Meu amigo Deogar Soares usava este pensamento para definir sua inadaptação: “É como se existisse uma máquina do tempo predeterminando como e quando cada um de nós deve nascer. A hora do indivíduo. No meu caso, a máquina do tempo deve ter tido um crepe e aqui me pôs em hora e lugar errado. Talvez eu fosse pra amanhã. Talvez eu fosse do passado”.
Esse sentimento de não pertencimento a lugar, tempo e espaço me acompanha desde sempre. Me sinto mesmo um extraterrestre e, confesso, não chega a ser esquisito. Tenho até orgulho de sentir essa estranheza tamanha num mundo tão distorcido em valores, tão torpe. Não consigo me conformar que coisas valham mais que pessoas, que dinheiro valha mais que dignidade e menos ainda que provocar dor em outra pessoa, machucar física ou emocionalmente, seja considerado razoável simplesmente para se safar, salvar, manter seu bem-estar ou obter alguma vantagem. Do meu ponto de vista: Que vantagem há em se tornar menos humano?
Nesses dias em que os direitos humanos são a pauta do dia, e fala-se muito em tortura, abuso, morte e desaparecimento como formas de castigo a “subversivos da ordem”, me dou conta de como um simples pensamento, ideia, é capaz de aterrorizar outra pessoa a tal ponto de transformá-la num monstro. Não estou justificando comportamentos, apenas tentando entender – que fique bem claro.
Me ocorrem duas causas: ignorância e intolerância. A ampla maioria das pessoas é incapaz de conviver com a diferença. Certo estou eu e a maneira como vivo. Quem vive, pensa, se comporta de maneira diferente está errado. Admitir que o outro possa estar certo significa estar errado? Só existem duas alternativas? Obviamente que não, mas como desconhecemos as demais, excluímos.
A nossa maior qualidade como humanos é a multiplicidade, a capacidade de sermos muitos e cabermos todos na mesma espécie, na mesma definição de ser. A diversidade de pensamento e o embate civilizado de ideias é a nossa grande chance de crescimento, para não dizer a única. Afinal, que graça tem viver uma vida inteira, 70, 80 anos, se achando o certo, o correto?
A minha utopia maior sempre foi viver num mundo onde eu me sentisse parte dele, confortável – no sentido de bem-estar e não de comodidade. Significa dizer que este mundo seria habitado por pessoas que se esforçariam ao máximo para melhorar, progredir, crescer. E para isso obrigatoriamente interagiriam com os demais, “tudo junto misturado”, convivendo em harmonia, sem fronteiras, classes, fomes ou privações de qualquer ordem. Mas com inquietude e desconforto suficientes para sempre buscar novos caminhos e desafios.
Quero muito? Quero o impossível, quero mágica, sim. Mas por hoje, bastava não sentir essa dor causada por quem não entendeu a dimensão de minhas utopias maiores e me deixou de presente essa menor, não menos necessária.
14 janeiro, 2010 at 3:38 AMjan
Este texto abriu-me os olhos, depois dele vejo o que antes parecia não existir. Sim, há pessoa bem articulada, inteligente e com coragem para se expor ao debate no “twitter”. Há pessoa que se desfaz de qualquer máscara, dada a própria e indisfarçável autenticidade, envolvendo-se legitimamente em discussões diversas.
Autenticidade e legitimidade, quando associadas a honestidade de intenções, evento raro, podem tornar seus detentores alvos de ataques por gente que, diante de público, “fazem das tripas coração” justamente para não se mostrarem como são.
Infelizmente os mascarados são muito mais abundantes que os autênticos. A incompatibilidade entre componentes de um e outro dos grupos não permite que, entre eles, haja diálogo honesto e produtivo.
Infelizmente tenho experiência própria no assunto. Uma boa atitude seria tentar identificar os não compatíveis e excluir-se da convivência com os mesmos.
14 janeiro, 2010 at 3:38 PMjan
impossivel ignorar. vim pelo twitter, aqui me surpreendi com tamanha força de palavras, atitudes interiores.
há luz sim, há vida real no twitter….pode acreditar.
14 janeiro, 2010 at 3:38 PMjan
Veja o que Nicolás Espejo escreve sobre eleições no Chile e porque ele não vota Frei (coalização de centroesquerda, como a de Lula) nem Piñeira (Berlusconi do Chile, é dono de um império de transporte, comunicação e tudo o mais)
http://blog.latercera.com/blog/nespejo/entry/socialismo_o_barbarie_ni_frei
Mesmo que não concorde, veja o texto do Cornelius Castoriadis. Lembrei dele quando li este seu belo post!
14 janeiro, 2010 at 3:38 PMjan
te entendo perfeitamente. como entendo…não sei se é um sonho um tanto utópico ou se somente ainda muito, muito distante dos nossos dias. adorei te conhecer, mesmo que pela telinha. bjs
14 janeiro, 2010 at 3:38 PMjan
A dor é de quem sente e, hoje em dia, também de quem lê.
2 janeiro, 2011 at 3:38 AMjan
[…] e desacomodando quem o ouvia. Já escrevi sobre ele algumas vezes (Sobre ser jornalista… e Das minhas utopias), e continuarei […]