Democracia à brasileira II

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Anteontem tive a inspiração que me faltava para escrever o segundo texto da série sobre democracia. Faltava um elo de ligação com um fato real. Esse fato foi a entrevista (sic) da ex-ministra da Casa Civil e candidata à Presidência da República Dilma Roussef, ao José Luiz Datena na Rede Bandeirantes. A entrevista (sic) e sua repercussão (ou não-repercussão) trouxeram à tona o conceito geral que temos, na prática, sobre democracia, imprensa livre e independente e ética. Confesso que estou chocada. Acreditava estar cercada, ao menos virtualmente, de pessoas esclarecidas e bem posicionadas. No geral, são. Mas é preciso se dar conta que democracia não é futebol nem religião, e é um terreno onde não cabem fanatismos. Sob pena de perdermos nosso ceticismo, consciência crítica e passarmos a ver os fatos de forma distorcida, embaçada.

Eu pensei que fosse consenso entre os “meus” que os fins não justificam os meios (preciso lembrar de Stalin, Mao Tse Tung e de todo o Leste Europeu???) e que nos diferenciamos dos canalhas não na ideologia – que cada um tem a sua e tem esse direito, inclusive de achar que a sua é a melhor -, mas na prática, na ética dos atos diários, na chamada práxis (teoria praticada ou a ação prática da teoria).

Não quero apenas que todos tenham direitos básicos respeitados como alimentação, moradia, educação, saúde, transporte, lazer, cultura e informação. Quero um mundo igualitário, justo, ético e com condições equivalentes para todos. Isso tudo, assim, sem conceituar tecnicamente, é o que considero democracia.

Me ocorre um questionamento acerca da entrevista citada: Quando foi que a Band ou o Datena declararam apoio formal ao governo Lula ou a candidatura de Dilma Roussef? Até bem poucos dias, alguns antes da entrevista do presidente Lula ao programa Canal Livre, a Band fazia parte do que o Paulo Henrique Amorim chama de PiG (Partido da Imprensa Golpista). Deixou de ser?

Se considerarmos a hipótese da Rede Bandeirantes estar declarando seu apoio a um partido ou candidato, esse é um dia a ser comemorado no Brasil tanto quanto a Inconfidência Mineira ou a Independência. Uma empresa de comunicação assumindo pública e honestamente suas preferências políticas no Brasil, abriria um precedente salutar e fundamental para a construção de uma democracia sólida e real.

Se não for nada disso, preparem-se! Está aberto um precedente negativo e perigoso nessa campanha eleitoral – na prática já em curso e que, prevejo, será uma das mais repugnantes que já tivemos de presenciar. Os demais veículos se sentirão ‘autorizados’ a fazer o mesmo com os demais candidatos e será um salve-se quem puder.

Aí, eu quero saber: Como os “meus” reagirão? Como essa chamada imprensa alternativa, que tanto critica o comportamento da grande imprensa e o “mau jornalismo” que fazem (até agora com razão), irá reagir? E com que moral irão levantar suas vozes?

Em meio as minhas reclamações solitárias durante e após a entrevista (sic), alguém chegou a justificá-la, como se ela estivesse “equilibrando o jogo”. Desculpem-me, mas dois pesos e duas medidas a mim não servem. O que se viu na Band no último dia 21 não é jornalismo nem aqui e nem na China deve ser (piada tosca). Que dirá jornalismo independente!

Cuidado, blogueiros! Aceitar o jornalismo venal, tendencioso e subserviente só porque está momentaneamente favorecendo o seu candidato, partido ou ideologia, é aceitar que ética e justiça sejam apenas palavras vazias, sem significado, em discursos longos e falsos.

Não basta não sermos canalhas, precisamos provar que não somos nas nossas atitudes cotidianas.

Não basta criticar o mau jornalismo da grande imprensa. É preciso fazer o bom jornalismo, mesmo que para poucos ouvintes. Se não servir para mudar o jornalismo que se faz no país, servirá pelo menos para mantermos nossas consciências tranquilas. Se não houver consciência a ser tranquilizada, é porque, como já disse o Belchior, “eles venceram e o sinal está fechado pra nós, que somos jovens”… (ouça)

(Se estivesse no tuíter, diria agora #prontodesabafei)

Leia também Democracia à brasileira I


Sobre Niara de Oliveira

ardida como pimenta com limão! marginal, chaaaaaaata, comunista, libertária, biscate feminista, amante do cinema, "meio intelectual meio de esquerda", xavante, mãe do Calvin, gaúcha de Satolep, avulsa no mundo. Ver todos os artigos de Niara de Oliveira

2 respostas para “Democracia à brasileira II

  • Fátima Pacheco

    Bom dia – Achei seu texto muito bom. Mostra bem seu ponto de vista. Quero apenas fazer algumas considerações. Primeiro, quando eu via o Brasil Urgente, várias vezes percebi o favoritismo do presidente Lula pelo Datena. Em segundo lugar, a Dilma falou o que acredita ser certo, saúde, moradia, alimentação, pode ser muito pouco para o que desejamos mas para alguns, isso é muito. É o inicio do crescimento da auto-estima (acredito que a auto-estima é fundamental em qualquer processo de mudança). Embora o PT apresente em suas bases a visão socialista, nunca foi dito de forma clara e precisa – O PT luta pelo socialismo. Nunca foi dito como fazem os governantes dos países da ALBA aos quatro ventos – QUEREMOS A REVOLUÇÃO SOCIALISTA. Eu acredito que nesse momento a administração pública do Partido dos Trabalhadores, tenha como objetivo “os primeiros socorros à população” frustrando muitos ex companheiros que auxiliaram a fundar o partido, a coisa terá que mudar e evoluir. Dilma foi muito coerênte com o atual momento da conjuntura porém essa fase é transitória. Quanto a imprensa, jamais somos imparciais, é a parcialidade sempre é favorável ao sistema de governo mais lucrativo. Alguns poucos tentam se distanciar do problema. Creo que você esta muito certa quanto as advertências sobre a imprensa, o caminho pode ser perigoso.
    Receba um grande abraço aqui de Porto Alegre.

  • Raphael Tsavkko

    Análise perfeita. É compreensível que, frente aos constantes e incessantes ataques – normalmente desleais – do PIG ao PT, Lula, Dilma e cia, ao encontrar um programa em que são bem tratados e tem até o saco puxado, acabem se iludindo e apoiando a palhaçada.

    É errado, mas compreensível. É ilusório.

    Mas, temos de convir que todos os candidatos vem tendo o saco puxado nas entrevistas. O que, no geral, é ruim. Elogia-se e não perguntam o que importa, ainda que o Datena tenha tocado em questões importantes e, apesar de “bonzinho”, fez perguntas polêmicas!=)

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