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É o caminho que nos define

O caminho por si só não existe. Viver é fazer o caminho, é o nosso andar que o faz e nos define.

principio

O depoimento de Miriam Leitão — jornalista liberal e considerada de direita por muitos — a Luiz Cláudio Cunha no Observatório da Imprensa detalhando os horrores sofridos por ela durante os três meses em que ficou presa entre 1972 e 1973, revelou bem mais do que a nossa vista ou interpretação de texto e entrelinhas é capaz de alcançar.

Miriam nunca escondeu ter sido torturada, apenas evitava focar na questão pessoal sempre que defendeu nosso direito à memória, à verdade e à justiça. Poucos foram os textos em que assumiu o lugar de vítima da arbitrariedade que já ocupou. Diz ela que não gosta desse lugar, e tem esse direito.

Numa entrevista a Jô Soares que assisti há alguns anos atrás, lembro dela ressaltando que foi presa porque ousou pensar e manifestar seu pensamento, discordante do imposto pela ditadura. Miriam, que hoje é liberal, foi militante do já clandestino PCdoB no início dos anos 70 quando era estudante, usava o codinome “Amélia”, o que poderia até ser piada não fosse o quão trágico é isso tudo.

Atenção nisso. A ditadura militar prendeu, torturou, matou e desapareceu não apenas com esquerdistas ou “terroristas” da luta armada, mas também com liberais, com pessoas que convergiam com o sistema econômico defendido pela ditadura. É esse o caso de Rubens Paiva. Não era preciso ser comunista. Aliás, a “ameaça comunista” sempre foi apenas uma desculpa para instalar o terror, sabemos. Só imbecis acreditam nisso e/ou repetem essa bobagem. Bastava uma pequenina discordância, que no caso dos liberais era óbvia, era a falta de democracia. Eles e nós sabemos que o capitalismo não precisa se impor à força e sob o terror.

A decisão de Miriam Leitão de relatar os detalhes da tortura que sofreu, grávida, comoveu muitos e reforçou a necessidade de passarmos a limpo os fatos tenebrosos desse passado não muito distante, e tornou mais forte nossa necessidade por justiça. Porém fez emergir também a boçalidade feroz que pretende deixar tudo como está. Afinal, quem hoje morre na tortura ou é executado sumariamente pelo aparelho repressivo do Estado não são pseudos roqueiros sem causa ou colunistas reacionários da classe média supostamente politizados. Quem luta hoje por memória, verdade e justiça e, consequentemente, pela democracia, são os mesmos de antes, os sobreviventes ao terror e à cooptação do sistema.

Infelizmente a boçalidade feroz emergida nos últimos dias que debocha, duvida e tripudia do terror sofrido por Miriam, transpassa fronteiras ideológicas e cores partidárias. Os boçais se unem no método, nos meios defendidos. Nessa lama, junto com constantinos, rogers, reinaldos e outros uivantes — que não surpreendem — estão os que usam o passado guerrilheiro de Dilma, Zé Dirceu e Genoino apenas de forma oportunista e eleitoreira, sem o menor respeito, compaixão ou desejo de justiça.

O que nos define é a nossa trajetória, o andar pelo caminho, e não o ponto de chegada. A história já nos mostrou que esquerdistas podem ser tão canalhas, cruéis, desumanos e boçais quanto reacionários de direita. Não há seletividade admissível quando o assunto é direitos humanos. Discordo e muito em zilhões de coisas de Miriam Leitão, mas não uso isso e nem minha ideologia como desculpa para desrespeitá-la ou ser cruel. Não negocio com princípios, e prefiro perder uma batalha do que a dignidade.

“O processo, que envolvia 28 pessoas, a maioria garotos da nossa idade, nos acusava de tentativa de organizar o PCdoB no estado, de aliciamento de estudantes, de panfletagem e pichações. Ao fim, eu e a maioria fomos absolvidos. O Marcelo foi condenado a um ano de cadeia. Nunca pedi indenização, nem Marcelo. Gostaria de ouvir um pedido de desculpas, porque isso me daria confiança de que meus netos não viverão o que eu vivi. É preciso reconhecer o erro para não repeti-lo. As Forças Armadas nunca reconheceram o que fizeram.
(…)
O que eu sei é que mantive a promessa que me fiz, naquela noite em que vi minha sombra projetada na parede, antes do fuzilamento simulado. Eu sabia que era muito nova para morrer. Sei que outros presos viveram coisas piores e nem acho minha história importante. Mas foi o meu inferno. Tive sorte comparado a tantos outros. 
Sobrevivi e meu filho Vladimir nasceu em agosto forte e saudável, sem qualquer sequela. Ele me deu duas netas, Manuela (3 anos) e Isabel (1). Do meu filho caçula, Matheus, ganhei outros dois netos, Mariana (8) e Daniel (4). Eles são o meu maior patrimônio.
Minha vingança foi sobreviver e vencer. Por meus filhos e netos, ainda aguardo um pedido de desculpas das Forças Armadas. Não cultivo nenhum ódio. Não sinto nada disso. Mas, esse gesto me daria segurança no futuro democrático do país.” — trecho final do depoimento de Miriam Leitão a Luiz Cláudio Cunha.

Se por algum instante você achou justo, merecido ou razoável questionar a postura política de Miriam Leitão hoje com relação ao que sofreu (como se fosse obrigatório ao ser torturado numa ditadura ser/permanecer esquerda), cuidado!, estás mais próximo dos torturadores do que dos torturados. Com a desculpa de evitar o “golpe comunista” deram eles o golpe, mas o alicerce da ditadura militar-empresarial era a incapacidade de conviver com o pensamento discordante. É essa incapacidade que nos inciviliza, nos desumaniza e nos transforma em boçais, e não a ideologia. Fica a dica.


Sobre a indiferença e o escárnio

Escrevo e falo sempre que posso sobre o meu estranhamento à “democracia” brasileira. Tanto que só consigo escrever a palavra me referindo ao Brasil assim, entre aspas. E o estranhamento está em perceber o quanto o Estado brasileiro permanece repressivo e tolhedor de direitos. Sei que é apenas para alguns, mas na ditadura militar e em outras antes também o era. Numa conversa com amigxs queridxs das minhas redes sociais (ou plataformas digitais), falávamos dos sinais que evidenciam que estamos cada dia mais distante da democracia porque os direitos e a liberdade de alguns foram suprimidos, e o quanto é difícil falar a respeito disso com quem se sente distante (talvez acima) e diferente desses. Essa conversa me fez lembrar do início de um poema do Brecht, Intertexto:

“Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário.
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei.
Agora estão me levando.
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.”

Antes dele, a mesma concepção, a indiferença diante da escalada do autoritarismo, estava no “E Não Sobrou Ninguém” de Vladimir Maiakovski, que originou o poema “No caminho, com Maiakovski” de Eduardo Alves da Costa. Alves da Costa, niteroiense, escreveu seu poema no final da década de 60, no período mais duro e sombrio da ditadura militar e por isso voltou como um ato de resistência na campanha “Diretas Já” em 84, quando um trecho (atribuído à Maiakovski) foi amplamente difundido em camisetas e panfletos:

“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”

Foi o poema de Maiakovski que também originou o sermão do pastor luterano Martin Niemöller na Alemanha nazista:

“Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse”

E depois desses surgiram várias versões e corruptelas.

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Daí que a conversa de ontem sobre a indiferença diante da escalada do autoritarismo, inspirou o amigo Paulo Candido a escrever uma versão atualizada do poema do Maiakovski e do Brecht tudo-junto-misturado, que é razão desse post e vai além da indiferença e trata também do escárnio que nasce de tanta indiferença. Confiram:

indiferença

Primeiro eles jogaram o Rafael no presídio e esquecerem ele lá.
Eu não me importei, 
porque que porra um morador de rua estava fazendo com desinfetante, eles não gostam de chafurdar na sujeira??

Depois eles mataram o Amarildo e sumiram com o corpo.
Eu estava pouco ligando, 
porque afinal, se você mora na favela devia saber que não é para mexer com a polícia.

Daí eles puseram o japonês e o cara de saia na cadeia com flagrante falso e provas forjadas.
Eu não estava nem aí,
porque, cara, homem de saia de saia é tudo viado 
e japonês baderneiro nem devia ter, né? Só no Brasil mesmo.

Aí eles prenderam ilegalmente a tal Sininho, um monte de professores, uns moleques adolescentes.
Eu nem quis saber,
Bando de black blocs, tem que arder no inferno.

Então eles acabaram com essa coisa de manifestação, cercaram os vagabundos e desceram porrada.
Eu aplaudi de pé,
Cansei dessa gente atrapalhando o trânsito e quebrando vitrine quando eu quero voltar para casa.

Outro dia disseram que eu não podia mais que votar.
Eu fiquei feliz da vida,
Já aluguei a casa na praia para o feriadão, mas nem sei se ainda é feriado, preciso ver isso aí.

De vez em quando eles pegam um vizinho ou um colega de trabalho e eles não voltam mais.
Eu acho massa, 
menos barulho no prédio e menos concorrência na firma.

Outro dia levaram meu filho mais velho, estava na rua depois das nove.
O idiota tinha sido avisado, e é uma a boca a menos para alimentar, 
vamos poder ir para a Europa no fim do ano.

Minha mulher disse que tem uns caras na porta perguntando por mim.
Troquei de roupa e disse para ela seguir a vida,
Afinal, alguma coisa eu devo ter feito e é tudo pelo bem do Brasil.

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#ReginaDuarteFeelings e sua influência nas nossas escolhas de um projeto político

ReginaDuarte_MedoQuem não lembra do discurso “eu tenho medo” da Regina Duarte na campanha de 2002 para presidente? Isso ficou mais marcado do que o ano em que foi feito o discurso. O vídeo (linkado) diz que foi em 2006, só que em 2006 o candidato do PSDB era Alckmin. Mas o ponto não é esse, e sim a sua influência no modos operandi do fazer política de lá para cá.

A entrada das redes sociais na campanha política trouxe junto a lógica da política do medo, ou o que chamo de #ReginaDuarteFeelings. O argumento nunca é favorável, mas o inverso dele que te faz ficar favorável. É o velho e ruim “voto (in)útil” chamado agora de ‘mal menor’, do candidato ‘menos pior’. Acostumamos-nos a ele de tal forma que nem ousamos mais pensar no melhor, num projeto para chamar de nosso, para defender.

PSOL e PSTU e demais esquerdistas são classificados pelos governistas como “a esquerda que a direita gosta“, e de colaborar diretamente para o “avanço” dos tucanos sobre o eleitorado. Oi? Que avanço dos tucanos? Primeiro é preciso esclarecer que não criticar o governo não o salva de se atirar nos braços da direita e de ‘desenvolver’ sua política capitalista genocida e nem de se aproximar “ideologicamente” do PSDB. Segundo, não é assim que se estabelecem diferenças, mas com política real, no caso de governos com políticas públicas e econômica. E nesses quesitos, o governo do PT é campeão em mentiras, em fingir ser o que não é e em colocar no outro a culpa da política que faz.

Vamos colocar alguns pingos nos is, então. Tudo nesse governo é capitalista. Não há nenhuma política de esquerda em que possamos usar aquele atenuante “ah, o governo tem problemas, mas tirou 30 milhões de pessoas da miséria…“. Sério? Mesmo? Quando um governo gerencia um Estado privilegiando sempre os mais ricos, até mesmo na “política” de Direitos Humanos, ele produz miséria ao invés de combatê-la. Ao produzir miséria e miseráveis e usar o braço armado desse Estado contra qualquer oprimido que tente se rebelar/protestar, ter uma única política que tira pessoas da miséria e depois as joga na selva do capitalismo (onde só se prospera pelos “próprios méritos”, como se não houvesse aí exploração do trabalho de outrem/ns), não é tirar pessoas da miséria, mas uma política social-democrata de redução de danos que no final das contas atrela essas pessoas ao voto de gratidão nesse governo. Isso é a velha política clientelista dos coronéis de outrora maquiada de “política social de distribuição de renda”. Tanto assim que os índices de desigualdade social permanecem os mesmos. Enquanto pessoas saem da miséria com esmola do governo os ricos ficam mais ricos — com exceção do Eike, coitado… 😛 –. Tirou pessoas da miséria? Sim, mas mantém a política que produz a miséria e os miseráveis.

O fato é que transformar miseráveis em consumidores não os transforma automaticamente em cidadãos. Educação e participação política é que transformam miseráveis em cidadãos. Democracia não é apertar um botão a cada dois anos passando um cheque em branco para este governo que clienteliza a população mais pobre. Não se preocupar com os resultados de sua política como crianças vivendo no lixo; prostituição de crianças na esteira do “desenvolvimento” da construção de hidrelétricas para produzir energia suja; remoção de pobres e pretos para a maquiagem das grandes cidades para os grandes eventos; preocupação zero com os danos ambientais de todas as obras e desarticulação dos órgãos fiscalizadores desses danos ambientais; prática de tortura, assassinato e desaparecimento nas delegacias e unidades policiais de norte a sul do país e apoio incondicional ao aparato policial em detrimento do cidadão; coloca o PT e seus governos no rol dos iguais. E nem vou citar mais casos de violações de direitos humanos, como índios assassinados, secretário de governo do PT armado contra sem terra, apoio do governo à milícias do agronegócio, etc., sob pena de ficar linkando até semana que vem. Não são os esquerdistas que colocam o PT no rol dos iguais apenas o dizendo (e nem a palavra da esquerda é tão poderosa assim), é o próprio PT com sua política que se coloca nesse lugar. Observar e evidenciar isso não é mérito nenhum além de não ser cego.

Dizer que quem enxerga e evidencia a real politik do PT — e não a política que o PT diz fazer — é colaborador da direita ou eleitor indireto de Aécio ou Marina é nada mais nada menos que repetir o discurso do medo de Regina Duarte. E, PASMEM, TEM FUNCIONADO! Várixs governistas que estavam finalmente percebendo que não criticar publicamente o governo só o empurra cada vez mais para a direita, estão voltando à política governista de terrorismo nas redes sociais. “Ou tu vota no PT e apóia Dilma ou estará apoiando Aécio ou Marina”, assim, fatalmente. Oi? Não existe voto nulo e não-validação desse sistema eleitoral, dessa falsa democracia?

Para quem cria, estimula ou se deixa enredar nesse terrorismo, deixem-me apenas dizer duas coisas. UMA: o TSE não computa apoio crítico, e nem o PT. Já os votos nulos e a abstenção eleitoral aparecem na contabilidade final das eleições e querem dizer uma única coisa: INSATISFAÇÃO. DUAS: Dizer que não adianta abraçar um projeto político que não tem chances eleitorais é o que dizia o MDB/PMDB lá no início do PT. O PT não nasceu na Presidência da República, mas como um partido pequeno, pentelho, que só tinha gente desconhecida como candidato (muitos ex-presos políticos e barbudos desgrenhados, o que não ajudavam em nada na “imagem vendável” de um partido sério) e foi construindo tijolinho por tijolinho, por acreditar que o seu projeto era o bom, era o justo, era o melhor é que o fez chegar onde chegou (apesar de muitos atribuírem apenas a figura de Lula). Ninguém fez mais campanha contra o voto (in)útil que o PT. Voltar a isso é apostar na despolitização e desconscientização do voto. Cuidado! Esse é um caminho sem volta, não para a política eleitoral nacional, mas para os (até aqui) agentes políticos transformadores da sociedade que fazem uso desse expediente.

Para os governistas envergonhados que ficam aí dizendo “tenho críticas ao governo, mas não há nada melhor do que isso“, assumam o ônus de defender e votar nesse projeto do PT e o defendam pelo seu melhor, se encontrarem. Chega de #ReginaDuarteFeelings na política! Até porque a própria Dilma jogou por terra todo o terrorismo feito pelo PT na campanha de 2010 ao fazer tudo que ‘disseram que Serra faria’ nos primeiros seis meses de governo e fechando com chave de ouro agora, com a privatização de campos de petróleo. Voltemos urgentemente a lutar pelo melhor, pelo justo, pelo bom. Democracia é antes de tudo um exercício de respeito às escolhas dx outrx. Disputemos antes sua consciência com o nosso melhor, com a melhor proposta — inclusive a do voto nulo, se acreditarmos nele como força de mudança –, mas depois da escolha feita, respeitemos sua escolha e inteligência.

medo eu tenho desse cabelo...

medo eu tenho desse cabelo…

p.s.: Não se perguntem porque não falo diretamente com tucanos e afins. Não me relaciono com eles de forma alguma, não tenho nada a dizer a eles e o que tinha para saber deles já sei. Não sou eu que me aproximo deles com a política que faço, mas o PT.

Já tinha escrito antes sobre a defesa cega do governo e retrocessos suportados…

Texto do Gilson, de hoje, sobre o mesmo tema.

E para quem ainda isenta Lula da política de Dilma no governo, sinto muito (mentira, sinto nada) em decepcionar.


Contribua para a manutenção do Jornalismo B impresso

Abrindo espaço aqui para pedir apoio a um projeto muito bacana do jornalista Alexandre Haubrich, o Jornalismo B onde já publiquei alguns textos (blog e impresso) e que é um espaço aberto ao diálogo na luta pela construção de uma comunicação crítica e democrática.

O blog Jornalismo B nasceu em outubro de 2007. Desde lá, com posts diários, busca desconstruir o discurso anti-democrático da mídia dominante, com análises equilibradas e a defesa intransigente da democratização da comunicação.

Em maio de 2010 nasceu o Jornalismo B Impresso, como uma extensão desse projeto, reconstruindo o discurso a partir de uma visão plural, popular e democrática.

Mas, se a democratização da mídia é uma necessidade para democratizar a sociedade, por outro lado ainda é muito difícil encontrar formas de financiar a mídia independente. As formas encontradas para manter o jornal na rua, com 500 exemplares quinzenais de distribuição gratuita, estimulando a leitura e o pensamento crítico, são as mais diversas, e a cada etapa se renovam, buscando a cada ano o financiamento do momento seguinte, sendo a cada etapa um novo projeto.

Além da impressão dos jornais, a ideia do financiamento é possibilitar o pagamento ao diagramador, que até hoje apoia gratuitamente com seu trabalho, e a contratação de um estagiário que faça a ponte entre o Jornalismo B (por extensão, a mídia alternativa) e os movimentos sociais, em um diálogo fundamental para fortalecer ambos os lados e construir uma sociedade mais democrática.

A campanha de arrecadação está no final e longe de conseguir alcançar seu objetivo. O projeto só será financiado se atingir a meta que são R$ 13.500,00. Então, se achares assim como eu que a manutenção Jornalismo B impresso é importante, contribua com o que puderes, JÁ! CLIQUE AQUI PARA CONTRIBUIR.


Quarta blogagem coletiva #desarquivandoBR e #CumpraSE

O Brasil só foi julgado e condenado na Corte Interamericana porque o processo civil iniciado na justiça brasileira em 1982 por 22 famílias de presos políticos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia — que queriam apenas saber o paradeiro de seus filhos e, caso estivessem mortos, onde estavam seus restos mortais e explicações do Estado brasileiro sobre como morreram — foi julgado e o Estado não cumpre o que sentenciou a justiça.

Em 2003 a Justiça brasileira expediu uma sentença final na qual condenava o Estado a abrir os arquivos das Forças Armadas para informar, em 120 dias, o local do sepultamento desses militantes. Porém o governo do Presidente Lula recorreu, visando não cumprir a lei, apresentando todos os recursos possíveis. Em 2007 esgotaram-se os recursos legais, houve a condenação e desde então o Estado brasileiro está fora da lei.

Por causa da demora que hoje já chega a 29 anos, desde 1995, os familiares dos militantes desaparecidos recorreram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que considerou o Brasil responsável pelas violações perpetradas contra os membros da Guerrilha do Araguaia e, encaminhou o caso para a Corte Interamericana. A Corte condenou o Brasil , em 24 de novembro do ano passado, pelos desaparecimentos forçados dos membros da Guerrilha do Araguaia e pela falta de investigação e responsabilização dos ‘envolvidos. (clique aqui para acessar a sentença completa)

Precisamos pressionar o Estado brasileiro a cumprir a sentença da Corte Interamericana da OEA, que determina ao Brasil investigar, achar os restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia e entregá-los às suas famílias e punir os responsáveis pelos crimes e violações de direitos humanos ocorridos. Por isso o tema/sugestão dessa quarta blogagem coletiva #desarquivandoBR foi a revisão da Lei da Anistia, porque é a única forma de responsabilizar e punir os militares, torturadores e o Estado brasileiro.

Confira os posts participantes:

Só há memória subterrânea — Murilo Duarte Costa Corrêa

‎”A Corte interamericana de Direitos Humanos concluiu que as disposições da Lei de Anistia brasileira não podem obstar a investigação e a punição dos responsáveis por graves violações de direitos humanos, especialmente em se tratando de lei de autoanistia, preceito incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos segundo a jurisprudência da Corte Internacional. Reconheceu, ademais, o caráter permanente do desaparecimento forçado, a imprescritibilidade dos crimes e a violação do dever brasileiro de tipificar o desaparecimento forçado de pessoas. Ainda, consubstanciou-se a violação ao direito à verdade e da integridade pessoal (especialmente psicológica) dos familiares das vítimas.”

Desarquivando o Brasil XXIII: Wilson Silva, Ana Rosa Kucinski e o negacionismo — Pádua Fernandes

‎”Lembro que o governo brasileiro negou à OEA, durante o governo de Geisel, que tivesse alguma responsabilidade no desaparecimento do casal. Os ingênuos não pensem que é somente desde Dilma Rousseff e Belo Monte que o governo brasileiro viola e mente para o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. O atual governo federal apenas dá continuidade a essa tradição…”

Direito à Memória e Verdade, Anistia não é apagar o passado — Dênis de Moraes

‎”É uma vergonha para nós, brasileiros, verificar que o Brasil está de fora daquela admirável galeria de lutas da sociedade civil e de providências objetivas do poder público em favor dos direitos humanos e em repúdio à barbárie. Inaceitável que nosso país continue sem investigar os crimes da ditadura militar e sem responsabilizar judicialmente os responsáveis e cúmplices por prisões ilegais, perseguições odientas, torturas e assassinatos.”

A quem interessa a anistia? — Gilson Moura Henrique Junior

“… a anistia é um ganho imenso às “forças ocultas” que escondiam seus rostos nas fotos de julgamentos de presos políticos durante o período negro da ditadura civil-militar. A anistia mantém ocultos os rostos de quem torturou, omitiu, assassinou e oprimiu não só militantes de esquerda, mas pessoas comuns que por algum motivo caíam nas garras de um estado de exceção.”

Sob a Terra do Sol, a Terra dos/as esquecidos/as — Francisco Tiago Costa 

‎”Os governos do Ceará na Era Militar foram marcados por grandes perseguições políticas a deputados, com a prisão e tortura de estudantes e trabalhadores, tendo ocorrido inclusive atentados a bomba em Fortaleza; Existem vários/as desaparecidos/as políticos e mortos cearenses, dentre eles: Anthônio Teodoro (ex-diretor da Casa do Estudante da UFC); Saraiva Neto; Jana Moroni; David Capistrano; José Armando Rodrigues; e tantos/as outros/as que se somam aos 380 mortos e desaparecidos no Brasil… Vários cearenses de esquerda participaram e foram assassinados durante a Guerrilha do Araguaia, da cerca de 80 pessoas que participaram da guerrilha, menos de 20 sobreviveram!!!”

A memória imobilizada — Fabiano Camilo

“O Estado brasileiro comete um duplo atendado à memória. Primeiro, institui, pela força da lei, o esquecimento. Posteriormente, permite o conhecimento, limitado – mas limitado não porque toda memória e toda narrativa histórica sejam lacunares, limitado por restrições estatais –, com o asseguramento da condição de que não possa ser utilizado a servição da justiça. Da memória mutilada à memória imobilizada.”

Vlado Herzog, Uma história para ser lembrada — Amanda Vieira

‎”Porque tortura não é uma questão ideólogica de esquerda ou direita, tortura é crime contra a humanidade e o Brasil está devendo esse acerto de contas com seu passado. O país que não reconhece a tortura que cometeu contra seus cidadãos deixa a porta aberta para que a tortura retorne sob as mais ridículas justificativas. (…) O que a vida quer da gente é coragem, coragem presidenta Dilma! Coragem para que esse triste capítulo de nossa história não se repita.”

Zero Hora contra a Legalidade — Alexandre Haubrich

‎”Caso Zero Hora resolvesse fazer uma cobertura séria, falaria da importância do simbolismo para a percepção de uma sociedade sobre si mesma, e sobre como o entendimento sobre a própria história ajuda a construir os caminhos à frente. Admitiria que é justamente nos símbolos – em suas mais diversas formas, incluindo aí a própria mídia e suas intencionalidades – que se baseiam as opiniões dos indivíduos, e é nessa dinâmica que a sociedade faz suas escolhas. O problema, para o Grupo RBS, é que a escolha democrática, a opção pela democracia real, necessariamente inclui a recuperação histórica e a construção de uma mídia plural, democrática e horizontal. A alienação interessa aos opressores, e apenas a eles.”

Quarta blogagem coletiva pela revisão da lei da #Anistia — Danieli Bispo Guadalupe

‎”É estranho que a presidente Dilma Rousseff negue ser pressionada pelos militares para que deixe quietas as questões da ditadura militar, não puna os torturadores e mantenha a tão sonhada abertura, propagandeada como um portão gigante, ainda como uma pequena fresta. (…) Vejo a não revisão da Lei da Anistia e o não cumprimento da sentença da Corte Interamericana dos Direitos Humanos como uma lacuna que não será preenchida. Nossa história será como um quebra cabeças que fora montado faltando peças.”

Crônicas de Maria Rita Kehl: a ditadura e o recalcado — Pádua Fernandes

“Em ‘O impensável’, temos uma espécie de atualidade do DOI-Codi (‘Onde o filho chora e a mãe não escuta’ – frase inexata para os casos em que pais e filhos foram torturados juntos, como aconteceu com a família Teles) nos assassinatos cometidos pelo Exército no Morro da Providência, em 2008, no Rio de Janeiro.
O que seria o impensável? A princípio, julguei que era o horror da tortura e da execução. Mas talvez Kehl esteja a dizer que impensável também seja aquilo que ela solicita, que a ‘Zona Sul’ das cidades brasileiras (lembremos, porém, que a Zona Sul do Rio de Janeiro tem muitas favelas) mostre-se contrária às execuções extrajudiciais de negros e pobres.”

Essa luta é minha! — Niara de Oliveira

“É urgente revermos a Lei da Anistia para permitir que os torturadores, pessoas e Estado, possam ser responsabilizados e punidos por seus crimes. A não ser que esteja tudo bem viver nessa atual pseudo democracia. Para mim não está tudo bem e por mais inglória que essa luta pareça não desistirei dela. Essa luta é minha e de todos os brasileiros que não se acomodam diante da injustiça. Somos poucos, é verdade, mas isso só faz aumentar o nosso comprometimento e força.”

Araguaia: sentença da OEA contra Brasil completa um ano sem ser cumprida — João Peres

“No dia seguinte ao conhecimento da sentença, o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, cuja atuação no cargo ficou marcada por ter operado como porta-voz de setores conservadores das Forças Armadas, externou sua visão de que a condenação não produzia efeitos jurídicos e que o ponto de vista válido a se considerar seria o do STF. Flávia Piovesan, professora de Direitos Humanos e Direito Constitucional da Pontífice Universidada Católica de São Paulo (PUC-SP), lembra que as convenções internacionais são firmadas de livre vontade pelas nações e que o Supremo tem o dever de zelar pela implementação dos tratados e da jurisprudência internacional. “Quando o Estado brasileiro ratifica um tratado de direitos humanos, não é só o Executivo que deve cumpri-lo de boa fé, mas o Judiciário, o Legislativo, o Estado como um todo”, pontua.”

Uma lista e uma música — Renata Lins

A Renata postou o link para a lista dos desaparecidos junto com a música Angélica do Chico Buarque.

“que fala da dor de uma mãe que não pode enterrar seu filho”.

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Leia também a nota oficial do CEJIL (Centro pela Justiça e o Direito Internacional):

Brasil segue sem realizar justiça e verdade

“Diante desse cenário de impunidade, a principal pergunta que se coloca é se as autoridades competentes tomarão as medidas necessárias para avançar na realização da justiça, atuando em conformidade com a devida diligência que os casos da dívida histórica do período autoritário pressupõem.
A falta de investigação e julgamento das graves violações de direitos humanos cometidas por agentes públicos e privados, em nome do regime da ditadura militar, comprova a resistência do Estado brasileiro em combater a impunidade, a qual tem reflexos na consolidação democrática do país na atualidade.”

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Assine e divulgue a petição online pelo cumprimento integral da sentença da Corte Interamericana da OEA no caso Araguaia.

Acompanhe a Campanha Cumpra-se!

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Essa luta é minha!

Os dias são surreais… A impressão mais nítida após mais uma blogagem coletiva pela abertura dos arquivos da ditadura, pela revisão da Lei da Anistia e pela punição dos torturadores — e essa quarta edição também, especialmente, pelo cumprimento integral da sentença condenatória do Brasil na Corte Interamericana da OEA no caso Gomes Lund (sobre a Guerrilha do Araguaia) –, é que não superamos a ditadura. Ficamos parados, presos no tempo, como que condenados eternamente a essa injusta correlação de forças.

Ainda são uma meia dúzia de incansáveis corajosos e desarmados lutando contra um exército armado até os dentes no escuro da noite. No meio, ou na mediação, a ampla maioria da população, omissa e covarde, sempre cortejando os poderosos e fingindo não ver a gritante injustiça da batalha. É como se essa meia dúzia nunca tivesse existido, é como se ao optar por combater a tirania assumissem o papel de invisíveis, de insanos ou fantasmas.

Quem se importa? Quem se comove com a dor dos familiares dos mortos e desaparecidos e seu luto inacabado?

O fato é que não se importando, se omitindo e se acovardando diante dos horrores que ocorreram durante a ditadura, contribuíram/contribuímos decisivamente na institucionalização da tortura e o desaparecimento como prática cotidiana pelo Estado brasileiro. Sim, o Estado, antes e agora, é o responsável pelas torturas, mortes e desaparecimentos ocorridos no país. Antes eram os esquerdistas (e não apenas eles, num dado momento virou histeria e quando não existiam mais os terríveis comunistas e líderes das organizações de esquerda, qualquer um que ousasse discordar do poder vigente era taxado de subversivo e se tornava alvo), hoje basta ser negro e pobre e gerar a desconfiança de algum policial. E qualquer semelhança com o passado não é mera coincidência.

Nunca fizemos de fato a transição da ditadura para a democracia, apenas mudamos os nomes das coisas. Tipo, tapamos o sol com uma peneira e fingimos que está tudo bem. Como bem disse o Pádua Fernandes, “creio que o retorno formal da ditadura não se dá porque ela não é necessária. Uma democracia em que possam ocorrer Belo Monte e os esquadrões de morte não precisa de um ditador que roube os direitos da cidadania. O risco de volta à ditadura somente será real se a democracia tornar-se efetiva…”

É urgente revermos a Lei da Anistia para permitir que os torturadores, pessoas e Estado, possam ser responsabilizados e punidos por seus crimes. A não ser que esteja tudo bem viver nessa atual pseudo democracia. Para mim não está tudo bem e por mais inglória que essa luta pareça não desistirei dela. Essa luta é minha e de todos os brasileiros que não se acomodam diante da injustiça. Somos poucos, é verdade, mas isso só faz aumentar o nosso comprometimento e força.

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Desobediência civil já!

Acho muito engraçado (no sentido de trágico) ver a classe média saindo às ruas para protestar contra a corrupção como se essa fosse um monstro a ser abatido e “esquecendo-se” que a corrupção está presente em cada um deles, em cada uma de suas atitudes, até mesmo no próprio ato contra a corrupção que identifica o ilícito no ato do outro e comodamente os exime de qualquer responsabilidade sobre a corrupção como epidemia. Pior ainda é quando coloca toda a política como corrupta, gerando ainda mais alienação e analfabetos políticos. Os empresários que reclamam dos políticos corruptos sob os holofotes são os mesmos que os corrompem nas sombras para seu benefício.

Mas quem elegeu o político corrupto alvo desses atos? Na hora do protesto, ninguém. Ele chegou ao parlamento e aos executivos por obra do espírito santo, de uma mágica oculta do demônio que não sabe o que é financiamento de campanha ou caixa dois. Quem suborna o guarda de trânsito para não pagar multa ou perder pontos na carteira de habilitação? Certamente que não é o povo pobre que anda espremido no péssimo transporte coletivo de norte a sul deste país. Quem se desculpa com sua diarista por “não poder” lhe pagar um pouco mais porque a vida está difícil, mas gasta três salários mínimos em um único vestido (estou aliviando a mão) para uma única festa? Certamente que não é a mulher que enfrenta quádrupla jornada de trabalho para dar conta da vida, dos filhos, da luta coletiva e ainda limpar a sujeira da sua família — porque, né… isso é da conta de cada um, mas o machismo e a divisão sexual do trabalho impede os homens de realizarem em casa essa tarefa “menos nobre”. (Não vou citar como corrupção a troca do voto por rancho porque de alguma maneira o povo mais pobre precisa ter de volta o que lhes é roubado diariamente. Acho lamentável que seja assim, mas jamais culparei um pai ou mãe de família que assiste cotidianamente a fome dos filhos por aceitar rancho de candidato salafrário.)

Poderia ficar o resto da vida dando exemplos de como somos complacentes com a corrupção quando essa nos beneficia e só vamos reclamar dela quando, depois de ter virado prática institucionalizada e cotidiana no país, atingir níveis estratosféricos e se voltar contra nós (me colocando aqui como classe média privilegiada que tem discernimento sobre seus atos para ninguém achar que é texto de ressentida, revoltada e coisa e tal). Chegará o dia em que a corrupção será declarada como problema de saúde pública ou crime hediondo — talvez devesse ser declarada assim desde antes — porque o dinheiro desviado da saúde e da educação, só para citar dois exemplos, é responsável diretamente pela morte de centenas de pessoas todos os dias neste país.

Quem não tem a capacidade de sentir a dor do outro, sua necessidade e nem ver sua opressão e que só enxerga o próprio umbigo se dará conta de que a parte mais fraca da chamada pirâmide social tem direito, sim, a fazer justiça de alguma forma? Essas pessoas vão às ruas protestar se dizendo “indignadas” com a corrupção que elas mesmas perpetuam e ajudam a promover. Mas cadê que percebem que tem gente morrendo por sua responsabilidade e culpa? Cadê que sentem culpa por isso? Cadê que percebem que numa sociedade o ato de um respinga na vida do outro e que não somos ilhas?

Essa ideia de democracia representativa de apertar botão numa urna a cada dois anos em que o povo escolhe representantes que decidirão por ele o que é importante é falsa, porque as decisões de fato importantes não são tomadas pelos eleitos e nem podem ser fiscalizadas pelos eleitores.

Disse José Saramago, sobre a falsa democracia em que vivemos:

Tudo se discute neste mundo, menos uma única coisa: não se discute a democracia. A democracia está aí como uma espécie de santa no altar, de quem já não se esperam milagres mas que está aí como uma referência, uma referência: a democracia! E não se repara que a democracia em que vivemos está sequestrada, condicionada, amputada, porque o poder do cidadão, o poder de cada um de nós, limita-se, na esfera política a tirar um governo de que não se gosta e a pôr um outro de que talvez se venha a gostar. Nada mais. As grandes decisões são tomadas numa outra esfera e todos sabemos qual é: as grandes organizações financeiras internacionais, os FMIs, a organização mundial do comércio, os bancos mundiais, a OCDE, tudo isso. Nenhuma dessas organizações é democrática e, portanto, como é que podemos continuar a falar de democracia se aqueles que efectivamente governam o mundo, não são eleitos democraticamente pelo povo? Quem é que escolhe os representantes dos países nessas organizações? Os respectivos povos? Não! Onde está, então, a democracia?”

Estou defendendo claramente a ideia de que, de forma organizada, o povo mais pobre tem o direito democrático de roubar para matar a fome sua ou de um filho; ou fazer o gato de luz ou de tevê a cabo; ocupar prédios vazios quando não tenha onde morar ou quando for desalojado por conta de obras que beneficiam poucos; ocupar terras improdutivas para produzir alimento para subsistência; tomar de assalto uma farmácia com a lista de medicamentos receitados para toda uma comunidade pelos médicos do posto de saúde, e onde não tem remédio disponível porque o dinheiro foi desviado ou ainda não chegou por conta da burocracia; ou ainda tomar de assalto uma livraria para que todas as crianças de uma comunidade tenham material escolar e possam estudar. A isso chamo de expropriação justa e democrática, o direito de tomar para si a tarefa de fazer justiça, já que a chamada justiça favorece àqueles que menos precisam dela (aqui o link para monografia de Ivan Ribeiro sobre a justiça pender sempre para o lado mais forte.)

Se essa sociedade não é para todos, se o Estado não protege a todos, temos o direito de desobedecê-lo e a suas regras que beneficiam uma minoria poderosa. Não estou falando para cada um sair amalucadamente fazendo a sua justiça, mas para fazermos isso de forma consciente, organizada e coletiva. Ocupemos as praças e as ruas das cidades e façamos a democracia real, participativa. Não tenhamos medo de defender abertamente o que queremos. Se já na exigência começarmos a fazer concessões, chegaremos ao final das “negociações” sem nada. Precisamos ousar mais, precisamos de coragem para exercer nossos direitos.

Prestem atenção nessa assembléia de Nova Iorque, do movimento Occupy Wall Street e percebam o que é democracia direta:

Não preciso que a “justiça” ou um governo determine a que tenho direito nessa vida ou pelo que devo lutar. Estou farta de ver milhares crianças morrendo de fome diariamente para que alguns comam caviar e enquanto outros fazem proselitismo político com dinheiro público; farta de ver a violência contra mulher crescer porque essa opressão sustenta esse sistema podre que explora 99% para manter o luxo de 1%; farta de ver a intolerância e a impunidade manter na marginalidade negros, homossexuais, estrangeiros mundo afora como se fossem menos humanos que outros.

A corrupção só é possível nessa falsa democracia capitalista em que vivemos, onde o 1% suborna uma parcela dos 99% que detém os cargos de decisão e representação, e mantém o restante dominado e massificado através da grande mídia para permanecerem dominando. Numa democracia direta, sem burocracia ou intermediários, sem opressores e oprimidos, onde o povo decida onde e como aplicar os recursos disponíveis, não há espaço ou desvios para corruptos e corruptores.

Desobediência civil já, e que pode ser organizada nas redes sociais. Por que não?

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ps: A desobediência civil já foi proposta como forma de insurreição contra ditaduras, por Gandhi na Índia colonizada pela Inglaterra, por Martin Luther King na luta pelos direitos civis nos EUA e até numa campanha para vereador em Porto Alegre em 1982 pelo companheiro/camarada Zezinho Oliveira  que tinha como slogan “Desobedeça” — Ele aparece nesse documentário do Cio da Terra (próximo dos 30 minutos). Os tempos eram outros (o PT, partido pelo qual ele era candidato também), mas o sentido é o mesmo. Ao rever o documentário fiquei me perguntando onde foi que retrocedemos tanto? onde foi que “encaretamos” dessa forma?

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15 de Outubro: um só planeta, uma só voz!

Texto publicado no Diário Liberdade

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O capitalismo vive sua maior crise e o povo explorado, pressionado pelo desemprego e falta de perspectiva, está nas ruas. As chamadas primaveras no mundo árabe (que somam alguns outros elementos além dos econômicos), nos países da Europa e agora também nos Estados Unidos funcionam que como estimulante para que cada vez mais pessoas saiam às ruas parecem não empolgar os brasileiros.

A grande imprensa que até ontem convocava as marchas contra a corrupção, e que tiveram sua segunda edição nesse feriado de 12 de outubro, hoje já decreta seu fracasso e tenta analisar porque elas não deram certo e chamam especialistas que tentam dar a explicação mais convicente que seja ao mesmo tempo não comprometedora. Mas o que motiva a grande imprensa e essa coordenação-não-coordenação “apartidária” e “apolítica” nesses movimentos anti-corrupção? O escritor Alex Castro já os tinha analisado brilhantemente e concluído assim:

“Se você é contra a corrupção, parabéns. Todo mundo é. Pare de chover no molhado e vá se engajar nos grandes debates do nosso tempo. Cotas raciais, código florestal, política externa, Belo Monte, tudo isso é mais importante do que faniquitos anti-corrupção que não levam (e nem poderiam levar) a nada.”

Diferente do que ocorre no mundo todo, quando a maioria oprimida está nas ruas dizendo que não vai pagar a conta da crise provocada pela minoria que sempre os explorou e lucrou as custas do seu trabalho, nestes movimentos anti-corrupção qual é o alvo? A corrupção? De quem? Não existe uma cara, um foco para esse movimento e por isso elas não mobilizam. Como bem disse o Alex, “ideologia é como espinafre no dente: a gente só vê o dos outros” e não há como mobilizar as pessoas a irem às ruas em movimentos que se dizem apartidários e apolíticos. Porque para levar as pessoas às ruas é preciso conscientizá-las politicamente e isso envolve ideologia. Mas qual? E quando começa-se o processo de conscientização como que faz para parar? Como se estabelecem barreiras de até onde se pode saber, se informar, questionar? As pessoas não são tão manipuláveis assim e não interessa a essas coordenações-não-coordenações e nem a grande imprensa conscientizar ninguém.

Para colaborar com esse processo há o desinteresse imediato (o próprio bolso) para tirar essas pessoas de casa ou desviá-las de atividades de lazer — porque, sim, boa parte da chamada classe média em ascensão no país agora tem direito à lazer, mesmo que a ampla maioria ainda não tenha — para marchas e discussões mais aprofundadas. A questão é: Até quando o Brasil resistirá ao terremoto que sacode o mundo? Até quando assistiremos passivos os trabalhadores do resto do mundo perdendo seus empregos e indo às ruas protestar sem precisar fazer o mesmo? E por fim as perguntas que mais me perturbam nessa história toda: É cada um por si mesmo, cada povo no seu país protestando contra a sua elite exploradora e seus governos à serviço do capital? Não há solidariedade? Sério que estamos nos achando inatingíveis pela crise que não precisaremos sair as ruas, nem mesmo em apoio aos trabalhadores do resto do mundo? Sério que achamos que respostas isoladas darão conta de um problema mundial?

O capitalismo é global e essa onda globalizante foi criada pelos próprios manipuladores do sistema para explorar mais e melhor. Fato é que a crise também é global e, felizmente, a reação dos trabalhadores também está sendo global e as ocupações das ruas e praças estão se espalhando pelo mundo todo, e depois que chegou aos Estados Unidos — de onde ninguém esperava ver brotar a indignação — se tornou viral. Os protestos anticapitalistas organizados nas redes sociais são a bola da vez. Como um vírus criado para sabotar o sistema operacional, os indignados estão usando as ferramentas que encurtam distâncias antes totalmente elitizadas para organizar suas insurreições e sabotar o sistema que os explora e que não lhes serve mais.

A próxima insurreição já está marcada e as convocações seguem via redes sociais (facebook e twitter principalmente). O 15.O pretende ocupar as praças do mundo todo e já está confirmado em 40% dos países do planeta e em 17 estados brasileiros (63%). As acampadas começarão às 16h de sábado 15 de outubro e se estenderão até às 23h do domingo, 16 de outubro. Temos um alvo concreto, definido, e motivos reais para ocuparmos o planeta no próximo sábado.

E antes de pensar que a crise não lhe atinge neste momento e que seu emprego e futuro estão garantidos, olhe bem em volta e pense melhor. Afora a crise que pode nos atingir muito em breve, temos muito contra o que protestar como a construção devastadora da usina de Belo Monte e o desmatamento desenfreado da Amazônia, provocada pela ganância e sede de lucro que não pensa no futuro do planeta e nem nos povos que dependem da floresta para viver; os índices altíssimos de violência contra a mulher, provocada pela desigualdade de gênero que é um dos pilares de sustentação do capitalismo e a ainda desigualdade de salários entre homens e mulheres; os crimes da ditadura que permanecem impunes e perpetuam a tortura como modus operandi do Estado brasileiro e que atinge os mais pobres e negros, que reforçam a impunidade (que só faz fortalecerem a corrupção); as desocupações higienistas para a Copa do Mundo que prejudicam os mais pobres; a intolerância e o preconceito que criminaliza pobres e negros; a criminalização dos movimentos sociais que tem provocado repressão violenta aos movimentos grevistas de professores, técnicos, bancários (e outras categorias) país afora; o monopólio das comunicações que manipula e permite que apenas cinco famílias determinem o que a grande maioria da população receberá de informação e a impede de se manifestar; o elitizado acesso à internet que impede o acesso da maioria da população à informação e conhecimento e inclusive impede de saberem de insurreições como essa; a luta pela reforma agrária, que além de diminuir os crimes e a fome no campo garantirá o abastecimento a todos e ajudará a conter o desmatamento ilegal…

Enfim, escolha a sua bandeira e acampe na praça da sua cidade no dia 15, discuta os problemas da cidade, do país e do mundo, exerça a democracia real. Os tentáculos do capitalismo estão por toda parte e de alguma maneira te atingem e prejudicam. E se ainda faltar empolgação e motivos para ocupar as praças do Brasil no 15.O, leia o discurso da ativista Naomi Klein na ocupação de Wall Street em Nova Iorque. Veja um trecho:

‎”Dez anos depois, parece que já não há países ricos. Só há um bando de gente rica. Gente que ficou rica saqueando a riqueza pública e esgotando os recursos naturais ao redor do mundo. (…) Estamos encarando uma luta contra as forças econômicas e políticas mais poderosas do planeta. Isso é assustador. E na medida em que este movimento crescer, de força em força, ficará mais assustador. (…) Tratemos este momento lindo como a coisa mais importante do mundo. Porque ele é. De verdade, ele é. Mesmo.”

É necessária uma revolução ética, uma mudança de rumo. O capitalismo trata pessoas como números, coisas. Juntos podemos mudá-lo!

15 de outubro: um só planeta, uma só voz!

peixinhos, organizados, podem vencer o tubarão

Confira o manifesto de convocação do 15.O no Brasil e as cidades (e locais) organizadas para as acampadas, no Brasil e no mundo.

Confira aqui o mapa mundial do 15.O atualizado.

Assista a convocação de Eduardo Galeano para o 15.O:

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Dilma se alia aos algozes da ditadura e trai seus velhos companheiros de luta

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Texto publicado no Diário Liberdade
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Desde a ditadura militar essa é a bandeira oficial do Brasil -- desenho de Carlos Latuff

Há quase dois anos que milito mais ativamente na luta pela abertura dos arquivos da ditadura militar e pela punição dos torturadores. Nesse período foram muitas as perdas e decepções. Aliás, foram só perdas e decepções. 

Nesses poucos mais de vinte meses vi o governo Lula manter o sigilo eterno — criado por Fernando Henrique Cardoso — sobre os arquivos da ditadura quando tinha poderes para abri-los; vi o STF estender a anistia aos torturadores ao julgar improcedente a APDF 153 que pedia a revisão da Lei da Anistia; vi o governo Lula fazer campanha publicitária (Memórias Reveladas) e gastar dinheiro público pedindo ajuda à população por informações sobre os desaparecidos quando esses desapareceram sob a tutela do Estado brasileiro e ao mesmo tempo que mantém sob seu poder essas informações, nos arquivos mantidos como secretos ad eternum; vi o Ministério da Defesa criar em 2009 um grupo de trabalho para procurar os restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia que já no nome negava a história, e que só criou porque foi obrigado judicialmente por uma ação movida pelos familiares dos mortos e desaparecidos e que até agora não apresentou resultados concretos; vi o Brasil ser condenado na Corte Criminal da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 14/12/2010 a rever a Lei da Anistia (assim como fizeram ArgentinaChileUruguai que apuraram, julgaram e condenaram as violações de DH de suas ditaduras militares) e nada fazer; vi o governo Lula terminar e nada de Comissão da Verdade ou abertura dos arquivos; vi uma guerrilheira que pegou em armas contra a ditadura militar e que foi presa e torturada chegar à presidência e em nove meses de governo não demonstrar nenhum respeito à memória dos mortos e desaparecidos e, por fim; vi essa mulher ser a primeira na história da humanidade a abrir uma assembléia geral das Nações Unidas e justamente pela pressão internacional e sentença da OEA ainda não cumprida — prazo de um ano se esgota em 14/12/2011 — montar uma farsa e aprovar às pressas o projeto de lei que cria a Comissão Nacional da Verdade na Câmara dos Deputados (projeto ainda precisa passar pelo Senado).

Mesmo depois de todos as derrotas anteriores e sabermos que era uma espécie de farsa, apenas para a ONU, OEA e o mundo verem, houve mobilização em apoio ao “esforço” do governo em aprovar a Comissão Nacional da Verdade. Embora soubéssemos também que o projeto a ser aprovado era uma mutilação daquele  previsto no terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos apresentado no final de 2009, artistas fizeram abaixo-assinado e enviaram mensagens aos deputados, entidades de Direitos Humanos se fizeram presentes no Congresso e acompanharam a ministra Maria do Rosário no momento da entrega simbólica do projeto ao parlamento e durante todo o dia ativistas na web fizeram um tuitaço (esforço concentrado na rede social e microblog Twitter) através da hashtag #ComissãoDaVerdade.

Antes disso, quando os familiares dos mortos e desaparecidos tiveram acesso à versão final do projeto que seria votado pelo Congresso Nacional, divulgaram um documento onde propunham algumas alterações. Alegavam que se o projeto fosse aprovado da forma como o governo estava negociando teríamos uma Comissão de Meia Verdade. As alterações propostas pelos familiares dos mortos e desaparecidos foram apresentadas como emendas em plenário pelo PSOL e pela deputada Luiza Erundina e nenhuma foi aprovada. Essas alterações continuam sendo propostas na tramitação do projeto no Senado e já houve até uma manifestação em São Paulo em apoio a elas.

Manifestação em São Paulo na sexta 30/09/2011 em apoio às alterações no projeto da Comissão da Verdade que permitam a punição dos torturadores da ditadura militar

A Comissão da Verdade é importante e é retratada na sentença, “o Tribunal valora a iniciativa de criação da Comissão Nacional da Verdade e exorta o Estado a implementá-la”, mas sem a revisão da lei da Anistia é cortina de fumaça. É dever da cidadania fazer ecoar nos quatro cantos do país um brado: Cumpra-se por inteiro a sentença da OEA.” — dizia Mercelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP em artigo publicado no Blog do Tsavkko em 27/06/2011.

Já tramitava desde o início do ano um projeto da deputada Luiza Erundina que propunha rever a Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, a Lei da Anistia. Pois, segundo Erundina, sem rever a Lei da Anistia e sem a possibilidade de punir os torturadores essa Comissão da Verdade é inócua. Eis que o partido do governo — da presidenta Dilma Vana Rousseff, militante da luta armada, ex-torturada, vítima da ditadura militar e de um partido dito de esquerda e defensor dos Direitos Humanos –, PT, se alia ao deputado Jair Bolsonaro — a escória do Congresso Nacional, defensor da ditadura e dos torturadores, misógino, homofóbico e racista (para quem não o conhece basta pesquisar em qualquer site de busca da internet) — para derrubar o projeto de Erundina e manter a Lei da Anistia, mesmo sabendo que existe uma sentença da OEA que obriga o Brasil a tomar providências quanto às violações de DH cometidas pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar.

Neste momento está no plenário do Senado, pronto para ser votado, o projeto de lei que regulamenta o sigilo de documentos oficiais. O texto, que tramita em regime de urgência, estava previsto para entrar na ordem do dia do plenário no último dia 22/09. Mas ainda não foi à votação. Mas não esqueçamos que além da presidenta Dilma abrir mão da decisão e passá-la para o legislativo, o relator do projeto é o senador Fernando Collor que junto com José Sarney é um dos mais resistentes à abertura dos arquivos da ditadura. Como o projeto trata do acesso a todos os documentos oficiais, não me espantaria que na negociação do apoio desses dois senadores (e dos demais contrários, e eles são muitos pelos mais diferentes motivos e interesses) ficassem de fora os documentos classificados como ultrassecretos — justamente os do período de 1964-1985 — ou ainda que estendam o prazo que esses documentos ficarão indisponíveis. 

A única chance da Comissão da Verdade cumprir o papel esperado, jogar luz nos porões da ditadura militar, era estar combinada com a revisão da Lei da Anistia (possibilidade de punição dos torturadores) e com a abertura dos arquivos da ditadura (acesso aos documentos que de fato podem revelar a verdade sobre o destino dos mortos e desaparecidos e as condições reais de suas mortes e desaparecimentos). Sem isso a Comissão da Verdade não passa de uma farsa e de deboche com a democracia e com os Direitos Humanos.

Não existem mais dúvidas quanto ao “compromisso” do PT e deste governo com a Comissão da Verdade e a passar a limpo as páginas mais obscuras de nossa história e punir os torturadores, é NENHUM. É como se os mortos, desaparecidos e torturados da ditadura estivessem sendo de novo, de novo e de novo mortos, desaparecidos e torturados. E o nosso compromisso com eles, que tombaram numa luta desigual e bárbara para que nós tivéssemos hoje liberdade de expressão e democracia, é dobrado. Enquanto houver um único desaparecido sem que saibamos em que condições foi desaparecido e sem que o Estado brasileiro peça oficialmente desculpas às famílias das vítimas da ditadura, em luto permanente e inacabado, não teremos uma democracia de fato.

Segundo a cientista política do departamento de Ciências Políticas da Universidade de Minnesota, Kathryn Sikkink, “os julgamentos e a punição de torturadores ajudam a construir o Estado de direito, deixando claro que ninguém está acima da lei. Além disso, a punição deixa claro que haverá ‘custos’ para os agentes individuais do Estado que se envolverem em abusos dos direitos humanos, e isto pode ajudar a prevenir futuras violações de direitos humanos. Os julgamentos também são acontecimentos altamente simbólicos que comunicam os valores de uma sociedade democrática em favor dos direitos humanos e do Estado de direito”. Em sua opinião, “a tortura, como crime contra a humanidade, não deveria estar sujeita a leis de anistia ou à prescrição”.

Vale lembrar à presidenta Dilma que Luiza Erundina quando prefeita de São Paulo mandou abrir a Vala de Perus em 1990 no Cemitério Dom Bosco, onde foram encontradas 1049 ossadas (e alguns dos desaparecidos da ditadura militar) e são a prova de que a tortura, morte e desaparecimento se tornaram práticas usuais dos aparelhos de repressão do Estado brasileiro, mesmo depois da “democratização” do país. Erundina assumiu para si a responsabilidade histórica que é de todos nós. Dilma Rousseff pode mandar abrir os arquivos secretos no momento que assim decidir e dar dignidade à sua trajetória política e à história do Brasil. Só não o faz porque não quer. De certo que não é por falta de coragem, afinal é preciso muito mais coragem e estômago para se aliar aos seus algozes do que enfrentá-los como já o fez no passado. 

Me sinto traída por este governo e pelo Brasil que insiste em manter esse passado esquecido e intocado e neste momento sequer consigo me colocar no lugar dos familiares dos mortos e desaparecidos, diante dessa tortura que parece não ter fim. Não sei muito bem o que propor, mas é certo que precisamos fazer algo concreto e é hora de unir esforços.

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Que venha a Comissão Nacional da Verdade!

Já escrevi muito aqui no Pimenta sobre a necessidade da abertura dos arquivos da ditadura para que, conhecedores de nossa história real, concreta, possamos construir uma democracia sólida, sem o risco sempre presente da violação dos direitos humanos pelo Estado — a herança mais perversa do regime militar. Já me manifestei, esperneei, indignei sobre a decisão do STF em não rever a Lei da Anistia e estendê-la aos torturadores e nos tirar a possibilidade da justiça sobre os crimes cometidos durante a ditadura militar.

Confesso que não me agrada o viés dessa Comissão Nacional da Verdade e acho que ela não cumprirá o papel de jogar luz nos porões da ditadura, já que alguns arquivos continuarão secretos ad eternum. Como muito bem salientou Marcelo Semer em sua coluna hoje no Terra Magazine, “Comissão da Verdade encerra ciclo da redemocratização“:

Ainda que se disponha a “promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres”, não tem nem terá competência para julgá-los.

Mas depois de ver o STF estender anistia aos torturadores e a presidenta Dilma Rousseff, com poderes para determinar a abertura imediata dos arquivos secretos da ditadura, jogando a bola para o Congresso Nacional, repleto de apoiadores e beneficiários do regime militar, o que nos resta?

Respirar fundo, lamentar que quase todos os países da América Latina que “superaram suas ditaduras, revogaram leis de anistias ou atualizaram suas jurisprudências de acordo com as normas internacionais, para julgar crimes de lesa humanidade cometidos no período” (Semer) e que o Brasil não fará isso — e digo isso com muita raiva e tristeza — e apoiar a criação da Comissão Nacional da Verdade. Afinal, como diz Suzana Lisbôa, da Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos, “a única luta que se perde é a que se abandona“.

Artistas e intelectuais lançaram um manifesto em defesa da Comissão da Verdade —  encabeçados por Leonardo Boff, Emir Sader, Marilena Chauí e Fernando Morais —  e estão colhendo apoios e assinaturas. Várias entidades e personalidades defensoras dos Direitos Humanos acompanharão neste 21 de setembro, a ministra Maria do Rosário na entrega simbólica do Projeto de Lei 7.376/2010 que cria a Comissão Nacional da Verdade no Congresso Nacional, às 16h. Estarei atenta acompanhando, pois há a possibilidade de ser votada ainda hoje.

É o que temos pra hoje. Então, que venha a Comissão Nacional da Verdade e o futuro!

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Participando do tuitaço pela aprovação da #ComissãoDaVerdade.

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A luta pela democratização da comunicação e o caso dos blogueiros reificados

Quando ainda estava na faculdade — já era comunista, feminista e já tinha deixado muitos outros “istas” para trás –, descobri o que era reificação, um conceito marxista pós Marx utilizado por Georg Lukács em “A Consciência de Classe” e por muitos outros teóricos . Simplificando — e traduzindo –, a reificação é o processo de alienação após a tomada de consciência de classe pelo trabalhador explorado. Normalmente esse “fenômeno” atinge as categorias dos profissionais liberais que negociam individualmente seus salários e condições de trabalho e, por — isso e também por — já terem reconhecido a própria exploração (atingido a consciência de classe), se veem livres dela ou acham que já a superaram. Um dos erros mais grotescos segundo a ótica marxista, embora bastante comum. Esse foi o mote da minha monografia de conclusão da graduação.

Há bem pouco tempo atrás conversando com um amigo radialista esportivo lá de Pelotas, Régis Oliveira (ex-militante do antigo PCB), muito crítico e observador, ele me dizia que o militante de esquerda sofre de uma espécie de alienação com relação ao partido e ao seu ativismo, de modo que seu senso crítico fica comprometido naquilo que diz respeito à política partidária/sindicato/movimento (teoria e prática) e à atuação e comportamento de seus líderes. Cheguei, então, a conclusão que o fenômeno da reificação acontece também entre os militantes/ativistas da esquerda.

Após ter participado do 2º BlogProg em Brasília caí numa espécie de turbilhão maniqueísta, onde eu só poderia estar certa ou errada, ser boa ou má. Essa dicotomia entre o bem e o mal é o pior veneno para as relações humanas coletivas, porque individualmente até reconhecemos nossa humanidade e que somos todos bons e maus num só e isso não é demérito nenhum, etc, mas coletivamente a tendência é sempre forçamos a barra na disputa dos bonzinhos contra os vilões maus, dos coloridos contra os monotemáticos, dos amplos contra os bitolados. Odeio essa dicotomia e odeio ainda mais me ver jogada em seu meio e reconheço que andei colaborando com ela, mesmo que não intencionalmente no caso do Eblog versus BlogProg.

Mas depois de ser insultada e aviltada em minhas redes sociais por lideranças do BlogProg — que se prestaram ao triste papel de cumprir o ritual da grande imprensa de desqualificar a pessoa que os critica na tentativa de desmerecer a crítica feita e assim não precisar respondê-la –, tentei analisar de novo a mesma situação com a minha melhor e mais límpida lente, a do marxismo. (Aqui abro um parênteses para registrar que uma crítica feita em particular de forma solidária e generosa pelo blogueiro Marcelo Augusto Damico, logo após o lançamento do manifesto do Eblog, foi o fator que desencadeou essa minha re-análise)

De repente alguns blogueiros defensores costumazes e incansáveis da Democratização da Comunicação acharam que do alto do acúmulo de sua imensa e valorosa luta (e não há nenhum sentido irônico nisso, eu realmente respeito e valorizo sua luta e empenho), poderiam se dar ao luxo de não aderir à blogagem coletiva convocada pelo Eblog ao final do nosso manifesto. Oras (aqui faço uso de ironia), por que blogueiros já tão famosos e reconhecidos nesse campo de luta dariam respaldo e ‘pelota’ para um grupinho “divisionista”, de “esquerdistas puros” e tão oposicionista? Foi quando fiz essa pergunta (ou outra bem parecida com o mesmo sentido e tom irônico) no tuíter que percebi que esses blogueiros vivem o fenômeno da reificação. Esqueceram o inimigo maior, o sentido real da luta e julgaram não ser preciso fazer a “concessão” de dividir sua luta conosco. Como se fosse mesmo um campinho de futebol do qual eles se apossaram e para onde costumam levar grande público para assistir os jogos dos quais participam. Os blogprog não compareceram ao “jogo”/blogagem coletiva pela #DemoCom (com exceção da Conceição Oliveira, Beto Mafra — que inclusive fez o banner que ilustra este post — e Daniel Dantas). A esvaziaram propositalmente, provavelmente, na expectativa de nos impingir uma flagorosa derrota. Pois, bem. Fomos todos derrotados e quem sai fortalecido é quem não precisa de reforço ou vitórias.

O blogueiro Eduardo Guimarães, do Movimento dos Sem-Mídia, na mesa com o ministro das Comunicações Paulo Bernardo no 2º BlogProg, o questionou duramente sobre quando os Marinho terão de se desfazer de parte do seu patrimônio ao lembrar do caso da Argentina, onde o grupo Clarin estaria sendo obrigado pela Ley dos Médios a se desafazer de parte de seu patrimônio para descaracterizar monopólio/oligopólio. A diferença fundamental entre Brasil e Argentina é que nossos vizinhos têm um governo forte e atuante sobre o Estado e sociedade, que não é refém dos grandes grupos empresariais que ajudaram a financiar campanhas eleitorais e agora cobram o retorno desse apoio como no Brasil. Tanto assim que a Argentina já julgou e condenou mais de 300 militares e torturadores sem que isso causasse nenhuma convulsão política ou social.

O Brasil é um caso único no mundo inteiro na relação de poder dos meios de comunicação com a sociedade e governos (assista o documentário Além do Cidadão Kane, da BBC-Londres de 1993). Os grupos que hoje dominam a comunicação (e detém em suas mãos o comando do país — e não sejamos ingênuos em dizer que o candidato deles era José Serra e foi derrotado, porque hoje sabemos que tanto faz como tanto fez quem venceu as eleições de 2010) ou surgiram e/ou se fortaleceram após o golpe militar. As empresas que financiaram o golpe e deram manutenção financeira à tortura — e por consequência ajudaram a financiar os golpes militares dos países do Cone Sul e a Operação Condor — são as mesmas empresas que hoje financiam TODAS as campanhas eleitorais de TODOS (ou quase todos) os partidos para garantir que a verdade sobre suas relações com o golpe e a tortura nunca venham a público. Duvidam? Basta pesquisar as doações de campanha de qualquer candidato no site do TSE, é público, e comparar com o depoimento que faz Ivan Seixas ao denunciar alguns dos financiadores do golpe militar.

Achar que um questionamento mais duro ao ministro num evento promovido por si e seus parceiros é mais importante e eficaz do que somar esforços numa blogagem coletiva, que poderia ter chamado a atenção de todo o mundo virtual brasileiro para a luta pela democratização da comunicação, é um erro tão grotesco quanto o do trabalhador autônomo que pensa já ter superado sozinho a opressão de classe. Está achando o paralelo da reificação esdrúxulo? Então olhe quem é o grande vencedor no caso do trabalhador autônomo e no caso dos blogueiros boicotantes da #DemoCom.

Abusando cinicamente da dicotomia entre o bem e o mal, uso os versos do Belchior de uma música feita durante a ditadura que ainda faz sentido: “eles venceram e o sinal está fechado pra nós que somos jovens; para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua é que se fez o seu braço, o seu lábio e a sua voz“.

Eles venceram, e para que usamos nossos braços, lábios e vozes?

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NOTA: Se mais algum blogprog participou da blogagem coletiva pela #DemoCom e eu não citei, me avisem que retifico imediatamente.

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Nota dos blogueiros de esquerda (Eblog) em apoio aos estudantes da PUCRS

O grupo dos Eblog – Blogueiros de Esquerda – apoia os estudantes combativos da PUCRS e repudia veementemente as agressões desferidas pelo Diretório Central de Estudantes (DCE) dessa universidade há mais de 20 anos. As agressões – físicas ou não – se repetem ano após ano, a cada eleição fraudada, ameaça ou via de fato, e a Reitoria da PUCRS, vergonhosamente, se omite, assim como o Ministério Público, deixando à própria sorte milhares de estudantes de uma das universidades mais importantes do país, mas que não consegue sequer garantir aos próprios alunos a segurança e o direito à democracia interna. Dessa forma, repudiamos não apenas as ações do DCE, mas as omissões dos diversos órgãos que deveriam proteger a liberdade dos estudantes contra uma máfia instalada desde a década de 1990. Ao mesmo tempo, manifestamos nosso apoio e solidariedade não apenas aos estudantes da PUCRS envolvidos nos recentes protestos, mas a todos os agentes e entidades sociais presentes nessa importante luta democrática, e os convidamos a usar nossos espaços da mídia independente e popular para publicizar e defender suas demandas.

Eblog – Blogueiros de Esquerda

Alexandre Haubrich — Jornalismo B

Lucas Morais — Diário Liberdade

Thiago Miranda dos Santos Moreira — Ruminando Ideias

Luka da Rosa — Bidê Brasil

Renata Lins — Chopinho Feminino

Gilson Moura Henrique Junior — Transversal do Tempo

André Raboni — Acerto de Contas

Rodrigo Cardia — Cão Uivador

Niara de Oliveira — Pimenta com Limão

Mayara Melo — Mayroses

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Mulher, guerrilheira e agora presidenta

Hoje é um dia histórico para o Brasil, assim como foi o dia 1º de janeiro de 2003. Depois de empossar o primeiro operário de esquerda como seu presidente, o Brasil irá empossar a primeira mulher de esquerda (*) como sua presidenta. Dilma Vana Rousseff tem em seu currículo alguns “agravantes” como ser ex-guerrilheira, assim como o atual presidente do Uruguai José Pepe Mujica,  ter sido torturada durante a ditadura militar, assim como a ex-presidenta do Chile Michele Bachelet, e ser solteira (oi?).
Estou fazendo essa relação com os demais países do Cone Sul por dois motivos. O primeiro é que aos poucos, o processo de tomada de poder pelas forças populares e de esquerda que se avizinhava nas décadas de 60 e 70 na América Latina e interrompidos à força pelas ditaduras militares patrocinadas pelos EUA, retoma o seu curso “natural”. A América Latina vem dando passos significativos rumo ao rompimento de sua histórica opressão e exploração e está acelerando o passo. Afora o Chile e Honduras, onde a esquerda teve retrocessos, nos demais países essa identidade latino-americana se fortalece.
Segundo porque esse é um dia histórico também para as mulheres latino-americanas. Depois de Michele Bachelet, Cristina Kirchner – atual presidenta da Argentina e provável candidata à reeleição este ano – agora teremos também no Brasil uma mulher no comando da nação. Dilma venceu uma campanha nojenta de tão suja e baixa e apesar de não ter votado nela por motivos que já relatei aqui, não deixo de reconhecer o mérito de sua vitória. Ela saiu dos bastidores, saiu debaixo da asa do presidente Lula, fugiu do scrip e, imprimindo o seu jeito de ex-guerrilheira disciplinada à sua causa misturado ao seu pragmatismo de economista e generosidade de mulher, foi derrubando preconceitos e vencendo covardias.
Nada fácil ser mulher e ser vitrina num país preconceituoso como o Brasil, que finge não ser racista mas trata negros como cidadãos de segunda classe e acha que cota é segregação. Finge não ser homofóbico mas incentiva os crimes contra homossexuais repetindo surras e assassinatos na tevê que ficam impunes (e ainda insinua o tempo todo uma suposta homossexualidade da presidenta eleita por ser ela solteira e independente). Finge tratar a todos igualmente, mas dá tratamento jurídico diferenciado a ricos e pobres e torce o nariz ao ver suas lojas, supermercados, aeroportos – antes exclusivos da burguesia e classe média – invadidos por pobres. Finge não ser machista, mas trata feminicídios como crimes comuns e pune duplamente as vítimas desqualificando-as moralmente através de sua sexualidade, e trata aborto como tema político e religioso. É preciso ter estômago. Dilma teve. Enfrentou tudo isso com coragem, meses depois de ter vencido um câncer e ainda teve a dignidade de não usar a doença, tratamento e recuperação como arma midiática na sua campanha.

Entendo a presença de mais de cem blogueiros progressistas, sujos ou de esquerda hoje em Brasília para cobrir a posse presidencial. Eles trabalharam duro na defesa da canditura de Dilma – embora eu ache tanto envolvimento complicado, a blogosfera tem essa liberdade e a honestidade de escancarar suas bandeiras – e estão orgulhosos do seu trabalho pela democratização da comunicação, se sentem partícipes da vitória de Dilma e desejam ardorosamente ver a milicada bater continência para uma guerrilheira. Vibrei vendo Mujica diante das Forças Armadas uruguaias e vibrarei ainda mais vendo Dilma diante das Forças Armadas brasileiras. Porque sabemos que a tortura é ultrajante (dizendo o mínimo) para qualquer ser humano, mas – prá variar – é mais cruel com as mulheres. É simbólico e emocionante que Dilma tenha convidado suas companheiras de cárcere para estarem presentes hoje em sua posse em Brasília.
Claro que tenho minhas críticas e continuarei tendo. Não abro mão de minhas lutas, princípios e bandeiras e penso que a crítica justa é fundamental para acertar o passo e não desviar do caminho e espero que a memória da presidenta não fique apenas nos simbolismos e protocolos cerimoniais. Mas reconheço o tamanho desse dia para o Brasil, para as mulheres e para toda a América Latina e torço para estar errada em minhas previsões mais negativas. Lula cometeu muitos erros, mas acertou em cheio ao reforçar a unidade latino-americana. Sua eleição reverberou e impulsionou muitas outras vitórias da esquerda no continente e eu espero que a eleição de Dilma impulsione muitas vitórias mais, da esquerda e das mulheres latino-americanas.
Meu desejo nesse primeiro dia de década? Que este continente seja varrido pelos ventos da liberdade e da justiça. “Bora” começar a bater as asas?
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Loca por ti, America!

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(*) É preciso diferenciar o fato de eleger uma mulher de eleger uma mulher de esquerda. Yeda Crusius como governante não se diferenciou em nada de um homem. E embora eu tenha críticas sobre o quanto o PT, Lula e Dilma estejam à esquerda na política, e economicamente não se diferencie muito dos demais governos e propostas, no campo das políticas sociais as diferenças são brutais de governos da direita, PSDB e afins.
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Nota: Sobre o início do governo de Tarso Genro e a volta do PT ao governo do Rio Grande do Sul, não vou me manifestar agora. Vou apenas comemorar o fim do desgraçado desgoverno Yeda. Pode?

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Um fio de esperança que arrebenta

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Confesso que guardava escondidinho um fio de esperança que o presidente Lula abrisse os arquivos da ditadura militar carimbados como ultra secretos, que são responsabilidade do executivo, e que tiveram esse carimbo renovado ad eternum por Lula quando do vencimento do prazo de 25 anos a partir da Lei da Anistia. O fio arrebentou. E a Secretaria de Direitos Humanos está lançando mais alguns livros sobre tortura e a repressão no campo durante a ditadura. Preferia menos livros e mais atitudes. Embora o registro seja importante, ele não é incorporado à grade curricular na disciplina de História do Brasil e sabemos que eles são feitos porque esse é o limite da ação da SDH.

É decepcionante e lamentável a falta de atitude do Brasil nesse caso. Enquanto os demais países do Cone Sul passam sua história a limpo e aos poucos vão condenando os militares torturadores de seus períodos ditatoriais, o Brasil prefere passar esse recibo vergonhoso de jogar a sujeira para debaixo do tapete. Mais lamentável ainda é a atitude das próprias Forças Armadas que deveriam ter interesse em ver julgados e condenados os militares que se envolveram na tortura para limpar o nome da corporação. Ao acobertarem seus colegas assassinos e psicopatas, se envolvem nessa lama como se a tortura, o assassinato e o desaparecimento forçado dos opositores do regime fosse (é) prática institucionalizada da corporação.

Pior do que não punir os torturadores é não dar às famílias dos desaparecidos políticos o direito de enterrarem seus entes queridos e encerrarem seu luto inacabado. Essa tortura continuada é inominável. Assim como o ministro da Comunicação Social Franklin Martins, eu espero ver  um dia o presidente da República pedir desculpas ao país em nome do estado brasileiro e das Forças Armadas pela ditatura e atrocidades cometidas. Acreditei que Lula faria isso. Não fez, foi omisso e covarde. Fico aguardando a atitude de Dilma, ex-guerrilheira e vítima da tortura e que sabe como ninguém o mal que esses animais fizeram ao país. Mas é improvável que faça, embora eu torça para não ter razão.

Como punir policiais que praticam a tortura em delegacias país afora, se os militares da ditatura não o foram? Mesmo que inicialmente sejam punidos com medidas paliativas quando são flagrados – e apenas quando são flagrados -, esses policiais sempre terão a seu favor o argumento da impunidade de gente que torturou e matou muito mais do que eles e com a autorização do Estado brasileiro. A tortura é prática institucionalizada no país e o tal estado democrático de direito é cuspido e pisoteado diariamente e com o aval da Justiça.

Parte da revolta que senti quando o Supremo Tribunal Federal estendeu a anistia aos torturadores foi abrandada agora, com a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA condenando o Brasil no caso da Guerrilha do Araguaia  e obrigando-0 a investigar o caso (o Brasil sequer admitia a existência da Guerrilha do Araguaia, que dirá da chacina promovida pelo Exército).


Diz a sentença: “investigue o caso, determine as responsabilidades penais e aplique as devidas sanções; esforce-se para descobrir o paradeiro das vítimas, identificá-las e entregar os restos mortais a seus familiares; ofereça tratamento médico e psicológico às vítimas; realize ato público de reconhecimento de responsabilidade no caso; promova curso ou programa sobre direitos humanos para integrantes das Forças Armadas; e adote medidas para tipificar o delito de desaparecimento forçado de pessoas de acordo com os parâmetros interamericanos.” Leia a íntegra da sentença.

Apesar de ter sido uma vitória, foi uma vitória vergonhosa, desonrosa. O Brasil só tomará uma atitude com relação aos crimes promovidos pelo Estado naquele período – e apenas de uma parte desses crimes – porque uma corte internacional o está obrigando. Enquanto isso, a Argentina faz a lição de casa e só em 2010 já condenou 89 repressores de sua ditadura militar.

(Aqui eu abro um parênteses para dizer que a mim incomoda muito essa história de indenização, embora seja um direito das famílias. Durante os governos de Fernando Henrique Cardoso começaram os processos de reconhecimento de perseguições políticas e os pagamentos de indenizações e ficou a impressão de que o Estado tinha feito a sua parte. Ou seja, sempre que há dinheiro envolvido fica essa impressão de ‘pagamento’ – no sentindo de fazer justiça – por algo que não tem preço e nem medida. Mas voltarei a esse ponto outro dia.)

Para encerrar uma boa notícia. Entrou em vigor dia 24 de dezembro a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados, ratificada por 20 países – Albânia, Alemanha, Argentina, Bolívia, Burkina Faso, Chile, Cuba, Equador, Espanha, França, Honduras, Iraque, Japão, Cazaquistão, Mali, México, Nigéria, Paraguai, Senegal e Uruguai. Outros 70 países também já afirmaram sua intenção de ratificá-lo no futuro. Sentiram a falta do Brasil na lista dos países ratificadores da convenção? Mais uma vergonha… Como diria um cantor nativista daqui de Pelotas, Joca Martins, “é aí que me refiro” que ser ou não de esquerda não faz a menor diferença. A dita esquerda hoje no poder abandonou a esquerda que tombou combatendo a ditadura (*) e que contribuiu muito para que hoje vivamos numa democracia. Um arremedo de democracia, é bem verdade, mas infinitamente melhor que qualquer ditadura.
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(*) Mesmo que os personagens sejam os mesmos, fazendo desse momento e abandono um ato quase esquizofrênico.

Nota: O Pimenta com Limão é um grão de areia no mar da comunicação brasileira, mas continuarei a minha luta pela abertura dos arquivos da ditadura e pela punição dos torturadores.

Assine o abaixo-assinado da OAB-RJ pela abertura dos arquivos.

Osmar Prado ‘interpreta’ Maurício Grabois, comandante da Guerrilha do Araguaia, desaparecido no natal de 1973:

Assista aos outros vídeos da Campanha pela memória e pela verdade da OAB-RJ gravados por Fernanda Montenegro, Glória Pires, Mauro Mendonça, Eliane Giardini e José Mayer.


A greve de fome como instrumento de luta

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Era março de 2001, e iniciava o segundo mandato de Inguelore de Souza à frente da reitoria da Universidade Federal de Pelotas. Logo depois do golpe que a reitora deu no Conselho Universitário para que não houvesse consulta à comunidade, no processo de escolha de seu sucessor, e face aos arbitrários atos de sucateamento da assistência estudantil (bolsas de auxílio, restaurante universitário, casa do estudante e transporte – que ineditamente passou a ser cobrado), os estudantes entraram em greve. Eles foram acompanhados e apoiados pelos servidores e docentes (os docentes entravam e saíam da greve semanalmente, em função da correlação de forças na categoria). Acabou se constituindo uma greve da comunidade universitária da UFPel.
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Eu era jornalista da Seção Sindical da Associação dos Docentes da UFPel e cedida ao Comando de Greve. Foi uma longa greve e apesar dos motivos serem justos e do movimento estar muitíssimo bem organizado naquele período, o tempo foi passando e o impasse não se resolvia. A reitoria não cedia um milímetro e nem o movimento, e as interferências do MEC só agravavam o quadro. Veio e desgaste e a necessidade de radicalizar ações para dar sustentação ao movimento. Era quase final de abril.

Centro de Integração do Mercosul, prédio da UFPel e local da greve de fome dos estudantes em 2001

Nesse momento, um grupo de estudantes me chamou para uma reunião meio clandestina no Sindicato dos Bancários de Pelotas. Lá me informaram que haviam decidido fazer uma greve de fome (o tal ato radicalizado). Fiquei assustada e fui avisada que no dia seguinte, pela manhã, eles iriam se acorrentar aos pilares do saguão do Centro de Integração do Mercosul (prédio da universidade localizado na Andrade Neves esquina Lobo da Costa). Depois que eles saíssem para o ato, em meia hora eu deveria ligar para a imprensa e comunicar o início da greve de fome. Isto tudo sem o conhecimento prévio da direção da ADUFPel – “meus chefes” – e nem do Comando de Greve.

Cassiano, Mana e Giovani no saguão do C.I. Mercosul

A reitoria não cedeu em nada e eles saíram da greve de fome após oito dias por intervenção médica. A greve da comunidade acabou algum tempo depois. Da minha parte sobrou uma amizade um pouco à distância com os três estudantes que se sacrificaram por aquele movimento: Giovani Girolometto, Cassiano Gasperin e Mana Gotardo. Dos três, mantenho contato mais frequente com a Mana.
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Quando o dissidente e preso político (alguns dizem que era um criminoso comum) cubano Orlando Zapata Tamayo morreu após 85 dias de greve de fome, em 23 de fevereiro deste ano, travei via tuíter um debate com o Raphael Tsavkko do Blog do Tsavkko sobre a validade da greve de fome enquanto ferramenta de luta.
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Neste debate (que pode ser conferido no início do artigo do Raphael sobre o tema), discordamos e combinamos escrever, cada um em seu blog, um artigo defendendo nossos pontos de vista. O artigo de Tsavkko foi antecipado em face de uma declaração desastrada (neste ponto concordamos) do presidente Lula logo depois de sua chegada de Cuba. Para quem não se lembra do episódio, Lula estava em Cuba no dia do funeral de Zapata e foi muito questionado pela grande imprensa sobre o fato.
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Tendo um caso de greve de fome tão próximo a mim, obviamente fui direto à fonte e entrevistei informalmente a Mana para subsidiar o artigo que escreveria. Infelizmente não tive tempo e nem inspiração para escrever o meu artigo. Nem poderia. Tudo já havia sido dito na entrevista/conversa. Melhor do que ler um monólogo meu sobre o tema, é ler essa conversa, principalmente a opinião de uma ex-grevista de fome sobre o seu uso como ferramenta de luta. Aproveitem.
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Mana Gotardo e Giovani Girolometto, amigos até hoje

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Como vocês chegaram à decisão de que a greve de fome era uma alternativa de luta naquele contexto?
Nós tínhamos muitas pessoas envolvidas e se aproximando do processo e elas estavam radicalizando cada vez mais, e quanto mais acirrado o movimento ficava, mais gente vinha. Por isso a greve de fome veio em um momento que nós precisávamos de mais “gás” e ocupar mais espaço na mídia, pois as ocupações e atos estavam perdendo esse espaço e precisávamos de um fato novo. Essas foram basicamente as questões.
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Como foi a decisão sobre quais pessoas fariam a greve de fome?
Havia várias pessoas que iriam participar da greve que depois por razões diversas não puderam. Queríamos pessoas que se dispusessem a chamar atenção para o movimento, a greve de fome era para isso. Não tínhamos interesse em projetar nomes e sim insistir na divulgação do objetivo do movimento que na época era a garantia de políticas de assistência estudantil. Tanto que sempre que a imprensa falava no nosso estado de saúde, tentávamos puxar de volta para a causa/razão de estarmos ali.
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Se temos o objetivo de que todas as pessoas tenham direito a alimentação digna, fazer greve de fome não é contraditório? Se sacrificar a esse ponto não é estranho?
Uma coisa é lutar para que todos tenham direito a se alimentar dignamente e tudo mais. Outra coisa é uma opção de privação. Pode até parecer contraditório e literalmente é. Mas não acho que seja quando isso é entendido como uma forma de luta. E veja: Quando eu entrei na greve de fome, apesar da minha compreensão, eu nunca imaginei morrer ali. O risco era medido. Resistiria enquanto entendesse que meu organismo aguentaria. Ao menos era o que eu acreditava. Estávamos acompanhados de um médico que nos dizia insistentemente que deveríamos de imediato voltar a comer. Mas também íamos sentindo a evolução desse ato de não comer, tanto que quando começamos a perceber os limites mais claros disso, saímos. Acredito que podemos ficar sem comer, sem prejuízo nenhum ao organismo além de sentir fome. E quem sabe o ideal era que nem fosse assim.
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Lá, em meio à greve de fome, como vocês avaliavam a situação? Tinha esse espaço? O restante da coordenação do movimento discutia com vocês, ou era decisão pessoal?
Era uma coisa um pouco difícil, porque ouvíamos de tudo.  Desde as pessoas que repudiavam o que estávamos fazendo até as mais comovidas. Então a situação emocional era bastante complicada. Tanto a coordenação do movimento ia tomando decisões levando em conta nosso estado, assim como ficávamos sabendo o que se passava fora e discutíamos junto. A nossa saída foi uma decisão da coordenação, porque o movimento estava sendo absorvido pela greve de fome em si e precisávamos voltar pra questão do ponto inicial. Por isso a greve acabou. Eu saí um dia antes.
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Continuas acreditando que greve de fome, em momentos que a luta (qualquer uma) necessitar ser radicalizada, é uma ação válida?
Sim. Mas acho que ela é perigosa, porque tende a enfatizar mais as pessoas e menos as causas. Chama demais os holofotes para o sacrifício pessoal e a luta em si permanece desfocada. Por isso só acho que ela seja justa na medida em que de fato mantém o elemento motor mais em evidência que a pessoa que esta se “sacrificando” por isso. É uma opção da pessoa estar nessa luta. Mas não faz por si, faz pela causa, pelo movimento. Eu às vezes me constrangia por ocupar uma atenção que não queria. Não tenho uma opinião formada em relação a levá-la ate as últimas consequências.
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Como no caso dos cubanos…
Eu não levaria e desaconselharia qualquer um a fazer. Acredito que cada um tenha as suas motivações, mas acho que as pessoas são mais importantes vivas e na luta, do que mortas para virarem quadros de paredes. Acho que a greve de fome é valida como forma de luta, mas não quando pode levar a morte.  Não sei se poderíamos comparar, mas é algo tipo os “homens bombas”.
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Farias de novo?

Solaine (Mana) Gotardo, 31 anos, é licenciada em filosofia e mora em Pelotas

Faria. Desde que me sentisse suficientemente convencida de uma causa. Mas insisto que não morreria ali. É válida apenas como ferramenta. As comparações são um tanto extremas, mas digo que são atitudes mais radicalizadas. O que quero dizer com ferramenta é que pode ser um ato, uma ocupação ou uma greve de fome. Existem níveis de radicalidade.

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Tu te sacrificarias, te privarias pela luta, mas não vês sentido em morrer por isso…
Isso. Nas condições de hoje não morreria. Os militantes que foram à luta armada na ditadura e morreram, não foi desse modo. Até porque são causas pontuais. Alguns morreram e se sacrificaram para não entregar a vida de seus camaradas. E isso, sim, seria capaz. Ao menos, gostaria. Mas volto a dizer: Acho que as pessoas são importantes vivas nesse momento. No caso da guerrilha, ninguém pretendia morrer. Foram assassinados. Eles apenas não deixaram de lutar por medo de serem mortos. Sabiam do risco. Mas não era o objetivo, eram as condições. Acho a greve de fome uma forma legitima de luta. Mas ela não precisa ser levada ao último estágio para ter sua eficácia comprovada. Aliás, na maior parte das vezes não tem eficácia momentânea.
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Como foi que decidisse participar da greve de fome? Motivo, objetivo, estado de consciência…
Eu estava bastante envolvida há tempos com o movimento e quando surgiu a ideia, logo disse que me disporia. Não pensei muito nisso. Nós queríamos muito que o movimento fosse a frente e acreditávamos que a greve de fome fosse um meio. A privação consciente de alimento por alguns dias, sabendo que é um período finito, acho até válida. O fanatismo de achar que morrer pela causa vai alterar algo é que acho grotesco, estúpido. Ainda mais numa luta pontual. Num movimento mais amplo, talvez. Mas tem outras formas.
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Eu tinha dúvidas na época sobre o estágio de consciência de vocês no processo. Na hora em que vocês me comunicaram (e ainda pedindo segredo), confesso, fiquei atônita. Se tivessem me perguntado, eu diria “vão inventar outro jeito de radicalizar o movimento”…
Sabe que me dei conta de uma coisa? Acho que nunca tinha conversado sobre esse assunto desse modo. Acho que fiquei com alguns problemas em relação àquilo. Principalmente porque outros setores do movimento (outras forças/tendências) diziam que nós queríamos nos projetar com nossa privação. Projeção enquanto pessoas.
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Vocês avaliaram, entre vocês apenas, o ato, resultado, etc.?
Evitava falar pra não ficar assumindo essa coisa da greve fazer parecer as pessoas mais importantes do que o processo. Não lembro se avaliamos, Niara. Mas como eu, o Cassiano e o Giovani nos dávamos muito bem (nos damos ainda), sempre abríamos muito o jogo lá dentro (da greve). Sempre falávamos muito sobre o que estávamos sentindo. Porque nós, de fato, não sabíamos que implicações para a nossa saúde aquilo teria e também nem que tipo de sintomas eram normais ou não. Então, mesmo em condições temporais de privação comuns, nós tínhamos sentimentos diferentes, e por isso falávamos sempre tudo o que sentíamos. No fundo, sempre houve um pouco de medo. Nós não sabíamos mesmo o que poderia dar.
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Medo de ficarem com sequelas? Ou de alguém correr realmente risco de morte?
Nessas horas surgem várias teses. O Arílson (Arílson Cardoso, médico sanitarista), que nos acompanhou, foi fantástico nisso. Nos examinava todos os dias e ia dizendo mais ou menos que tipos de sintomas a gente deveria estar sentido. Na verdade os sintomas são mais físicos que mentais. Os efeitos psicológicos vêm do contexto porque sabíamos que tinha um movimento envolvido.
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Isso deve ter sido fundamental para tranquilizar vocês, dar mais ou menos segurança…
Claro. O Arílson nos dizia, individualmente, como reagir aos sintomas. Cada corpo reage de um jeito. Por exemplo, ele dizia que o Giovani tendia a ser o mais fraco fisicamente, não só pela magreza dele, mas pelo conjunto. E que, no geral, mulher resiste melhor física e emocionalmente. Ele mesmo dizia que existem poucos estudos sobre esse assunto e portanto, passam a ser quase que hipóteses. Mas nos dizia que era mais ou menos por ali e reafirmava que, como médico, a orientação era para que nos alimentássemos.
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* A greve de fome durou ao todo oito dias e terminou no dia 2 de maio.
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* Giovani Girolometto é veterinário e Cassiano Gasperin, arquiteto.
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Atualmente o tema volta à tona com a greve de fome do cineasta iraniano Jafar Panahi, preso político do governo de Mahmoud Ahmadinejad durante 50 dias. Jafar Panahi (O Círculo e O Balão Branco), que esteve diversas vezes no Brasil,  foi libertado nesta terça-feira, 25 de maio. Ele estava em greve de fome há uma semana e teve em seu favor cartas ao governo e justiça iranianos pedindo sua libertação assinadas por Martin Scorsese, Steven Spielberg, Francis Ford Coppola, Robert de Niro e Robert Redford, além de uma fiança de U$ 200 mil e muitos protestos durante o Festival de Cannes.
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Atualização 26/05, 13h30: Agradeço ao Giovani Girolometto que enviou a foto deles no saguão do C.I. Mercosul durante a greve.
NOTA: Se alguém tiver fotos da greve de 2001 na UFPel, peço que envie para ilustrar esse post.
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