Tristeza, marcada a ferro na memória…

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Dia 09 — O livro mais triste que você já leu

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Vou subverter um pouco para chegar ao livro mais triste que li. Porque não é só o livro mais triste, é também o livro mais revoltante. Aliás, não é apenas um livro, são todos que tratam do tema. Não há um só depoimento, trecho, texto que leia sobre a ditadura militar que me deixe triste, arrasada e, por consequência, revoltada.

Mas o primeiro com relatos detalhados sobre as torturas foi Brasil: Nunca Mais. Foi meu primeiro contato com esse nível de atrocidade e eu só tinha 14 anos. Li outros livros mais tarde, igualmente tristes e revoltantes pra mim, que descreviam outras situações como a agonia da vida clandestina, a incerteza da vida em aparelhos, nas fugas, a tortura psicológica como Batismo de Sangue, de Frei Betto. Mas o projeto que originou o livro, organizado pelo arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns e pelo pastor presbiteriano Jaime Wright e equipe, é um retrato cruel, nu e cru, dos porões da ditadura militar e foi a primeira vez que alguém jogou luz neste porão e de forma tão organizada.

O projeto Brasil: Nunca Mais foi realizado clandestinamente entre 1979 e 1985 e é, junto com a documentação garimpada e organizada pela Comissão dos Familiares dos Mortos e Desaparecidos, o que se tem de oficial sobre essa parte trágica da história do país, já que os arquivos secretos das Forças Armadas e dos órgãos de repressão continuam lacrados.

Eles sistematizaram as informações de mais de um milhão de páginas contidas em 707 processos do Superior Tribunal Militar (STM) revelando a extensão da repressão política no Brasil cobrindo um período que vai de 1961 a 1979. O livro que é atribuído a Arns — autor do prefácio –, é na verdade resultado do esforço de mais de 30 pessoas e teve papel fundamental na identificação e denúncia dos torturadores do regime militar. Durante seis anos eles se debruçaram na tarefa de desvelar as perseguições, os assassinatos, os desaparecimentos e as torturas — os atos praticados nas delegacias, unidades militares e locais clandestinos mantidos pelo aparelho repressivo no Brasil.

Em resposta ao livro Brasil: Nunca Mais, os militares escreveram o Tentativas de Tomada do Poder baseado em documentação produzida pelos órgãos de repressão do período, contendo uma versão policial sobre a história e as pessoas citadas. Como se fosse possível comparar os atos da luta armada contra o Estado organizado para matar, desaparecer e torturar.

A Graúna Luciana escreveu um post sobre o livro e eu me identifiquei demais com ele, então deixo aqui porque não saberia escrever melhor.

A dor e a tristeza que sinto com os relatos desse livro é tanta que nem sei explicar ou escrever. Me calou e cala fundo demais ler sobre tudo que está relatado nessas páginas. Assumi a luta pela abertura dos arquivos da ditadura e pela punição dos torturadores porque considero a mais justa das lutas. Em breve vou escrever sobre a prática do desaparecimento político que é usada única e exclusivamente contra ativistas de esquerda e sobre o tamanho de sua crueldade. Eu só consegui ler o Brasil: Nunca Mais uma única vez. Nunca mais sequer o folheei. Ficou inteiro marcado a ferro em minha memória.

Muito já escrevi sobre isso aqui no Pimenta e quase que diariamente comento a respeito nos meus perfis nas redes sociais e minha inspiração e determinação podem ser resumidos nessa frase da Suzana Lisboa (que presidiu a Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos e foi uma das poucas a encerrar seu luto porque a ossada de seu marido, Luiz Eurico Tejera Lisboa foi encontrada na Vala de Perus, em 1990), “a única luta que se perde é a que se abandona“.

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Aqui, uma versão digital do Brasil: Nunca Mais (não encontrei em pdf)

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Também participam dessa brincadeira a Luciana do Eu Sou a Graúna, a Tina do Pergunte ao Pixel, a Renata do As Agruras e as Delícias de Ser, a Rita do Estrada Anil, a Marília do Mulher Alternativa, a Grazi do Opiniões e Livros, a Mayara do Mayroses e a Cláudia do Nem Tão Óbvio Assim. E tem mais a Fabiana Nascimento que posta em notas no seu perfil no Facebook.

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Sobre Niara de Oliveira

ardida como pimenta com limão! marginal, chaaaaaaata, comunista, libertária, biscate feminista, amante do cinema, "meio intelectual meio de esquerda", xavante, mãe do Calvin, gaúcha de Satolep, avulsa no mundo. Ver todos os artigos de Niara de Oliveira

4 respostas para “Tristeza, marcada a ferro na memória…

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