A longa despedida da ditadura

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Leandro Fortes
Brasília, eu vi

No flagrante, Brilhante Ustra, símbolo de uma época que implora para deixar de existir

Ainda não surgiu, infelizmente, um ministro da Defesa capaz de tomar para si a única e urgente responsabilidade do titular da pasta sobre as forças armadas brasileiras: desconectar uma dúzia de gerações de militares, sobretudo as mais novas, da história da ditadura militar brasileira. A omissão de sucessivos governos civis, de José Sarney a Luiz Inácio Lula da Silva, em relação à formação dos militares brasileiros tem garantido a perpetuação, quase intacta, da doutrina de segurança nacional dentro dos quartéis nacionais, de forma que é possível notar uma triste sintonia de discurso – anticomunista, reacionário e conservador – do tenente ao general, obrigados, sabe-se lá por que, a defender o indefensável. Trata-se de uma lógica histórica perversa que se alimenta de factóides e interpretações de má fé, como essa de que, ao instituir uma Comissão Nacional da Verdade, o governo pretende rever a Lei de Anistia, de 1979.

Essa Lei de Anistia, sobre a qual derramam lágrimas de sangue as viúvas da ditadura em rituais de loucura no Clube Militar do Rio de Janeiro, não serviu para pacificar o país, mas para enquadrá-lo em uma nova ordem política ditada pelos mesmos tutores que criaram a ditadura, os Estados Unidos. A sucessão de desastres sociais e econômicos, o desrespeito sistemático aos Direitos Humanos e a distensão política da Guerra Fria obrigaram os regimes de força da América Latina a ditarem, de forma unilateral, uma saída honrosa de modo a preservar instituições e pessoas envolvidas na selvageria que se seguiu aos golpes das décadas de 1960 e 1970. Não foi diferente no Brasil.

Uma coisa, no entanto, é salvaguardar as Forças Armadas e estabelecer um expediente de perdão mútuo para as forças políticas colocadas em campos antagônicos, outra é proteger torturadores. Essas bestas-feras que trucidaram seres humanos nos porões, alheios, inclusive, às leis da ditadura, não podem ficar impunes. Não podem ser tratados como heróis dentro dos quartéis e escolas militares e, principalmente, não podem servir de exemplo para jovens oficiais e sargentos das Forças Armadas. Comparar esses animais sádicos aos militantes da esquerda armada é uma maneira descabida e sórdida de manipular os fatos em prol de uma camarilha, à beira da senilidade, que ainda acredita ter vencido uma guerra em 1964.

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Nota minha:

O artigo de Leandro Fortes e os demais linkados abaixo são sobre a polêmica em torno da tal Comissão da Verdade prevista no Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3) lançado no dia 21 de dezembro no Palácio do Itamaraty. A tal solenidade onde a ministra Dilma Roussef apareceu pela primeira vez sem peruca – desde que começou seu tratamento contra um câncer – e onde uma colega sua de luta clandestina, Inês Etienne Romeu, presa em maio de 1971, torturada pelo delegado Fleury e condenada a prisão perpétua – cumprida até 1979 – foi homenageada. Tudo muito simbólico e poderia mesmo significar a disposição do governo em rever os crimes de tortura praticados pelo Estado durante a ditadura. Poderia, não fosse essa nova pressão dos ministros militares no apagar das luzes de 2009 e que já fez o presidente Lula recuar e dizer que assinou sem saber o que estava assinando.
Ainda não escrevi a respeito dessa “crise”, fabricada no momento em que acendia uma luzinha fraca, frágil no final do obscuro túnel que poderia nos levar de encontro à nossa história real. Mas estou lendo os textos que surgem, avaliando melhor e logo devo escrever um artigo sobre o tema. Por enquanto publico ou indico os artigos interessantes que encontrei sobre o assunto.
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Outros artigos a respeito da crise sobre a Comissão da Verdade, do PNDH-3:
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Por trás da coincidência, por Janio de Freitas na Folha de São Paulo (via blog do Azenha)

Uma crise fabricada – 1, por Urariano Mota no Luis Nassif Online

Vannuchi: Comissão da Verdade não é contra as Forças Armadas, no Uol Notícias

Tarso Genro fala da polêmica Comissão da Verdade, entrevista ao Jornal do Brasil

Carta aberta de Alípio Freire a Paulo Vannuchi, na Agência Carta Maior

Ratifican la Comisión por la Verdad, no Página 12 (Argentina, 03/01)

Aversão à memória, oportunismo e covardia, por Marco Weissheimer no RS Urgente (03/01)

Notícia anterior:

Ditadura: MPF move ação civil contra Tuma, Maluf e legista por ocultação de cadáver, no site da PMF de São Paulo

Sobre Niara de Oliveira

ardida como pimenta com limão! marginal, chaaaaaaata, comunista, libertária, biscate feminista, amante do cinema, "meio intelectual meio de esquerda", xavante, mãe do Calvin, gaúcha de Satolep, avulsa no mundo. Ver todos os artigos de Niara de Oliveira

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