Hoje é um dia histórico para o Brasil, assim como foi o dia 1º de janeiro de 2003. Depois de empossar o primeiro operário de esquerda como seu presidente, o Brasil irá empossar a primeira mulher de esquerda (*) como sua presidenta. Dilma Vana Rousseff tem em seu currículo alguns “agravantes” como ser ex-guerrilheira, assim como o atual presidente do Uruguai José Pepe Mujica, ter sido torturada durante a ditadura militar, assim como a ex-presidenta do Chile Michele Bachelet, e ser solteira (oi?).
Estou fazendo essa relação com os demais países do Cone Sul por dois motivos. O primeiro é que aos poucos, o processo de tomada de poder pelas forças populares e de esquerda que se avizinhava nas décadas de 60 e 70 na América Latina e interrompidos à força pelas ditaduras militares patrocinadas pelos EUA, retoma o seu curso “natural”. A América Latina vem dando passos significativos rumo ao rompimento de sua histórica opressão e exploração e está acelerando o passo. Afora o Chile e Honduras, onde a esquerda teve retrocessos, nos demais países essa identidade latino-americana se fortalece.
Segundo porque esse é um dia histórico também para as mulheres latino-americanas. Depois de Michele Bachelet, Cristina Kirchner – atual presidenta da Argentina e provável candidata à reeleição este ano – agora teremos também no Brasil uma mulher no comando da nação. Dilma venceu uma campanha nojenta de tão suja e baixa e apesar de não ter votado nela por motivos que já relatei aqui, não deixo de reconhecer o mérito de sua vitória. Ela saiu dos bastidores, saiu debaixo da asa do presidente Lula, fugiu do scrip e, imprimindo o seu jeito de ex-guerrilheira disciplinada à sua causa misturado ao seu pragmatismo de economista e generosidade de mulher, foi derrubando preconceitos e vencendo covardias.
Nada fácil ser mulher e ser vitrina num país preconceituoso como o Brasil, que finge não ser racista mas trata negros como cidadãos de segunda classe e acha que cota é segregação. Finge não ser homofóbico mas incentiva os crimes contra homossexuais repetindo surras e assassinatos na tevê que ficam impunes (e ainda insinua o tempo todo uma suposta homossexualidade da presidenta eleita por ser ela solteira e independente). Finge tratar a todos igualmente, mas dá tratamento jurídico diferenciado a ricos e pobres e torce o nariz ao ver suas lojas, supermercados, aeroportos – antes exclusivos da burguesia e classe média – invadidos por pobres. Finge não ser machista, mas trata feminicídios como crimes comuns e pune duplamente as vítimas desqualificando-as moralmente através de sua sexualidade, e trata aborto como tema político e religioso. É preciso ter estômago. Dilma teve. Enfrentou tudo isso com coragem, meses depois de ter vencido um câncer e ainda teve a dignidade de não usar a doença, tratamento e recuperação como arma midiática na sua campanha.
Entendo a presença de mais de cem blogueiros progressistas, sujos ou de esquerda hoje em Brasília para cobrir a posse presidencial. Eles trabalharam duro na defesa da canditura de Dilma – embora eu ache tanto envolvimento complicado, a blogosfera tem essa liberdade e a honestidade de escancarar suas bandeiras – e estão orgulhosos do seu trabalho pela democratização da comunicação, se sentem partícipes da vitória de Dilma e desejam ardorosamente ver a milicada bater continência para uma guerrilheira. Vibrei vendo Mujica diante das Forças Armadas uruguaias e vibrarei ainda mais vendo Dilma diante das Forças Armadas brasileiras. Porque sabemos que a tortura é ultrajante (dizendo o mínimo) para qualquer ser humano, mas – prá variar – é mais cruel com as mulheres. É simbólico e emocionante que Dilma tenha convidado suas companheiras de cárcere para estarem presentes hoje em sua posse em Brasília.
Claro que tenho minhas críticas e continuarei tendo. Não abro mão de minhas lutas, princípios e bandeiras e penso que a crítica justa é fundamental para acertar o passo e não desviar do caminho e espero que a memória da presidenta não fique apenas nos simbolismos e protocolos cerimoniais. Mas reconheço o tamanho desse dia para o Brasil, para as mulheres e para toda a América Latina e torço para estar errada em minhas previsões mais negativas. Lula cometeu muitos erros, mas acertou em cheio ao reforçar a unidade latino-americana. Sua eleição reverberou e impulsionou muitas outras vitórias da esquerda no continente e eu espero que a eleição de Dilma impulsione muitas vitórias mais, da esquerda e das mulheres latino-americanas.
Meu desejo nesse primeiro dia de década? Que este continente seja varrido pelos ventos da liberdade e da justiça. “Bora” começar a bater as asas?
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Loca por ti, America!
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(*) É preciso diferenciar o fato de eleger uma mulher de eleger uma mulher de esquerda. Yeda Crusius como governante não se diferenciou em nada de um homem. E embora eu tenha críticas sobre o quanto o PT, Lula e Dilma estejam à esquerda na política, e economicamente não se diferencie muito dos demais governos e propostas, no campo das políticas sociais as diferenças são brutais de governos da direita, PSDB e afins.
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Nota: Sobre o início do governo de Tarso Genro e a volta do PT ao governo do Rio Grande do Sul, não vou me manifestar agora. Vou apenas comemorar o fim do desgraçado desgoverno Yeda. Pode?
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1 janeiro, 2011 at 3:38 AMjan
Acho um belo simbolismo, votei na Dilma e não concordo em milhares de posições dela, mas votei por não ver a construção de uma alternativa ao 2º turno, c’est la vie. Bem ela irá pro palácio com a filha e terão 10 ex-presas políticas ao lado dela, simbilismos lindos, assim como os do Lula, mas sinceramente não vislumbro muita coisa para além de simbolismos lindos…
1 janeiro, 2011 at 3:38 AMjan
Também não vislumbro, Luka. Mas torço para estar enganada.
1 janeiro, 2011 at 3:38 AMjan
Perdoe-me, Luka, por discordar. Acredito, sinceramente, que o Governo Dilma irá além de meros simbolismos. Mas, acredito, também, que terá de enfrentar uma oposição “armada até os dentes”, irá enfrentar uma mídia ainda mais “suja” contra ela…
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Mas, sabemos, é cedo. Muito cedo para avaliarmos.
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Por enquanto, vamos torcer, fazer a nossa parte, ver até onde chegamos.
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Saúde, Sorte, SUCE$$O.
1 janeiro, 2011 at 3:38 AMjan
O que dizer desse seu texto, senão perfeito? Como você, também tenho minhas críticas ao PT. No entanto, a Dilma sempre despertou minha admiração, tanto pela sua história, quanto pela sua postura frente às eleições e diante das acusações infundadas e preconceituosas que recebeu durante a campanha. Ver o Brasil governado por uma mulher combatente da Ditadura em um momento que o conservadorismo parece mais duro do que nunca, é algo a se comemorar e, a simples imagem da ex-guerrilheira torturada, agora diante dos milicos batendo continência, certamente entrará pra história.
Independente das minhas críticas ao partido e suas alianças, estou feliz com a Dilma lá.
Mas como você, também manterei meus questionamentos, para que as ações da nossa presidenta estejam alinhadas ou, no mínimo, próximas das aspirações da verdadeira esquerda.
1 janeiro, 2011 at 3:38 PMjan
Detalhe: Estou dormindo em média três horas a cada 24h nos últimos cinco dias e dormi minhas três horas de hoje justamente durante a posse. Ainda não vi a tão aguardada cena da milicada batendo continência para a guerrilheira. Afffff… Mundo injusto, esse.
1 janeiro, 2011 at 3:38 PMjan
Sobre o PS: é que ser mulher não garante nada. Como também não garante ser homem. A simbologia de se eleger uma mulher é forte, seja qual for, mas a política implementada deve ser avaliada independente do gênero. E Dilma, espero, há de fazer um grande governo.
Ótimo post.
3 janeiro, 2011 at 3:38 AMjan
[…] Porém levar em consideração apenas os simbolismos, que são lindos, fortes e emocionantes é da mesma forma cegueira política. Em seu primeiro discursso Dilma Roussef destaca o caráter de continuidade do seu governo recém-iniciado – talvez para entender as críticas ao governo Lula a leitura do post em partes do Tsavkko ajude bastante estão aqui, aqui e aqui – re-lembrou a luta das guerrilhas urbanas e rurais contra a ditadura militar e fala explicitamente de conciliação de classes. Infelizmente os simbolismos de mulher e ex-guerrilheira ficam apenas nos simbolismos e durante o decorrer do discursso não ganham força política para fazer um govero de real mudança. […]
27 janeiro, 2011 at 3:38 AMjan
Teu post é excelente.
Enquanto isto nas novelinhas babacas da ‘Rede Roubo’, Maitê Proença fica procurando um macho selvagem para prostituir a sociedade – e incitar o ódio à presidenta Dilma Rousseff…
Elitizinha desqualificada, aloprada, frívola, descompreendida, fascista…