingênuos que ontem negaram sua defesa a outros lutadores da esquerda porque sabemos que é a moral que nos difere dos inimigos, e não os vacilos, titubeações e ingenuidades de alguns. Sabemos que pagamos com a vida quando da suspensão da legalidade e dos direitos civis. Esqueceremos os vacilos? OBVIAMENTE NÃO. Mas isso não nos impedirá de lutar por qualquer oprimido que esteja em risco diante do Estado e do inimigo.

Isso tudo para dizer que o discurso de esquerda, aquele que reivindica nosso nobre objetivo e nossa luta, sempre foi criminalizado. Não começou hoje. Ou alguém esqueceu a investida contra o MST no início dos anos 00? A questão é quando isso é motivo para levantarmos do sofá e irmos para a rua e quando não. Se a condenação de um negro inocente por porte de desinfetante ou a prisão e processo contra 23 autonomistas que estavam lutando, antes de nós, contra o fascismo não é motivo para ir à rua, fatalmente teremos que ir à rua por nós mesmos depois. Se der tempo, claro.

Entendeu o que nos diferencia e o que nos une? Bueno, se nem o Trotsky com o primoroso A moral deles e a nossa  conseguiu, não seria eu, né? Mas fica a tentativa. E o alerta do Brecht*.

 

p.s.: Mesmo que o PT consiga capitanear os vermelhos (ou anti verde-amarelos) que foram às ruas  em apoio ao governo e evitem o pessegamento de Dilma, isso não encerra a onda fascista. Muito pelo contrário. E serão os lutadores sociais, e não as lideranças, que pagarão esse pato, e que enfrentarão a fúria e histeria dos fascistas nas ruas _com o apoio do Estado, é bom lembrar.

p.s.2: Qualquer que seja o desfecho dessa conjuntura, serão os oprimidos que levarão a pior, disso não há dúvida.


A espera do sofá

Não tenho como negar que a vida está melhor do que nos tempos do Ridijanêro. De lá para cá as temperaturas são mais amenas _embora tenha tido picos de calor neste verão, como hoje_, meu salário dobrou _embora tenha dobrado também o trabalho_, a casa é mais ampla e aos poucos, entre as dívidas e a ginástica cotidiana com o orçamento temos conseguido muito aos poucos pequenas conquistas.

Uma dessas conquistas é o bendito sofá. Não temos ainda. A sala só não está completamente vazia porque tem uma mesinha com a tevê em cima, o tapete, uma poltrona _daqueles conjuntos modulados muito comuns nas salas das cohabs do país na década de 80 e 90_, um baú-pufe e uma cadeira. De vez em quando está lá também o secador de roupas.

Daí fico me dizendo “quando chegar o sofá” isso, “quando chegar o sofá” aquilo… Na verdade é uma bengala para coisas que não consigo resolver. E a chegada do sofá não resolverá também. Chuif. Fui abraçada de novo pela sombra sempre presente, na espreita, da depressão. Não sei explicar como chega, quando chega, quando começa o abraço. Só quando estou quase sem conseguir me mexer, envolta por ela e sendo consumida, é que percebo. E aí, tu não sabe se espera ela cansar, desistir ou começa a fazer uma força constante para lentamente começar a afastar seus braços de ti.

Confesso que estou sem forças. Nenhuminha. Nem os arroubos do TOC por limpeza me motivam. E cêis sabem o quanto faxina é terapêutico, né? Pois, é… Nem isso. E misturei força física com moral porque o cansaço é amplo, geral e irrestrito. Sinto uma vontade imensa de dormir, só dormir. Não choro, não me emociono diante de nada. Ok, tenho tido zero oportunidades para isso. Só consigo entrar nos meus pensamentos depois que todos dormem. E aí o relógio anuncia que logo o dia chegará para interromper o mergulho, e vem o calor… e mais um dia, depois outro e outro…

Sigo em suspenso, esperando… o sofá, já encomendado, poder deitar.

SOFÁ VERMELHO CHESTER

não, meu sofá não será vermelho. dei mole, né?


Parabéns? Prefiro cerveja

Passei a semana me esquivando das mensagens de parabéns, das rosas e do “feliz dia” referentes ao 8 de Março. Algumas acabei vendo porque embora a mulherada reclame muito do grotesco da coisa, compartilha, mostra, chama pra ver, faz estardalhaço. E o que deveria ficar apagado ganha luz, e as marcas de roupa, eletrodoméstico, móveis, cosméticos que deveriam cair no ostracismo e serem boicotadas acabam por ganhar vitrina e ainda lucram em cima das polêmicas que criamos (#DSCLPmundo, queria muito a lavadora/secadora… #PareçoFeministaMasTôPedindoMáquinaDeLavarDePresenteNo8DeMarço). Não estou dizendo que está errado criticar ou divulgar — eu mesma já fiz muito –, apenas fazendo uma observação que me é possível pela atual indisposição em olhar sascôsa.

Meu #8deMarçoDaDepressão começou quase bem. Sopa de café com leite e bolacha maria Zezé. Diliça! Até aí tudo bem, mas a parte não muito legal é que pulei da cama mais cedo para pegar o supermercado aberto e fazer as compras da semana porque já tinha item faltando na geladeira e armário (falta inclusive o armário, mas vamos pular essa parte).

Partiu supermercado e no caminho nenhuma piadinha, parabéns, rosas, comentário que fizesse referência à data. Ufa! Cheguei no super, fui até o caixa 24 horas verificar o saldo e a primeira decepção. Que porra é essa de “parabéns, mulher guerreira” que não vem com um incentivo monetário à peleia diária? Tá de sacanagem né, ô sociedade patriarcal? [TNC 1]

nem  rosa, nem parabéns... 8 de março é dia de luta!

nem rosa, nem parabéns… 8 de março é dia de luta!

Saquei o dinheiro, peguei o carrinho e fui andando sem pressa pelos corredores, olhando as xícaras e pratos que pretendo comprar (quadrados, pretos — tem vermelho também — lindos e caréééésimos, mas eu quero comprar mesmo assim), peguei as formas para pão que estou precisando e fui para os corredores de comida. Fui colocando tudo no carrinho, e claro, cheguei na parte mágica do supermercado: cerveja — item de primeiríssima necessidade e que não entra na minha geladeira há quase um mês, quase desesperada. Como a grana da semana é curta e não veio o bônus de “feliz dia, guerreira” peguei só meia dúzia de latões de Polar, só para passar o dia bebericando, alegrinha.

Fiz as compras de forma tão lerda que veio o aviso de que o supermercado ia fechar. Acelerei um pouquinho para pegar o que faltava, pão, frios, linguiça defumada e azeite. Já tinha pego os não perecíveis, farinhas, café e os hortigranjeiros (fruti não tinha, ainda consequência do desabastecimento provocado pela paralisação dos caminhoneiros, que no sul foi dicumforça). Sem fruta nenhuma ou qualquer bobagem para a casa e nenhum mimo pra mim fui para o caixa.

Assim que saquei o celular da sacola para me distrair enquanto esperava na fila, acabou a bateria. Péssimo prenúncio. Três pessoas na minha frente, cada uma delas com acompanhante e carrinho extra. Como sou impaciente, precisava de distração. Fiquei então reparando nas compras alheias, não tinha mais nada para fazer mesmo. Casal com filhos pequenos compram muito iogurte, suco de pacotinho, bolacha e nenhuma cerveja. Casal de meia idade (tipo dez anos a mais que eu, porque ainda não caiu a ficha que já entrei no segundo tempo do jogo e meia idade é para os outros, não pra mim) compra muito embutido, carne e cerveja. Yey! Chegaremos lá em breve, Gilson. Sim, #aLoka na fila do super.

#NãoTáTendoCerveja  :'(

#NãoTáTendoCerveja 😥

Chegou minha vez, fui colocando as compras na esteira (que não estava funcionando), e caí na bobagem de deixar a cerveja pro final. Já sacaram o drama, né? Pois, é. Chorem comigo, porque eu chorei mesmo quando as compras chegaram no limite da grana e tive que deixar as formas de pão [TNC2], o SBP spray [TNC 3] e a cerveja [TNC 4]. Resultado: passarei o glorioso 8 de março fazendo faxina, sendo devorada pelos mosquitos e à seco.  #TNC³

Parabéns ou rosas  pelo “meu dia”? Manda em cerveja, por favor. Polar, viu? 

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p.s.: esse não é um texto de conscientização ou feminismo, é só um desabafo mesmo.

p.s.2: abaixo tem uma lista de textos bacanas que valem a lida.

Conquistas na luta e no luto (sobre a história do 8 de março), da Maíra Kubík Mano
8 de Março – Sobre a reconciliação entre mulheres e flores, da Renata Corrêa
As guerreiras cansadas do 8 de março, da Adriana Torres

e o sempre necessário…
Dispenso esta rosa!, da Marjorie Rodrigues

e para quem tem facebook, visitem e curtam a comunidade 8 de março da depressão.